Ela estava sentada na arquibancada da quadra do colégio, tinha feições de
choro e, sozinha, rejeitava o mundo. Era tão pequena para um grande mundo. As
dores? Maiores que o universo. Com onze anos, pensava que os adultos não tinham
dores humanas, afinal, onde estão os meus pais? Ou melhor, onde estão os pais?
Questionava. Questionava e questionava. As suas perguntas eram grandes como o
abandono. O seu pai tinha uma nova namorada e outra casa. A sua mãe, um novo
namorado e a ficção de que encontrara o príncipe encantado. As princesas e os
príncipes encantados roubam das pessoas o direito de serem pessoas.
A sua data de nascimento não era tão distante da sua idade atual, mas ela
já se apaixonara. Já namorara e também já trocara de garoto três vezes. O
encanto de um príncipe dura até se acostumar com o outro. Ninguém está
preparado para se acostumar com alguém. A beleza perde a essência quando se
acostuma e é nesse momento que precisamos ser fiéis, não ao outro, mas a nós
mesmos.
Ela não gostava dos espelhos, mas gostava de maquiagem. Maquiagem sem
espelhos distorce a beleza. Ela não gostava de estudar, mas sabia que para
entender as respostas precisava de conhecimentos e, para isso, era necessário
ler. Ler muito. Mas não queria. Estava presa nos questionários que roíam por
dentro. As indagações lhe cansavam a alma, doía o corpo, mas mesmo cansada não
conseguia dormir. Depressão.
Quem me escolheu para viver? O meu pai de nova namorada não se lembrava
de mim. Quem me escolheu para amar? A minha mãe apaixonada me via, mas não me
enxergava. Quem me escolheu para ficar comigo? A minha avó, mas não foi na
paixão dela que eu nasci. Nem sei por que nasci. Sei que tenho um nome, que
tenho que ir para a escola, que tenho tantas coisas... Mas tudo isso não têm
sentido.
Perguntas. Ela se questionava. Queria se ajustar ao mundo. Perdeu a
vontade de viver. Fazia planos. Muitos planos, mas sempre o mesmo plano. Quando
morresse ninguém ia se importar. Deixaria uma carta? Para quem a carta? Não
tinha amigos, não estava namorando, nem falava muito com a sua avó. Para quem
uma carta? Para os professores? Eles iriam desviar seus planos.
O barulho da quadra foi se ausentando. A claridade foi amarelando até
encontrar a escuridão. Tudo escurecera.
Quando ela acordou encontrou-se rodeada de pessoas. Demorou para reconhecer
a sala onde estivera algumas vezes, a sala da diretora. Há dias não se
alimentava direito e nem dormia. Desmaiara e foi socorrida por algumas pessoas
que estavam na quadra.
Depois que todos se afastaram, a professora Sandra sentou-se ao seu lado.
Acariciou-lhe os cabelos e a abraçou. Não disse palavras. Uma atitude diz mais
que as palavras. A menina sentiu-se amada sabendo que a professora não era da
sua genética, mas que preenchia a falta dos seus pais.
— Como é o seu nome? Sandra perguntou tendo ela no colo.
— Luiza, professora.
Sandra encheu os olhos de lágrimas e juntas choraram pela mesma dor que o
tempo ajuntou ali. Tinha treze anos quando uma professora com o nome Luiza lhe
salvara a vida. Depois que a salvou, permaneceu por perto, até ela encontrar
uma razão para viver.
— Luiza, eu gosto muito desse nome.
Sandra refletiu. Sentindo um
passado que não passava.