segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

CADEIRA DE BALANÇO.



— Eu nem sei qual é a canção que toco agora. – Pausa. – Vejo os ponteiros do relógio andando em círculos... – Disse o menino já impaciente ao pai.
— Ei! Deixa os ponteiros do relógio fazerem o seu trabalho e preste atenção na música... Mas o quê tem a ver os ponteiros com a música?! – Gilson berrou lá da varanda.
— Pai, você pediu pra contar o tempo...
— Sim, mas o tempo da música.
Sávio voltou a concentrar no teclado. As novidades à mercê de alguns botões. Acionou um. Jingle Bells encheu a sala.
— Eu não pedi pra você estudar? Por que tá brincando?
— ... E... um ... E dois. E um... E dois... E...
— Conte mentalmente o tempo, eu não preciso ouvir!
Silêncio.
— Ei! Por que não está tocando?!
— Você disse que não quer ouvir...
— Não quero ouvir você contando o tempo. E deixa de fazer gracinhas e estude... Use a mão esquerda também!
Sávio enrubesceu. Há três formas de aprender músicas, pela própria vontade, pela vontade dos pais e pelo status. Pensou o garoto. Mamãe canta porque gosta de música, papai toca guitarra por status e eu? Pela vontade deles.
Quando o sol adormecia, observava os pais sentados na varanda fazendo planos. Ele estava acostumado a fazer planos. Não era como os planos de um adulto. Tudo o que queria era ser selecionado numa peneira, ser um grande jogador de futebol, dar entrevistas, discurso rápido. E se tivesse que contar o tempo, que seria esse o tempo do jogo começar. Um dia para ser bom tem de ser planejado. Da varanda observava os pássaros oferecendo rasantes. Pássaros não fazem planos. Todos os dias sabem que precisam de comida, e se apenas pensassem, não se alimentavam. Às vezes voava como eles e, de tanto pensar, não pensava nada. Gilson entregou-lhe alguns CDs e disse para ouvi-los.
— Pai, hoje eu não posso, tenho que fazer um teste. – Sávio disse, falando com os olhos e com as mãos.
— Deixa o menino se divertir, homem de Deus. – Pausa. – Quando ele se interessar pela música, vai nos encher de orgulho. Não é, filho? – Disse a mãe, observando o teclado e a cadência harmônica que o menino estudava. – Eu andei observando, Gilson, o tempo na música é contado sempre em busca do acorde que ainda não foi feito ou da nota que ainda vai soar e, mesmo que eu não veja, há movimentos dentro da música, ouvindo-os eu os sinto, sentindo-os eu posso compreendê-los e é justamente isso que faz o encanto. Há um tempo para todas as coisas, não é, querido? – Ela disse, estendendo as mãos para o filho.
Sávio respondeu gesticulando com os ombros.
O dia acordou cinzento. Gilson sentou na cadeira dos planos e se dispôs a enfrentar o domingo. Sávio tinha onze anos quando dera o nome à cadeira. A mãe gostou, pois, quando sentava ali as suas indagações ganhavam respostas. Dois dos seus planos mais importantes tiveram início ali e só depois foram apresentados na única igreja do bairro. Agora o salão da igreja tinha curso de costura e de pintura, mas não tinha ninguém para costurar nem pintar. Não basta realizar os planos, dá trabalho mantê-los. Mas isso cabia ao pastor resolver. Ela havia feito o mais difícil, pensar.
Ela sentou na cadeira dos planos com o orgulho de quem queria pensar em inovação. O estilo de vida da sua cunhada Margarida tomou o restante do dia, dos seus planos e dos seus afazeres. No final do dia pensamos mais no que fizeram e pouco no que fizemos. A sociedade nos ensina isso, afinal, vemos notícias para saber de quem? Da cadeira, enquanto pensava, viu os móveis fora do lugar. Observou que o marido precisava ajudar mais em casa e que Sávio não estava bem na escola, mas, precisava pensar.
O feriado da segunda-feira estava cheio do sol. Um vento brando deslizava rasante, deitando as folhas do mal cuidado jardim. Gilson observou o Sr. José se aproximando. Há dias o seu pai não o visitava. Enquanto aguardava a chegada em passos lentos do seu gerador, Gilson forçava o corpo para movimentar a cadeira em que estava sentado. O esforço não o tirava do lugar. Tantas coisas simples ele poderia fazer. Visitar amigos, ligar apenas para dizer “tudo bem”?  Poderia simplesmente ver o filho jogar futebol ou se dedicar mais à música. 
— Como vai a vida, moço? – O Sr. José quis saber, após uma longa conversa com o filho.
— Tá indo. - Gilson respondeu fazendo movimentos na cadeira.
— Pretende ir com ela? – Gilson sorriu. Precisava levantar e viver, antes que o tempo se distanciasse.