O
QUÊ DISSERAM OS PAIS? O QUÊ DIRÃO OS FILHOS?
No
meio da viagem alguém se ocupou da poltrona ao lado. Remexeu, virou,
acomodou-se. Nada disse. Meus olhos vagavam nas páginas de “O banquete.” O que
diria Platão sobre o amor nos dias de hoje? O amor possui a força necessária para
cada dia de um ser e dura o tempo de uma busca. Alguns o sentem em maior
intensidade, outros, nem tanto. Amar o próximo como a ti mesmo, já dizia Jesus.
Cheiro de ônibus me dissimula o estômago, vizinho de poltrona afeta os anseios.
Afinal, uma viagem longa faz sensível a convivência.
— Ta indo pra onde, mano?
— Para a cidade adiante – disse sem querer
conversas.
— Quer dizer, a próxima?
— Sim.
— Porque não disse antes?
— Eu disse.
O
rapaz sorriu. Escorregou na poltrona, adormeceu. Cansei do livro. A viagem ia
começar. O tempo de espera, espero lendo. Fechei os olhos como o meu vizinho e
no tempo seguinte a disputa começara. Cada balanço do veículo nossos cotovelos
se tocavam. Uma eu ganhava o apoio, outra ele prevalecia. Ônibus devia ter para
cada poltrona um lugar para cada passageiro colocar os braços. Sei que têm, mas
é estreito como a paciência de um técnico de futebol.
Rousseau
afirma “O homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe.” Penso nos meus maus
costumes, a sociedade não tem nada com isso. Sou eu que penso, que escolho...
que decido? Não! Se pudesse decidir queria uma viagem com duas poltronas, só
para mim. Não sou anti-social é que não gosto de acotovelar ninguém.
As
luzes se acenderam, o moço não acordou. O veículo parou por alguns instantes e
em seguida ganhou a viagem. O jovem continuava alternando o respirar. Não sei
qual a diferença de um respirar sonoro de um ronco. Respirar com som para mim é
roncar. Assustado, o observei como um avaliador de quadros. No alto da cabeça
uma grande mecha preta se sobressaía das outras cores, do seu lado esquerdo um
vermelho que não afugenta o olhar ditava o tom, e o distinto azul preenchia o
lado direito. Meus olhos seguiram a linha dourada das costeletas como os
movimentos de torcida numa partida de tênis.
Adormeci.
Em partes, pois me indagava constantemente se eu estava em um ônibus ou numa
nave espacial ao lado de um extraterrestre. Abri os olhos e comparei com as
luzes pálidas do painel acima, não era jogo de luzes. Não insisti na
comparação, pois o painel pareceu me dizer: não é culpa minha. Encolhi na
poltrona, meus pensamentos decifravam a estranha figura.
— O que você tava lendo, mano? Ele perguntou se
ajeitando enquanto se enrolava numa toalha protegendo-se do frio.
— O banquete de Platão. – Respondi mais amigo
dessa vez.
— Hum... coisa de intelectual, saquei! – Estalou
os dedos. – Percebi agora como você fala. Mas não dou trato nessas paradas não,
meu negócio é curtir a vida.
— Eu te entendo. Já tive a sua idade e cada um
possui uma curtição adequada para o seu tempo.
— Isso, mano! Coisa de intelectual. – Falou
mudando a voz em tom sarcástico.
Sorri. No tempo dele havia razão.
Pensei em tudo, mas tudo mesmo. As
fotografias do meu pai me foram uma saída. Sorri da moda que ele seguia.
Envergonhei-me das camisas e das calças que ele usava e do corte de cabelo da
época, ruborizei. Olhei novamente os cabelos do rapaz, perdi noção do futuro.
Se Rousseau estivesse ali? Diria que um ser humano se corrompeu com uma arara?
A moda dita os costumes. Pensando nos dias do meu pai, cogito os dias que são
meus. Reflito no jovem arara. A sociedade é quem providencia os nossos
costumes? Passado, presente, futuro... O quê pensar dos pais? O quê dirão os
filhos?
é... a sociedade tem transformado muitos em araras.. :/
ResponderExcluirkkk
VERDADE
ExcluirVALEU FERNANDO