sexta-feira, 10 de agosto de 2012


 PENSAMENTOS ROBÓTICOS 





PENSAMENTOS ROBÓTICOS

            Quase não faz sentido fora do seu tempo o Sete do nove. Outros dias são outros dias. O orgulho não anseia mais bater no peito ao cantar a mais importante canção de uma nação. Costume é costume, mas desacostuma por uma coisa nova. Coisa nova amedronta o acostumado. Medo da novidade.
            A novidade veio para apagar a beleza dos instantes que só fazem sentido se o instante promover novidades.
            O tempo não surpreende, e sim as coisas novas que chegam pela fusão do tempo. Não sei nada do “daqui a pouco”. Sei que, daqui a pouco, vou ter um pouco de novidade.
O que antes era belo, hoje não me toca mais, mesmo sem perder a beleza. E a gente se acostuma em levantar, a passar pelo dia, a esperar a noite... Acostuma-se com as falas, com as salas, com os amigos, com os sentidos... A gente se acostuma com o próprio costume. O costume esconde o viver.
            Dentro do ônibus, repetindo os dias, uma mulher repete também os gestos. O veículo pára frente um edifício de vidro. Depois que movimenta rumo à próxima parada, ela se levanta e procura dentro da sua bolsa algo demorado para ser achado. Encontra o seu batom. Retira a tampa, observa no espelho que é a própria tampa, morde os lábios várias vezes, aplica uma nova camada da cor vermelha, que para mim não realça diferença, mas ela insiste no detalhe. O tempo de uma nova parada é o tempo da sua preparação para descer.
            O motorista buzinou várias vezes antes de dar um grito ao passar pelo seu colega de trabalho. O mesmo lugar, a mesma conversa, o mesmo jeito de sorrir das mesmas piadas.
Um guarda de trânsito no meio da rua fez sinais indicando um desvio. Algo novo no caminho, um caminho novo. O alegre motorista de algumas quadras atrás se descambou de ira. Pensei na força que há em virar a página de um livro. Há uma força oculta, tênue, mas que exige atitude de chegar à próxima lauda. Há uma escolha. Podemos permanecer na página ou encontrar coisas novas na seguinte. Há humanos que passa da paz à ira como um virar de páginas.
            O motorista praguejou.
Seguindo os modos do condutor, alguns passageiros praguejaram também. Outros ruborizaram ouvindo os palavrões. Algumas pessoas têm a boca santa até encontrar um momento certo para expor as satanices. Para os humanos, a mesma força que carrega o céu e o inferno faz das suas bocas um cartão postal da sua moderação. Um desfile de Sete de setembro obrigou o motorista tomar outra via. A vida nos faz tomar direções diferentes quase o tempo inteiro e nem precisamos de um guarda de trânsito para mudar os caminhos, basta atrasar um compromisso para as coisas mudarem de rumo. As ocorrências da vida possuem duas linhas no tempo. Quando apressamos um sonho, perdemos a excelência; se demoramos, passamos do tempo. Uma vez cheguei atrasado, voltei para casa e perdi um dia de trabalho.
            Observei parte do desfile. A mesma rua, o mesmo som da fanfarra, o mesmo marchar de alunos. Os alunos eram diferentes, mas a tradição era mesma. O mesmo professor conduzia a banda. Acho que a mesma plateia assistia o desfile, que era novo no tempo, mas como as minhas reminiscências, já cruzaram os dias. A caixa de onde antes eu tirava um som, no momento tirava a paz dos meus ouvidos.

            Reparei no meu cachorro, que sorria latindo quando entrei no quintal. Vi movimentos novos. Os improvisos de um cão são sempre os mesmos, mas são lindos porque são movimentos de espera. Ele alegra um chegar que chega quase sempre da mesma forma, cansado.
            Observo o meu cachorro. Enquanto o abraço, penso nas coisas que vi durante o dia. No percurso do meu trabalho vi o que vi na ida, e na volta reflito nas coisas que passaram por mim. Coisas passam por nós e, no vai e vem de um ser, habitam seus pensamentos. O motorista, a mulher, o desfile... Foram as reflexões que comigo ficaram. Os meus dias são de rotina, mas não precisam ser. Meus pensamentos, robóticos, estão acostumados a ter costumes. Meus hábitos se habituaram a habituar. Pensando nas coisas que mudam, mas não perdem a sua essência, cogito dias sem rotina. Entrego-me numa emoção que se renova no sorriso de um cachorro. Esse sentimento afasta de mim os pensamentos robóticos que escondem de mim a grandeza da pátria. Celebrada para não ser esquecida, no Sete do Nove.

DIAZANDO

            Tem dias que os dias se perdem, diazando. Fica vazio, fica cheio, e monótono, fica estranho. O time não ganha, a TV não agrada e a paciência? A paciência procura ter paciência para aguentar...
            Notícias de políticos, políticos nas notícias. Som que parece música, música que parece som. Gente que fala a verdade, gente que de verdade não fala. Verdades que não interessam, pois só pertencem a quem as diz. Pessoas que não amam a pátria e, cá para mim, pessoas que a pátria não ama.
Somos iguais no currículo da vida. Nascemos para vinte e quatro horas.
Não culpo os dias, nem a sua extensão. Ao meu gosto ou não, eles seguem diazando. Passam por mim como passam os carros... As pessoas... As dores... Mas ficam também como ficam as pessoas, as dores, as lutas e as circunstâncias.
Foram estabelecidas vinte e quatro horas para viver. Somos a soma do tempo. O meu coração é depósito dos meus olhos. Onde deito o meu olhar?
No meu time que não ganha?
Nas notícias de políticos? Nos políticos nas notícias?
Nos cantores que parecem cantar, nos cantores que cantam, mas não parece?
Na arte que perdeu a arte, na arte que virou um corpo?
Na arte que é arte, mas que se esconde nos templos de burguês?

Enquanto os dias vão diazando, eu quero a essência da beleza do impressionismo de Monet. As cores da vida impressas nos sorrisos e a sinceridade ética impressionando o viver. Meus sentimentos, depósito dos meus ouvidos, ponderar me fazem.
O quê invoca o meu ouvir?
Onde descanso o meu sentir?
Na música que parece som?
No som que parece música?
No que dizem que é bom, no que é bom, mas não dizem?
Nos vendavais da religião, na religião de vendavais?
Na ruptura, na estrutura, na leitura, nas várias faces da lei?

O que dirão os que não ouviram seus pais?
Os sonhos já não sonham mais?
Os dias que amanheceram, não amanhecem mais?

Tem dias que os dias são normais, diazando. O estranho sou eu questionando. Passo por mim passeando. As coisas estão fora do lugar, não aquelas que funcionam no corpo, mas as que os olhos e os ouvidos insistem em depositar.
Pessoas sem consciência fazem o que pensam sem pensar.
Pensam que pensam, mas não pensam no pensar. Alguém já disse: “quando todos pensam iguais é sinal que ninguém está pensando”.
A TV insiste em mudar meu pensar. Se fico muito perto, penso como eles que insistem em dizer: Esse artista é legal, diz o que pensa. Pensou o quê? Diante de quem não tem conteúdo a culpa é sempre de quem não pensa nada e se satisfaz com minúcias.
Quando pensarem, simplesmente pensem: eu existo.