quinta-feira, 19 de julho de 2012

ENCONTRO COM MACHADO...



            Em meio a tantos sorrisos e vozes altas, um fitar de olhos pairava em minha direção. Um olhar que não olhava, mas que me via. Meu despertar foi de encontro ao movimento da visão. O tempo se consumiu, em segundos se refez no que era sério, penetrante, fugaz, mas que não irradiava medo. O sol do meio dia rompia árvores de longas sombras, os estudantes corriam de um lado a outro com a ansiedade de sempre e professores e alunos se misturavam ao se assentarem em banquetas de cimento tendo a suas disposições mesas de concreto. Por que o meu medo? Já não andei bastante no caminho do ensino? Não. Houve mudanças. O verbo aprender não indica o tempo, nem recomenda um momento exato. Aprender é instruir-se, conhecer um pouco mais do tudo é apreciar o nada. O meu coração bateu forte enquanto o sinal durou, depois que parou, cessou também a aceleração. Dizem que o medo paralisa, a mim não paralisou, mas a mistura da coragem e o medo provocaram um terremoto, meus joelhos confessaram o tremor. Andei em direção à sala, confesso, meio sem direção.
            A primeira conversa foi de uma rara calma, acho que não encantei, mas convenci. Trinta nomes, rostos desconhecidos. A expectativa desvirtua o ser e faz soma de dois: bom + bom = agradável. Bom, +, ruim = caos na sala.

            O sinal soou como uma trombeta, o meu respirar se desfez como um balão de ar. Final da aula. Lugar novo é estranho, tem muita coisa para ver. Digo estranho, pois, provoca emoção despercebida, desatenta, que quando desperta, não acrescenta.

Um velho num quadro acrescentou.

Abri os olhos, sorri da minha burrice, nunca havia lido Machado de Assis.

            A gravura na parede revelava minhas tolices. Não tive culpa por ser tolo. Machado não é uma obrigação, é uma consciência. Isso faltou a mim e ao professor que me forçava ler quando tomei gosto por leitura. Herculano ficou gravado na minha memória, mas hoje eu o troquei pela beleza de um Dom Casmurro. Penso em como foram os meus dias com Herculano. Os gibis da Mônica, do tio patinhas e os de bang-bang. Livros espíritas, filosofia, teologia e psicologia. Aprofundei-me nos livros de autoajuda. Queria buscar segurança em mim, na verdade queria gritar: sai de mim Herculano! Meu amor por livros não lhe pertence.
Hoje eu comprei um Machado, não pretendo cortar árvores, quero cortar de mim o amor que Herculano quis impor ao apresentar Dom Casmurro. Essa coisa de amor demais apaga o encanto. Amor para ser amor precisa apresentar graça, lisonjas, enlaçar doçuras, conquistar. Depois mostra a verdade, que para mim tem seu próprio tempo para existir. 
            O olhar que não me olhava, mas que me via, voltou a me encontrar. Com visão demorada esbarrei naqueles olhos como quem não queria ver. A agitação dos estudantes voltou a ganhar formas, com mais pessoas, os que eram e também os que não eram. A turma “A” se comportou bem. O programa educacional ganhou seu primeiro dia, eu ganhei certezas, certas para um recomeço.
Pouco a pouco a multidão se dissolvia. Do grupo ficaram alguns jovens, alguns professores e o diretor. De costas para mim, os cabelos da cor da noite ausente da luz da lua, cobriam-lhe os ombros. O tempo desandou. Andou com as horas. A sirene soou e a multidão dos que não eram, inundou o pátio. Senti saudades, pensei no quase velho que sou hoje. Uma professora saiu aos gritos praguejando um adolescente que fugiu da sua justiça. Pediu-me para que repreendesse o menino. Não podia, as minhas lembranças não permitiam, fiz pior que o garoto na mesma idade. Consciência pesada omite a ordem.
 Os jovens que estavam sentados levantaram-se fazendo menção de ir embora. E aqueles olhos que me conhecia, não de fala, mas de olhar, voltou a me inundar. Olhos que falam por silêncios, esperam encontrar corpos que desmerecem as palavras. Hevelin é cativante, de beleza rara e doçura nos gestos, de rosto meigo e olhar singelo, mas que não revela facilmente os seus mistérios. Eu precisava de amizades, ela buscava um amigo. Ambos descobertos num tempo que não era nosso, mas que existiu ali, por um olhar que não me olhava, mas que me via.  




O QUÊ DISSERAM OS PAIS? O QUÊ DIRÃO OS FILHOS?

            No meio da viagem alguém se ocupou da poltrona ao lado. Remexeu, virou, acomodou-se. Nada disse. Meus olhos vagavam nas páginas de “O banquete.” O que diria Platão sobre o amor nos dias de hoje? O amor possui a força necessária para cada dia de um ser e dura o tempo de uma busca. Alguns o sentem em maior intensidade, outros, nem tanto. Amar o próximo como a ti mesmo, já dizia Jesus. Cheiro de ônibus me dissimula o estômago, vizinho de poltrona afeta os anseios. Afinal, uma viagem longa faz sensível a convivência.
— Ta indo pra onde, mano?
— Para a cidade adiante – disse sem querer conversas.
— Quer dizer, a próxima?
— Sim.
— Porque não disse antes?
— Eu disse.
            O rapaz sorriu. Escorregou na poltrona, adormeceu. Cansei do livro. A viagem ia começar. O tempo de espera, espero lendo. Fechei os olhos como o meu vizinho e no tempo seguinte a disputa começara. Cada balanço do veículo nossos cotovelos se tocavam. Uma eu ganhava o apoio, outra ele prevalecia. Ônibus devia ter para cada poltrona um lugar para cada passageiro colocar os braços. Sei que têm, mas é estreito como a paciência de um técnico de futebol.
            Rousseau afirma “O homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe.” Penso nos meus maus costumes, a sociedade não tem nada com isso. Sou eu que penso, que escolho... que decido? Não! Se pudesse decidir queria uma viagem com duas poltronas, só para mim. Não sou anti-social é que não gosto de acotovelar ninguém.
            As luzes se acenderam, o moço não acordou. O veículo parou por alguns instantes e em seguida ganhou a viagem. O jovem continuava alternando o respirar. Não sei qual a diferença de um respirar sonoro de um ronco. Respirar com som para mim é roncar. Assustado, o observei como um avaliador de quadros. No alto da cabeça uma grande mecha preta se sobressaía das outras cores, do seu lado esquerdo um vermelho que não afugenta o olhar ditava o tom, e o distinto azul preenchia o lado direito. Meus olhos seguiram a linha dourada das costeletas como os movimentos de torcida numa partida de tênis.
            Adormeci. Em partes, pois me indagava constantemente se eu estava em um ônibus ou numa nave espacial ao lado de um extraterrestre. Abri os olhos e comparei com as luzes pálidas do painel acima, não era jogo de luzes. Não insisti na comparação, pois o painel pareceu me dizer: não é culpa minha. Encolhi na poltrona, meus pensamentos decifravam a estranha figura.
— O que você tava lendo, mano? Ele perguntou se ajeitando enquanto se enrolava numa toalha protegendo-se do frio.
— O banquete de Platão. – Respondi mais amigo dessa vez.
— Hum... coisa de intelectual, saquei! – Estalou os dedos. – Percebi agora como você fala. Mas não dou trato nessas paradas não, meu negócio é curtir a vida.
— Eu te entendo. Já tive a sua idade e cada um possui uma curtição adequada para o seu tempo.
— Isso, mano! Coisa de intelectual. – Falou mudando a voz em tom sarcástico.
Sorri. No tempo dele havia razão.
Pensei em tudo, mas tudo mesmo. As fotografias do meu pai me foram uma saída. Sorri da moda que ele seguia. Envergonhei-me das camisas e das calças que ele usava e do corte de cabelo da época, ruborizei. Olhei novamente os cabelos do rapaz, perdi noção do futuro. Se Rousseau estivesse ali? Diria que um ser humano se corrompeu com uma arara? A moda dita os costumes. Pensando nos dias do meu pai, cogito os dias que são meus. Reflito no jovem arara. A sociedade é quem providencia os nossos costumes? Passado, presente,  futuro... O quê pensar dos pais? O quê dirão os filhos?

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