quinta-feira, 9 de agosto de 2012



JESUS E A MULTIDÃO DOS QUE NÃO VIRAM.





            Com demasiada calma, o homem ocupou o espaço que sobrara no meio dos homens. Entre o grupo, uma bíblia aberta. Alguém tinha um violão. Alguém cantou e tocou tão bem que choraram diante dele. O grupo seguia o evangelho e fazia daquela praça a sua “Ágora.” O homem certificou-se do tema. Correu os olhos pela roda de amigos e voltou a concentrar no que diziam. Quando alguém tomava a palavra ele ouvia atentamente, como se, além de ouvir, lesse por dentro aquele que dizia.

            “Se Jesus participasse dos nossos cultos hoje, renderíamos reverências?”
           
Cinco jovens. “Cada um traz a expressão de algum apóstolo”, o homem pensou. Outros que passavam por ali se encantaram com os moços que se reuniam em uma praça a fim de discutir o evangelho. O homem amou os jovens que faziam dos seus movimentos uma cadeira de balanço. 
            O homem viu Pedro quando um moço se levantou para defender a sua tese. Ao final da fala daquele, levantou outro jovem e deu sequência ao discurso. A fala mansa, envolvente e com palavras que acalmavam o coração. O homem viu João. Não o velho, mas um João novo. Ao contrário do primeiro rapaz, que discursou com palavras desencontradas, mas que dava destino ao coração.
“Pedro andou sobre as águas, teve impulso, explodiu, foi adiante, errou muito, mas arriscou-se mais”. – Refletiu. No impulso ele cortou uma orelha, contestando o evangelho que vem pelo ouvir, e ouvir a palavra de Deus. Jesus com bondade a colocou no lugar. O guarda não só ganhou a orelha de volta, recebeu também o toque das mãos do Senhor. O homem sorriu ao refletir: foi o discípulo que viu Jesus transfigurado e aquele que ouviu do próprio Deus:
— Esse é o meu filho amado em quem me comprazo, escutai-o.
Penso que Pedro não queria que outros ouvissem. Qual a função das orelhas? – Indagou depois de refletir.
 Penso que Jesus ainda cola orelhas cortadas por Pedros desavisados que, na pressa das palavras, impedem a verdade de se fazer válida.
O homem sorriu das suas deduções.

            Uma moça, que não conhecia muitos acordes, no intervalo da fala fez o violão acender o coração do homem, que ouviu atentamente a voz da jovem. “Houve uma mulher que usou os cabelos para enxugar os pés de Jesus, essa aí usa uma voz sem recursos, mas que limpa o coração”, cogitou o homem em seu íntimo.

            Outra fala, outro moço, outro nível no discurso. Aquele que veio depois estava preparado para a homilia daquele momento. Passou dias, gastou noites, devorou livros, fez pesquisas, se preparou. Seu falar tinha coerência. Seu discurso, poesia e riqueza. Os detalhes prendiam a atenção do homem. Atento como a um menino ouvindo a história do pai, pensou em Paulo, que havia visitado o terceiro céu, mas porque era humano não pôde ficar lá por muito tempo. A santidade esbarra o tempo todo na comunhão. Moisés ficou um grande tempo na presença de Deus. Esse tempo perdeu a essência quando, ao descer, um bezerro de ouro lhe saltou aos olhos. Um bezerro de... Ouro nos templos, sinal de unção. Outro tempo é outro tempo.
            O homem quis falar. Parabenizá-los por tal atitude. Felicitá-los pelo conhecimento de Deus e pelo esforço das suas mensagens, afinal, estavam engrandecendo o ensino de Jesus. “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome ali estarei”. Queria dizer algumas palavras que lhes abrissem a mente, não pôde. O assunto era intelectual, e espiritual, não permitia conversa de quem chegava para mudar o discurso com perguntas. Por que temos mais respostas que perguntas?
Olhai os lírios do campo, eles não trabalham nem fiam, mas nem Salomão que recebeu das mãos de Deus tamanha sabedoria possuiu a grandeza de um lírio. O homem fitou os céus, reverenciou o senhor Deus. Olhou as pessoas e amou-as. Observou os campos e se encantou com os lírios. Os Humanos olham o céu e se encantam com o Senhor. Olham as pessoas e sentem-se ungidos. Olham os lírios e se encantam consigo mesmos, por verem os lírios.
O homem se lembrou do caminho de Emaús. Os fatos já são uma resposta. As indagações nos levam ao processo dos fatos. Dois homens caminharam com Jesus. Tristeza demais ou alegria em abundância ofuscam a luz, enfraquecem a visão.

            O homem ficou maravilhado com a programação. Todos ali se abraçavam e ele tendo os braços abertos não pôde abraçar. Eles estavam felizes com o evento. Deus tinha abençoado, ninguém errou a música, nem o discurso.
A plateia aplaudiu.
Ninguém se converteu.
            O homem já se afastava quando a moça lhe puxou o braço. Clamou uma volta e revelou que não sabia cantar nem tocar e que a sua vontade era a de se parecer com Jesus, que assim ela pregaria sem palavras. O homem sorriu e afagou a nova convertida. Alguém começou a tocar e a moça se dispôs a dançar os louvores, se dispersando da presença do homem.

– Pai, perdoa-os. Eles não sabem o que fazem! – Disse, estendendo as mãos para os céus.
O homem sorriu.
            “Os homens sabem muito de mim e do meu Pai, mas não me reconhecem quando estou no meio deles”.