quarta-feira, 12 de setembro de 2012

PRECISO APRENDER A FICAR COMIGO.



            Preciso saber quando é hora de acordar. Preciso saber quando é hora de dormir. E no espaço que há entre esses dois verbos, preciso saber conviver comigo. Três verbos ardem no coração: preciso, saber e ficar. Então deduzo: preciso saber quando é hora de acordar e quando é hora de dormir. Nesse interstício simbolizado por uma letra “e” descubro que preciso saber ficar comigo. Nesse espaço há silêncios que eu desrespeito, há barulhos que eu desconheço. Ouço tantas coisas. É nessas tantas coisas que vejo meu coração elusivo aos desejos. Por precaução e bom senso, escolho guardar as coisas que são boas, mas que depois de um tempo ficam ruins. Por quê?  O tempo delas passa. Tudo se descamba ao nada amigo. Como as minhas indagações. Depois que encontro as respostas, vou à busca de novas compreensões, incompreendidas.
            Preciso saber interpretar os silêncios. Dentro do silêncio há um silêncio clamando barulhos. Dentro do barulho há uma balbúrdia invocando silêncio. Há um desencontro que se encontra sem rasura, e com mesuras, aprecia o contrário. Um viver que vive e vivendo se rende aos seus próprios sinais. Invoca o sim e o não. O sim nasceu para ser um sim, mas no caminho se questiona por não ter sido um não. O não nunca diz não quando as coisas são ao seu favor, mas pelos caminhos também deseja ser um sim. Pensando nas coisas que são inversas, negar um não é o mesmo que dizer um sim. Escolhemos as palavras para dizer, amigo, mas são as atitudes que falam às claras. São as coisas, meu amigo. São as coisas, mas que coisas? Essas que invadem nossos silêncios e por caminhos não imaginados levam às nossas pretensões. Quer saber? Antes que o tempo passe, preciso saber quando é hora de acordar. Preciso saber quando é hora de dormir. E nesse espaço que há entre os dois verbos, preciso aprender a permanecer comigo. Já distanciei demais nas estradas que dispersam a vida.
            Preciso saber quando é hora de acordar, pois quando chegar o outro momento terei certeza de um sono bom. Agora falo, meu amigo, de um despertar físico, de um abrir de olhos, de um ver que me induz às coisas certas. Aqui eu sei que uso a repetição dos verbos, e é repetindo eles que me despeço. Preciso, saber, acordar. Preciso, saber, dormir. Preciso de tantas coisas, mas os dias correm e são como as águas de um rio. As coisas são muitas. Pensando nos dias que não esperam minhas esperas, na indecisão me escracho. Sofrem os meus desejos. Sofrem por não saber desejar uma só coisa. É nessa altura que misturo o sim ao não, pois, de tanto precisar, esqueci de precisar ficar comigo. No espaço que há entre dois verbos, preciso aprender para me ensinar a conviver comigo.

O HOMEM DE KRIPTONITA.



           
Ele não era de Marte, também não era da Lua, falando, parecia homem que veio de Kriptonita. As pessoas não se moviam. Os ventos paravam para não cobrir sua fala com ruídos. Acho que até os ruídos se roíam de medo com receio de ser repreendidos. O instante da fala era do seu domínio. As horas que não tinha nada com isso, continuavam marchando e de segundo em segundo alongava o tempo. O despreparo de quem é absoluto é um desespero para quem escuta coisas coisadas. Há alegria em quem dita para o outro, deveres.
Sempre estamos ocupando o tempo do outro. Quando alguma pessoa não toma o nosso tempo, consumimos o tempo de alguém. Nos Chats, gastamos longos minutos conversando com alguém cujo peso da presença física não resistiria mais que alguns minutos. 
Ali havia pessoas que cruzaram fronteiras para ver um homem que falava como um ser raro, mas que não atravessariam a rua para ouvir um homem que veio da terra. O homem que veio da terra, humano, conhecia a dor de um viver diário.

Os instantes ali eram de um tempo buscado, então, permitido. Se repito a palavra “tempo” é porque as coisas coisadas  dizem respeito à preparação. Coisas coisadas para mim quer dizer: você fala de um assunto velho usando uma inspiração nova, mas para quem já viu e ouviu torna-se uma coisa coisada.
Sem querer vou seguindo o tudo e nesse tudo rendo-me ao tempo. Ele joga com as minhas emoções. As coisas que eu falo realmente são a minha verdade? Às vezes falamos tanto, mas nem sempre cremos em dez por cento dessas falas. Há o que vem pelo ouvir e, se não ouço com o coração certo, tendo a divagar, pois o ver transporta o pensar. Talvez eu busque sabedoria da Lua, ou tente encontrar comunhão em Marte. Talvez eu coloque os pés na terra, não como um homem que veio de Kriptonita, mas como varão que conhece a sua sina: vinte e quatro horas e uma porção de sentimentos, que sujeitos ao lugar, se afloram como jardins que se rega todo dia. Se não posso escolher meus sentimentos quero conviver com pessoas que não escavam a ira.
O homem foi assediado depois que terminou. Depois dos aplausos ele caminhou. Depois que caminhou, sentou-se como homem que veio de Kriptonita ao lado de um homem que veio da terra. Esse não tinha depois. Era homem de agora.
Cabelos brancos e fala de quem aprendeu com a vida, o homem que era da terra cumprimentou o homem que parecia vindo de Kriptonita. Por pouco tempo, pois uma multidão dos que não enxergam homem da terra veio ter com ele. Cabelos brancos entendia aquele momento. Do homem e do povo.
O homem da terra observava a multidão enquanto escutava seus pensamentos. Indagações... Questionamentos... Pessoas... O tempo... E, o homem que não falava como homem, mas como varão que veio de Kriptonita.
Depois que o tempo se foi, foram também as pessoas. Ficaram dentro daquele salão dois homens. A sofisticação e a simplicidade. O ego fitou a humildade com o orgulho de quem sabe que é preciso ser humilde para reconhecer o ego. Depois dos aplausos sempre chega o vazio de se estar sozinho. Para o homem da terra havia paz. A sabedoria reina depois do tempo para quem aprende nos caminhos como são os passos. Voar na euforia é fácil, difícil é pôr os pés na terra e encarar a si mesmo. Voltar para si mesmo exige mais que voltar, tem de se estar disposto a quebrar o orgulho.

Não sei se os Kriptonianos possuem egos e se, em defesa desse sentimento, mudam a verdade. Não sei nem se eles compreendem o amor.
De perto ele não amava ninguém além de si mesmo. De longe, era alguém que impunha seus encantos. Caetano Veloso já afirmara: “De perto ninguém é normal”. Como homem que tinha traços de Kriptonita, sua missão era mais importante do que a vida, do que a natureza... Mais até que os humanos. Não era alto e nem baixo. Tinha o nariz um pouco curvado, se vestia bem e usava sapatos internacionais. O rosto? Sem barbas, a pele bem tratada e sobrancelhas feitas em salão. Havia uma pequena cicatriz logo abaixo do nariz que se escondia ao dar lugar a um sorriso. Um riso de quem ri com dor se confundia com o olhar de quem se esqueceu de ser feliz.
O homem da terra compreendeu o sentido de algumas palavras publicadas na internet: Não é preciso ser, basta parecer”. Ele aprendeu que sendo é melhor que parecer, ainda que não tenha uma multidão sob os seus pés.
O homem que era da terra, mas que falava como homem que veio de Kriptonita, também tinha sentimentos, e vivia como todos os homens, à mercê da dor de ser Humano.

POR QUE TEMOS UM NOME?


            .
A igreja estava quase cheia. A expectativa dos presentes, como de costume.

— Qual é nome do garotão? O padre indagou apontando um jarro com água em direção à cabeça do menino nos braços de uma jovem mulher.
O homem do lado tentou responder, deu branco. A mulher com a criança no colo insinuou uma palavra, mas se escondeu na insegurança. Era um batismo, não uma competição do soletrando.

— IVAGGNNOR! Adiantou-se a mãe dizendo, percebendo o embaraço dos envolvidos. – IVAGGNNOR! Disse com o orgulho de quem cria uma coisa nova. Nem Thomas Edison quando inventou o Fonógrafo teve a mesma expressão.
O padre recolheu a mão que ameaçava despejar a água quando ouviu. Suspirou. Estava quase acostumando com a nova geração. Ele conheceu a geração dos “Josés” e dos “Joões.” Nomes têm momentos.  Os dias de hoje, seria Neymar? A mídia não registra nem batiza, mas influencia na criatividade. O sacerdote se guardou num silêncio quase budista. A igreja entendeu. Gosto não se discute, nem se interfere.
— O nome? Disse depois de voltar a si.
— Sim. É IVAGGNNOR. – Respirou. – É: I... V... A... dois “Gês mudos,” dois enes, um ô e um erre no final. Soletrou. Explicou as letras e comentou. Queria um nome diferente para o filho.
O pai cerrou os olhos. Coçou a orelha direita, quis se esconder, mas amava a esposa. Estava feliz por ser pai, suportou a vergonha.
Juramar, o pai, pensou no outro dia. Um ontem cheio de invariáveis. Vinha de uma grande família de nomes estranhos. Tinha uma resposta convincente quando questionado: “Coisas do meu Pai!” Entristeceu quando lembrou o nome dos seus irmãos: Jumairzo, Jumerzildo, Jumirnaldo e sua irmã, Jumaríndia. Todos deram um pitaco para o nome do seu filho. “Ta difícil! Ontem o cartório que recusou esse nome, agora também o padre?” Questionou em sua alma.
O padre entendeu a situação do pai e, como estava acostumado com o ofício, entornou o jarro que estava em suas mãos. A criança começou a chorar e esperneando bateu com o pequeno pé no jarro. Acho que não recusando a água, mas o nome. Criança não pensa, mas se pudesse escolher o próprio nome, diminuiria o Bullying na escola quando crescido. A água espalhou molhando os pés do padre. A mãe envergonhou-se pela água derramada e pela incompreensão de um nome tão bonito. “Gosto é gosto, e para mim, opinião é uma questão de opinião”, disse a mãe num sussurro ameaçador à madrinha, que sorriu concordando. Para não haver transtorno, decidiu chamar o afilhado de Vaguinho.
— Chora não, Vaguinho! – Disse a madrinha erguendo o menino no alto.
O pai ouviu. O pai gostou. O padre ouviu e gostou. A mãe, não. Mas a criança parou de chorar. Coincidência? Não é coisa boa ser um humano. Tudo é escolhido por outros. Um homem escolhe uma mulher ou uma mulher escolhe um homem. Ambos escolhem um momento, que escolhem um lugar. Como a paixão nos dias de hoje brota das cinturas, uma criança que não escolhe nada, nasce depois de um tempo. O seu nome? É escolhido por alguém. A comida, a cama, as roupas, as diversões, os brinquedos? A escola, as matérias, os colegas? Escolhidos por alguém.
Posso assistir a um filme que não é escolhido por alguém? Alguém escolheu fazer um filme e escolheu o tempo para passar esse filme. Depois que nos tornamos adultos ainda vêm os políticos e escolhem por nós as leis que nos...
O batismo fora interrompido por alguns instantes. O Menino era Ivaggnnor, mas ganhara um bom apelido: Vaguinho. Parecia nome de jogador de futebol ou nome de cantor de pagode. Parecia o nome mais certo para o momento.

Volta à cerimônia.

— Por que esse nome?
— Achei bonito.
— Você gosta do seu filho?
— Padre, eu sou a mãe.
— Eu sei.

Silêncio. A cerimônia ganhou ares estranhos.

— Como é o seu nome?
— Jessica.
— Penso nas crianças de hoje. – O padre seguiu com a Homilia. – Os pais não se preocupam com os nomes dos filhos. Acho que é porque também não pensam no futuro deles. Assim como têm criatividade em ajuntar letras para compor um nome, também são criativos para fugir das responsabilidades.
O padre disse. Ele e somente ele podia dizer. O nome era estranho, mas se não batizasse o garoto, o quê iriam dizer do padre Astrogésilo Freitas?  Padre Freitas estava ali para rezar a missa e fazer batismos, não para questionar os nomes.