PENSAMENTOS ROBÓTICOS
PENSAMENTOS ROBÓTICOS
Quase não faz sentido fora do seu
tempo o Sete do nove. Outros dias são outros dias. O orgulho não anseia mais
bater no peito ao cantar a mais importante canção de uma nação. Costume é
costume, mas desacostuma por uma coisa nova. Coisa nova amedronta o acostumado.
Medo da novidade.
A novidade veio para apagar a beleza
dos instantes que só fazem sentido se o instante promover novidades.
O tempo não surpreende, e sim as
coisas novas que chegam pela fusão do tempo. Não sei nada do “daqui a pouco”.
Sei que, daqui a pouco, vou ter um pouco de novidade.
O que antes era belo, hoje não me toca mais, mesmo sem perder a beleza. E
a gente se acostuma em levantar, a passar pelo dia, a esperar a noite...
Acostuma-se com as falas, com as salas, com os amigos, com os sentidos... A
gente se acostuma com o próprio costume. O costume esconde o viver.
Dentro do ônibus, repetindo os dias,
uma mulher repete também os gestos. O veículo pára frente um edifício de vidro.
Depois que movimenta rumo à próxima parada, ela se levanta e procura dentro da
sua bolsa algo demorado para ser achado. Encontra o seu batom. Retira a tampa,
observa no espelho que é a própria tampa, morde os lábios várias vezes, aplica
uma nova camada da cor vermelha, que para mim não realça diferença, mas ela
insiste no detalhe. O tempo de uma nova parada é o tempo da sua preparação para
descer.
O motorista buzinou várias vezes
antes de dar um grito ao passar pelo seu colega de trabalho. O mesmo lugar, a
mesma conversa, o mesmo jeito de sorrir das mesmas piadas.
Um guarda de trânsito no meio da rua fez sinais indicando um desvio. Algo
novo no caminho, um caminho novo. O alegre motorista de algumas quadras atrás
se descambou de ira. Pensei na força que há em virar a página de um livro. Há
uma força oculta, tênue, mas que exige atitude de chegar à próxima lauda. Há
uma escolha. Podemos permanecer na página ou encontrar coisas novas na
seguinte. Há humanos que passa da paz à ira como um virar de páginas.
O motorista praguejou.
Seguindo os modos do condutor, alguns passageiros praguejaram também.
Outros ruborizaram ouvindo os palavrões. Algumas pessoas têm a boca santa até
encontrar um momento certo para expor as satanices. Para os humanos, a mesma
força que carrega o céu e o inferno faz das suas bocas um cartão postal da sua
moderação. Um desfile de Sete de setembro obrigou o motorista tomar outra via.
A vida nos faz tomar direções diferentes quase o tempo inteiro e nem precisamos
de um guarda de trânsito para mudar os caminhos, basta atrasar um compromisso
para as coisas mudarem de rumo. As ocorrências da vida possuem duas linhas no
tempo. Quando apressamos um sonho, perdemos a excelência; se demoramos,
passamos do tempo. Uma vez cheguei atrasado, voltei para casa e perdi um dia de
trabalho.
Observei parte do desfile. A mesma
rua, o mesmo som da fanfarra, o mesmo marchar de alunos. Os alunos eram
diferentes, mas a tradição era mesma. O mesmo professor conduzia a banda. Acho
que a mesma plateia assistia o desfile, que era novo no tempo, mas como as
minhas reminiscências, já cruzaram os dias. A caixa de onde antes eu tirava um
som, no momento tirava a paz dos meus ouvidos.
Reparei no meu cachorro, que sorria
latindo quando entrei no quintal. Vi movimentos novos. Os improvisos de um cão
são sempre os mesmos, mas são lindos porque são movimentos de espera. Ele
alegra um chegar que chega quase sempre da mesma forma, cansado.
Observo o meu cachorro. Enquanto o
abraço, penso nas coisas que vi durante o dia. No percurso do meu trabalho vi o
que vi na ida, e na volta reflito nas coisas que passaram por mim. Coisas
passam por nós e, no vai e vem de um ser, habitam seus pensamentos. O
motorista, a mulher, o desfile... Foram as reflexões que comigo ficaram. Os
meus dias são de rotina, mas não precisam ser. Meus pensamentos, robóticos,
estão acostumados a ter costumes. Meus hábitos se habituaram a habituar.
Pensando nas coisas que mudam, mas não perdem a sua essência, cogito dias sem
rotina. Entrego-me numa emoção que se renova no sorriso de um cachorro. Esse
sentimento afasta de mim os pensamentos robóticos que escondem de mim a
grandeza da pátria. Celebrada para não ser esquecida, no Sete do Nove.
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