domingo, 23 de setembro de 2012

LUIZA, EU GOSTO DO SEU NOME

                                                                       
Ela estava sentada na arquibancada da quadra do colégio, tinha feições de choro e, sozinha, rejeitava o mundo. Era tão pequena para um grande mundo. As dores? Maiores que o universo. Com onze anos, pensava que os adultos não tinham dores humanas, afinal, onde estão os meus pais? Ou melhor, onde estão os pais? Questionava. Questionava e questionava. As suas perguntas eram grandes como o abandono. O seu pai tinha uma nova namorada e outra casa. A sua mãe, um novo namorado e a ficção de que encontrara o príncipe encantado. As princesas e os príncipes encantados roubam das pessoas o direito de serem pessoas. 
A sua data de nascimento não era tão distante da sua idade atual, mas ela já se apaixonara. Já namorara e também já trocara de garoto três vezes. O encanto de um príncipe dura até se acostumar com o outro. Ninguém está preparado para se acostumar com alguém. A beleza perde a essência quando se acostuma e é nesse momento que precisamos ser fiéis, não ao outro, mas a nós mesmos.
Ela não gostava dos espelhos, mas gostava de maquiagem. Maquiagem sem espelhos distorce a beleza. Ela não gostava de estudar, mas sabia que para entender as respostas precisava de conhecimentos e, para isso, era necessário ler. Ler muito. Mas não queria. Estava presa nos questionários que roíam por dentro. As indagações lhe cansavam a alma, doía o corpo, mas mesmo cansada não conseguia dormir. Depressão.
Quem me escolheu para viver? O meu pai de nova namorada não se lembrava de mim. Quem me escolheu para amar? A minha mãe apaixonada me via, mas não me enxergava. Quem me escolheu para ficar comigo? A minha avó, mas não foi na paixão dela que eu nasci. Nem sei por que nasci. Sei que tenho um nome, que tenho que ir para a escola, que tenho tantas coisas... Mas tudo isso não têm sentido.
Perguntas. Ela se questionava. Queria se ajustar ao mundo. Perdeu a vontade de viver. Fazia planos. Muitos planos, mas sempre o mesmo plano. Quando morresse ninguém ia se importar. Deixaria uma carta? Para quem a carta? Não tinha amigos, não estava namorando, nem falava muito com a sua avó. Para quem uma carta? Para os professores? Eles iriam desviar seus planos.
O barulho da quadra foi se ausentando. A claridade foi amarelando até encontrar a escuridão. Tudo escurecera.
Quando ela acordou encontrou-se rodeada de pessoas. Demorou para reconhecer a sala onde estivera algumas vezes, a sala da diretora. Há dias não se alimentava direito e nem dormia. Desmaiara e foi socorrida por algumas pessoas que estavam na quadra.
Depois que todos se afastaram, a professora Sandra sentou-se ao seu lado. Acariciou-lhe os cabelos e a abraçou. Não disse palavras. Uma atitude diz mais que as palavras. A menina sentiu-se amada sabendo que a professora não era da sua genética, mas que preenchia a falta dos seus pais.
— Como é o seu nome? Sandra perguntou tendo ela no colo.
— Luiza, professora.
Sandra encheu os olhos de lágrimas e juntas choraram pela mesma dor que o tempo ajuntou ali. Tinha treze anos quando uma professora com o nome Luiza lhe salvara a vida. Depois que a salvou, permaneceu por perto, até ela encontrar uma razão para viver.

— Luiza, eu gosto muito desse nome.
 Sandra refletiu. Sentindo um passado que não passava.



sábado, 22 de setembro de 2012

ESCUTATÓRIA Rubem Alves


"como sou fã do Rubem Alves, vou dedicar nesse blog alguns dos seus textos"



Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar, ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma".

Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro:
"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma".

Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.
Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio.
(Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, [...]. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas.).

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais.
São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.

Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.
Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".

Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir.

Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.

Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

TODO MUNDO JÁ GOSTOU DE ALGUÉM




            — Todo mundo já gostou de alguém.
            Ouvi uma das moças dizendo quando passavam por mim. No corredor da universidade pessoas se desencontravam. Sentidos contrários também são caminhos. Com os passos não posso ir e voltar ao mesmo tempo, mas com os pensamentos posso partir ao mesmo tempo em que retorno. Não saio de mim. Às vezes até queria, mas tudo que consigo fica na imaginação. Quando gostamos saímos da primeira pessoa do singular para buscar repouso na primeira pessoa do plural. O eu busca o nós. O mundo passa a ter sonhos, sonhados com alguém.

            A frase quis que eu continuasse ouvindo a conversa. Passos ao contrário diminuíram o som, me distanciaram do fato, mas me trouxeram para dentro de mim. A força dos contrários. Há sempre um ir enquanto há um voltar. A frase ficou. Parti para um passado, não distante, mas lembrado. Lembranças lembradas não passam, ficam para aborrecer o presente.

            A filosofia desfilou pelo corredor e abriu caminho em um ser que não sabia se “todo mundo já gostou de alguém”. Pensava que só eu. Há tantos jeitos de gostar. Sartre já declarou: “Para saber uma verdade qualquer a meu respeito, é preciso que eu passe pelo outro”. Dicotomia? Sofia ao passar por mim fez pensar nos amores que desfiz e os que eu desprezei.
            Ela ditava seus conhecimentos à Clara e o interstício clareou não os meus gostares que de tanto mudar perderam a essência de perceber o outro, mas iluminou esse ser que já gostou ou gosta de alguém.

            Todos os dias passamos pelo outro. Alguns ficam, outros passam como os dias. Um dia só é lembrado quando em seu passar deixa acontecimentos belos ou trágicos.

Do quê lembramos no final do dia?

            O corredor não era suficiente iluminado para ver os olhos de Sofia, também não era um tanto escuro que não me deixasse ver beleza na inteligência. Há inteligências que fogem da generosidade dos livros para se esconder nos espelhos. Espelhos aprisionam por fora, a leitura aprisiona por dentro. Depois que o tempo andou, a beleza que reflete é a que vem de dentro.
            Nós crescemos. Revi Sofia. Num sentido contrário, penso: há beleza nos contrários. Um beijo nasce de dois movimentos contrários, um abraço...

            Observei os cabelos presos feito rabo de cavalo. A trança era como a minha impaciência buscando encontrar a palavra certa para continuar a frase. Ela se escondia atrás de um notebook rosa. Ouvi a professora no canto da sala avisar que a biblioteca estava para fechar. Ela acelerou seus afazeres e eu acelerei um diálogo sem rumo que, com ela, ganhou direção. Cogitei viver no mundo de Sofia. Não na estória de Jostein Gaarder, mas no encanto que à minha frente dispersava os meus caminhos. Que caminhos? O do saber. Aprender sempre, a vida me deu esse destino. Aprendo tanto que no final quando me perco, volto a aprender o que já aprendi. Tempos novos trazem conhecimentos modificados. Havia uma imensa razão em Heráclito quando afirmava que não é possível mergulhar duas vezes no mesmo rio, porque o rio e quem nele mergulha não são mais os mesmos no segundo mergulho. Assim concebo o meu saber, ele deve se renovar a cada instante.
            Sofia abriu um sorriso quando mencionei a frase. Gesticulou e indagou com espanto. Não disse palavras. Estalou os olhos e movimentou as mãos do meio para fora.
            — Quem te contou isso? Disparou. Sem brandura.
            — Ouvi alguém dizer no corredor.
            — Sei. O cavalheiro possui a mania de ouvir as conversas no corredor?
            — Se não quer que alguém ouça, não diga as coisas aonde todo mundo pode ouvir. – Fiz uma pausa. – Você tá coberta de razão, todo mundo já gostou de alguém...
            — Eu disse para a minha amiga...
            — Não, disse a mim também, eu ouvi.
Ela calou-se observando a tela do notebook.
            — Há quanto tempo nos conhecemos?
            — Há muito tempo, mas de conversa, há alguns minutos. – Respondi olhando no relógio. Ela guardou o notebook. Suspirou desolada. Silêncio...
            — O quê você ouviu?
            — Que todo mundo já gostou de alguém. – Ela passou por mim, mas antes de se distanciar, refletiu.
            — Pena descobrir isso agora, pois todo mundo já gostou de alguém. – Com ênfase no “todo mundo” disse girando a cabeça com ar de ironia.
            — Todo mundo também já odiou alguém de quem já gostou...
Eu disse sentindo o impacto das palavras dela. E sobre o meu raciocínio, acho que ela nem ouviu. A ira esconde o poder dos ouvidos.
            Os passos endurecidos, a paciência escassa, uma beleza rara e os gestos sem brandura confundiram o meu ser. As pessoas não são tão dóceis. As pessoas não são tão amargas, as pessoas são... despercebidas.

            Clara clareava o sorriso dos rapazes quando passava usando aquelas vestes. Os nossos olhares a seguiam como um espectador em corrida de fórmula-1. Ela cerrava as sobrancelhas. Sendo claro, ela não gostava. Por quê? Há certos olhares que dizem mais que palavras, mas admiração é admiração, desejos possuem outro olhar. Mike Murdock já disse: “Não podemos reclamar daquilo que permitimos”. Há um deleite em nossas estimas. Quando ser notado é uma graça, não modificamos nossas atitudes.

            A sala já estava quase vazia quando Sofia terminou a sua apresentação. Ninguém é bom na primeira vez e apresentar um trabalho valendo notas no final do semestre, beira o terror. Sabemos que ninguém é bom de primeira, mas queremos ser. Esse anseio... Deixa pra lá. Não posso confessar tremor nas pernas, falta de ar, respirar que não respira, fala que não fala...
             Clara foi ajudar Sofia a guardar o datashow. Usava calça jeans que não prendia a atenção.
            — Desculpe. – Sofia disse quando aproximei para guardar a caixa de som.
            — Do quê?
            — Pela última conversa.
            — Já desculpei.
            — Verdade? Ficou me observando enquanto enrolava uma extensão.
            — Posso ajuntar essas pastas? Clara perguntou.
            — Sim. Pegue aquelas também.
            — Onde?  - Clara indagou.
            — Naquela cadeira lá no canto.
            Mais bonita que Clara, chamava menos a atenção pelo seu jeito de vestir. Clara, menos preocupada com os estudos, conseguia menos conteúdo para apresentar um trabalho. Sofia sempre assumia a parte mais complicada das tarefas.

            — Você foi muito bem. Conhece bem sociologia, manja de filosofia, entende Piaget. Você tem bons argumentos...
            Eu disse. Encantado.
            Ela sorriu sem se inebriar com minhas palavras.
            — Gosto de aprender. Leio de tudo. Sorriu.
            Clara passou entre nós com algumas pastas nas mãos. Observei o fio do microfone deslizando como uma cobra enquanto Sofia o puxava. Sobre as poltronas ainda havia cadernos espalhados. Alguns conversavam na porta de saída. Quando iniciamos a apresentação a única porta era de entrada, quando terminamos, porta de saída. O contrário que vinha, era o mesmo que ia, assim como os humanos, aproximamos com as palavras e afastamos com as palavras.   
            Não concordo quando a beleza traz por dentro a ironia. A vida que circula nossos dias possui o poder da transformação, mas por que existem pessoas irônicas? Elas nasceram assim? Quem as transformou?  Rousseau responde: “O homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe.”
Tínhamos treze anos quando começamos a estudar na mesma sala. Ela era tímida, sentava na primeira cadeira à minha direita. Por chegar atrasado, encontrava-a sentada quando eu passava. Rareava um olhar que cruzava o meu, não como alguém que já se conhece, mas de quem deseja se conhecer. Tinha olhos castanhos, riso raro com covinhas e uma extrema habilidade para tirar dez em todas as matérias. Eu? Bem, era muito popular para se preocupar com os estudos. Estudamos três anos juntos. Nunca conversamos, mas reparava nela como alguém que obedece aos olhos. Era ela linda, não demonstrava afeição à minha popularidade, também não frequentava a minha turma. Fomos separados de sala por cinco décimos na prova final de matemática. A popularidade desviou os meus rumos. Reprovado em matemática, mudei de escola. Ainda me lembro quando eu parava de conversar na hora da chamada só para ouvir a única professora que não chamava por números e sim pelos nomes. Na voz da professora era o nome mais doce: “Sofia Albuquerque”. E mais doce ainda eu ouvia: “Presente professora”. Assim, sem ironia. Das colegas de sala foi a única que nunca se afastou das minhas lembranças, por quê? Um dia eu explico a razão de um desprezo. O que é diferente contradiz o ego.
O tempo volta? Não. Não volta. Nem as pessoas voltam. Os caminhos se cruzam e as pessoas se encontram. A universidade agora é esse ponto de encontro. Os corredores é o lugar onde nos vemos. E o tempo, um pivô das coisas acontecidas que se tornam reminiscências.

            O meu nome é Aparecido Santos, mas não sou aparecido e nem santo, gosto de estar presente nos lugares onde eu tenha informações que me fazem compreender as pessoas, pois sou uma pessoa incompreendida. Às vezes eu apareço e perco a santidade, como disse, gosto de estar informado.
O tempo que era já não é, mas continua sendo um tempo de falas esperadas, pois todo mundo já gostou de alguém, mas não soube como dizer.
           

domingo, 16 de setembro de 2012

JAPONÊS NA LINGUA PORTUGUESA.



Essas coisas já são conhecidas. Não é fato novo nem estão distante no tempo. São, no entanto, coisas sabidas, e que despercebidas, ganham ausência na interpretação.
Todos nós sabemos que a língua inglesa ocupa um bom espaço na comunicação brasileira, seguido o espanhol, e cá para mim, o japonês. O japonês??? Sim. Não se alarme, vou explicar. Talvez não usemos as palavras porque na fala o som tem seus privilégios. Discorda? Calma! Ainda não expliquei. Vamos analisar uma frase por completo? Vamos observar a entonação? Mas qual é a frase? Calma! Pense na frase:

Eu não sou o que você pensa.
Analisamos por palavra, assim nas palavras em negrito vamos dar ênfase na entonação:
Eu não sou o que você pensa. Eu não sou o que você pensa.
Eu não sou o que você pensa. Eu não sou o que você pensa.
Eu não sou o que você pensa. Eu não sou o que você pensa.
Eu não sou o que você pensa.
Percebeu a ironia em cada entonação?
O Brasil é rico em sotaques e até nomes para coisas. O que é mandioca para mim, no Ceará é macaxera e na Bahia aipim. Mas voltando a falar japonês. Estava eu em frente a um Banco. Uma senhora à minha frente olhou para o céu e, com ar de quem conhece os sinais da natureza, disse convicta: VAIKAIUMTORÓ! Entendi. A chuva forte que desceu quase me impediu de voltar para casa.
Era um dia de quinta-feira quando fazíamos compras. Tenho paciência para tudo. Em quase tudo sou meio zen, mas fazer compras...
A minha esposa é muito inteligente quando faz compras. As mulheres são detalhistas nas compras. Inteligentíssimas! Para mim um copo escrito extrato de tomate é o suficiente para pôr no carrinho se o meu desejo é comprar extrato de tomate, mas para a minha esposa não. Tem de checar o CGC, a data de validade, de qual lado fica a tampa, se o cheiro é agradável, o ano, o dia, a hora, qual foi a máquina que fez o lacre, o nome do funcionário e, não sei, mas parece que descobre até o nome do motorista que fez a entrega. E se o produto possui um preço elevado, diz: TAKARO!
Nos tempos que ainda morava lá na roça, descobri o nome do motel quando a minha tia disse que a vizinha estava com o vizinho na KISHASHA. Mesmo a vizinha sendo feia, ele não perdoava. Também o que importava? Ele não enxergava direito, tinha KATARATA e, com desejos, KATAWA qualquer uma.
No guichê, um homem cheirando KASHASHA cortou a fila. Queria obter o ingresso do jogo de futebol. Um guarda o avistou e, retirando-o, colocou no último dos últimos. O homem FIKOMAU, pagou MIKO e blasfemou contra o segurança que gritou: “fica calado aí meu! Senão te prendo, KISAKO”, disse já retirando a arma. Ele não era homem KIMATAWA OTO, mas podia fazer qualquer coisa, pois, quando vestia a farda, era mais que um guarda, era um segurança KISHIASHAWA. Sei que isso é um assunto SHATO para falar e que, escrevendo assim, você poderá até dizer: o rapaz TASHATO, TASHIASHANO, mas agora até que ele escreve, porque antes KAGAWA nos textos.  
TANAKARA que falar japonês na língua portuguesa não é um mistério, nem para quem está acordado, nem para quem dorme e ainda TANAKAMA, mas alguém KISAKA o jeitinho brasileiro de dar um TOKO na tristeza para sorrir do que não tem graça, SHENUASHA


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

PRECISO APRENDER A FICAR COMIGO.



            Preciso saber quando é hora de acordar. Preciso saber quando é hora de dormir. E no espaço que há entre esses dois verbos, preciso saber conviver comigo. Três verbos ardem no coração: preciso, saber e ficar. Então deduzo: preciso saber quando é hora de acordar e quando é hora de dormir. Nesse interstício simbolizado por uma letra “e” descubro que preciso saber ficar comigo. Nesse espaço há silêncios que eu desrespeito, há barulhos que eu desconheço. Ouço tantas coisas. É nessas tantas coisas que vejo meu coração elusivo aos desejos. Por precaução e bom senso, escolho guardar as coisas que são boas, mas que depois de um tempo ficam ruins. Por quê?  O tempo delas passa. Tudo se descamba ao nada amigo. Como as minhas indagações. Depois que encontro as respostas, vou à busca de novas compreensões, incompreendidas.
            Preciso saber interpretar os silêncios. Dentro do silêncio há um silêncio clamando barulhos. Dentro do barulho há uma balbúrdia invocando silêncio. Há um desencontro que se encontra sem rasura, e com mesuras, aprecia o contrário. Um viver que vive e vivendo se rende aos seus próprios sinais. Invoca o sim e o não. O sim nasceu para ser um sim, mas no caminho se questiona por não ter sido um não. O não nunca diz não quando as coisas são ao seu favor, mas pelos caminhos também deseja ser um sim. Pensando nas coisas que são inversas, negar um não é o mesmo que dizer um sim. Escolhemos as palavras para dizer, amigo, mas são as atitudes que falam às claras. São as coisas, meu amigo. São as coisas, mas que coisas? Essas que invadem nossos silêncios e por caminhos não imaginados levam às nossas pretensões. Quer saber? Antes que o tempo passe, preciso saber quando é hora de acordar. Preciso saber quando é hora de dormir. E nesse espaço que há entre os dois verbos, preciso aprender a permanecer comigo. Já distanciei demais nas estradas que dispersam a vida.
            Preciso saber quando é hora de acordar, pois quando chegar o outro momento terei certeza de um sono bom. Agora falo, meu amigo, de um despertar físico, de um abrir de olhos, de um ver que me induz às coisas certas. Aqui eu sei que uso a repetição dos verbos, e é repetindo eles que me despeço. Preciso, saber, acordar. Preciso, saber, dormir. Preciso de tantas coisas, mas os dias correm e são como as águas de um rio. As coisas são muitas. Pensando nos dias que não esperam minhas esperas, na indecisão me escracho. Sofrem os meus desejos. Sofrem por não saber desejar uma só coisa. É nessa altura que misturo o sim ao não, pois, de tanto precisar, esqueci de precisar ficar comigo. No espaço que há entre dois verbos, preciso aprender para me ensinar a conviver comigo.

O HOMEM DE KRIPTONITA.



           
Ele não era de Marte, também não era da Lua, falando, parecia homem que veio de Kriptonita. As pessoas não se moviam. Os ventos paravam para não cobrir sua fala com ruídos. Acho que até os ruídos se roíam de medo com receio de ser repreendidos. O instante da fala era do seu domínio. As horas que não tinha nada com isso, continuavam marchando e de segundo em segundo alongava o tempo. O despreparo de quem é absoluto é um desespero para quem escuta coisas coisadas. Há alegria em quem dita para o outro, deveres.
Sempre estamos ocupando o tempo do outro. Quando alguma pessoa não toma o nosso tempo, consumimos o tempo de alguém. Nos Chats, gastamos longos minutos conversando com alguém cujo peso da presença física não resistiria mais que alguns minutos. 
Ali havia pessoas que cruzaram fronteiras para ver um homem que falava como um ser raro, mas que não atravessariam a rua para ouvir um homem que veio da terra. O homem que veio da terra, humano, conhecia a dor de um viver diário.

Os instantes ali eram de um tempo buscado, então, permitido. Se repito a palavra “tempo” é porque as coisas coisadas  dizem respeito à preparação. Coisas coisadas para mim quer dizer: você fala de um assunto velho usando uma inspiração nova, mas para quem já viu e ouviu torna-se uma coisa coisada.
Sem querer vou seguindo o tudo e nesse tudo rendo-me ao tempo. Ele joga com as minhas emoções. As coisas que eu falo realmente são a minha verdade? Às vezes falamos tanto, mas nem sempre cremos em dez por cento dessas falas. Há o que vem pelo ouvir e, se não ouço com o coração certo, tendo a divagar, pois o ver transporta o pensar. Talvez eu busque sabedoria da Lua, ou tente encontrar comunhão em Marte. Talvez eu coloque os pés na terra, não como um homem que veio de Kriptonita, mas como varão que conhece a sua sina: vinte e quatro horas e uma porção de sentimentos, que sujeitos ao lugar, se afloram como jardins que se rega todo dia. Se não posso escolher meus sentimentos quero conviver com pessoas que não escavam a ira.
O homem foi assediado depois que terminou. Depois dos aplausos ele caminhou. Depois que caminhou, sentou-se como homem que veio de Kriptonita ao lado de um homem que veio da terra. Esse não tinha depois. Era homem de agora.
Cabelos brancos e fala de quem aprendeu com a vida, o homem que era da terra cumprimentou o homem que parecia vindo de Kriptonita. Por pouco tempo, pois uma multidão dos que não enxergam homem da terra veio ter com ele. Cabelos brancos entendia aquele momento. Do homem e do povo.
O homem da terra observava a multidão enquanto escutava seus pensamentos. Indagações... Questionamentos... Pessoas... O tempo... E, o homem que não falava como homem, mas como varão que veio de Kriptonita.
Depois que o tempo se foi, foram também as pessoas. Ficaram dentro daquele salão dois homens. A sofisticação e a simplicidade. O ego fitou a humildade com o orgulho de quem sabe que é preciso ser humilde para reconhecer o ego. Depois dos aplausos sempre chega o vazio de se estar sozinho. Para o homem da terra havia paz. A sabedoria reina depois do tempo para quem aprende nos caminhos como são os passos. Voar na euforia é fácil, difícil é pôr os pés na terra e encarar a si mesmo. Voltar para si mesmo exige mais que voltar, tem de se estar disposto a quebrar o orgulho.

Não sei se os Kriptonianos possuem egos e se, em defesa desse sentimento, mudam a verdade. Não sei nem se eles compreendem o amor.
De perto ele não amava ninguém além de si mesmo. De longe, era alguém que impunha seus encantos. Caetano Veloso já afirmara: “De perto ninguém é normal”. Como homem que tinha traços de Kriptonita, sua missão era mais importante do que a vida, do que a natureza... Mais até que os humanos. Não era alto e nem baixo. Tinha o nariz um pouco curvado, se vestia bem e usava sapatos internacionais. O rosto? Sem barbas, a pele bem tratada e sobrancelhas feitas em salão. Havia uma pequena cicatriz logo abaixo do nariz que se escondia ao dar lugar a um sorriso. Um riso de quem ri com dor se confundia com o olhar de quem se esqueceu de ser feliz.
O homem da terra compreendeu o sentido de algumas palavras publicadas na internet: Não é preciso ser, basta parecer”. Ele aprendeu que sendo é melhor que parecer, ainda que não tenha uma multidão sob os seus pés.
O homem que era da terra, mas que falava como homem que veio de Kriptonita, também tinha sentimentos, e vivia como todos os homens, à mercê da dor de ser Humano.

POR QUE TEMOS UM NOME?


            .
A igreja estava quase cheia. A expectativa dos presentes, como de costume.

— Qual é nome do garotão? O padre indagou apontando um jarro com água em direção à cabeça do menino nos braços de uma jovem mulher.
O homem do lado tentou responder, deu branco. A mulher com a criança no colo insinuou uma palavra, mas se escondeu na insegurança. Era um batismo, não uma competição do soletrando.

— IVAGGNNOR! Adiantou-se a mãe dizendo, percebendo o embaraço dos envolvidos. – IVAGGNNOR! Disse com o orgulho de quem cria uma coisa nova. Nem Thomas Edison quando inventou o Fonógrafo teve a mesma expressão.
O padre recolheu a mão que ameaçava despejar a água quando ouviu. Suspirou. Estava quase acostumando com a nova geração. Ele conheceu a geração dos “Josés” e dos “Joões.” Nomes têm momentos.  Os dias de hoje, seria Neymar? A mídia não registra nem batiza, mas influencia na criatividade. O sacerdote se guardou num silêncio quase budista. A igreja entendeu. Gosto não se discute, nem se interfere.
— O nome? Disse depois de voltar a si.
— Sim. É IVAGGNNOR. – Respirou. – É: I... V... A... dois “Gês mudos,” dois enes, um ô e um erre no final. Soletrou. Explicou as letras e comentou. Queria um nome diferente para o filho.
O pai cerrou os olhos. Coçou a orelha direita, quis se esconder, mas amava a esposa. Estava feliz por ser pai, suportou a vergonha.
Juramar, o pai, pensou no outro dia. Um ontem cheio de invariáveis. Vinha de uma grande família de nomes estranhos. Tinha uma resposta convincente quando questionado: “Coisas do meu Pai!” Entristeceu quando lembrou o nome dos seus irmãos: Jumairzo, Jumerzildo, Jumirnaldo e sua irmã, Jumaríndia. Todos deram um pitaco para o nome do seu filho. “Ta difícil! Ontem o cartório que recusou esse nome, agora também o padre?” Questionou em sua alma.
O padre entendeu a situação do pai e, como estava acostumado com o ofício, entornou o jarro que estava em suas mãos. A criança começou a chorar e esperneando bateu com o pequeno pé no jarro. Acho que não recusando a água, mas o nome. Criança não pensa, mas se pudesse escolher o próprio nome, diminuiria o Bullying na escola quando crescido. A água espalhou molhando os pés do padre. A mãe envergonhou-se pela água derramada e pela incompreensão de um nome tão bonito. “Gosto é gosto, e para mim, opinião é uma questão de opinião”, disse a mãe num sussurro ameaçador à madrinha, que sorriu concordando. Para não haver transtorno, decidiu chamar o afilhado de Vaguinho.
— Chora não, Vaguinho! – Disse a madrinha erguendo o menino no alto.
O pai ouviu. O pai gostou. O padre ouviu e gostou. A mãe, não. Mas a criança parou de chorar. Coincidência? Não é coisa boa ser um humano. Tudo é escolhido por outros. Um homem escolhe uma mulher ou uma mulher escolhe um homem. Ambos escolhem um momento, que escolhem um lugar. Como a paixão nos dias de hoje brota das cinturas, uma criança que não escolhe nada, nasce depois de um tempo. O seu nome? É escolhido por alguém. A comida, a cama, as roupas, as diversões, os brinquedos? A escola, as matérias, os colegas? Escolhidos por alguém.
Posso assistir a um filme que não é escolhido por alguém? Alguém escolheu fazer um filme e escolheu o tempo para passar esse filme. Depois que nos tornamos adultos ainda vêm os políticos e escolhem por nós as leis que nos...
O batismo fora interrompido por alguns instantes. O Menino era Ivaggnnor, mas ganhara um bom apelido: Vaguinho. Parecia nome de jogador de futebol ou nome de cantor de pagode. Parecia o nome mais certo para o momento.

Volta à cerimônia.

— Por que esse nome?
— Achei bonito.
— Você gosta do seu filho?
— Padre, eu sou a mãe.
— Eu sei.

Silêncio. A cerimônia ganhou ares estranhos.

— Como é o seu nome?
— Jessica.
— Penso nas crianças de hoje. – O padre seguiu com a Homilia. – Os pais não se preocupam com os nomes dos filhos. Acho que é porque também não pensam no futuro deles. Assim como têm criatividade em ajuntar letras para compor um nome, também são criativos para fugir das responsabilidades.
O padre disse. Ele e somente ele podia dizer. O nome era estranho, mas se não batizasse o garoto, o quê iriam dizer do padre Astrogésilo Freitas?  Padre Freitas estava ali para rezar a missa e fazer batismos, não para questionar os nomes.