quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A história de NARCISO por Oscar Wilde.

                                                                      FOTO REPRODUÇÃO

Quando Narciso morreu, o lago de seu prazer transformou-se de

receptáculo de águas doces em poço de lágrimas salgadas, e as

Oréades vieram chorando pelo bosque cantar para o lago e

dar-lhe conforto.

E quando viram que o lado havia se transformado de poço de
águas doces em poço de lágrimas salgadas, soltaram as tranças
verdes de seus cabelos, choraram pelo lago e disseram:

— Não nos admiramos de que chores desta maneira por Narciso,
tão belo era nele.

— Mas Narciso era belo? - perguntou o lago.

— Quem saberia melhor do que tú? — responderam as Oréades.
— Por nós, ele sempre passava direto, mas tu ele procurava, e
deitava-se às tuas margens e fitava-te, e no espelho de tuas
águas admirava sua própria beleza.

E o lago respondeu:

— Mas eu amava Narciso porque, quando ele se deitava em
minhas margens e olhava para mim, no espelho de seus olhos
eu sempre via minha própria beleza refletida.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

SINDICÂNCIAS

Foto de reprodução
SINDICÂNCIAS

Quando o silêncio te procura
E a solidão dói em mim
Sinto o arremesso do tempo
Nas indagações.
... Talvez, o amor não acaba, mas os desejos mudam ,
E os sentimentos esmorecem...

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

NIHONJIN ROMANCE



Hideo Inabata é um japonês orgulhoso de sua nacionalidade, que chega ao Brasil na segunda década do século XX com o objetivo de enriquecer e cumprir a missão sagrada de levar recursos ao Japão, conforme orientação do imperador aos seus súditos. O árduo trabalho no campo, a difícil adaptação ao Brasil, a morte da primeira esposa e os conflitos com os filhos Haruo e Sumie são um teste para a inflexibilidade do nihonjin (japonês). O narrador, neto do protagonista e filho de Sumie, empresta voz e visão contemporânea à transformação do avô e do seu sonho de voltar rico para casa. Nihonjin, romance de estreia de Oscar Nakasato, foi o vencedor do 1º Prêmio Benvirá de Literatura, do qual participaram 1.932 concorrentes de todo o Brasil com obras inéditas.



sexta-feira, 18 de outubro de 2013

PODIA SER...

                                                                                                                  FOTO DE REPRODUÇÃO

Como explicar um “podia ser”? Já era anunciado que podia. Difícil era aceitar que seria. Mas se não fosse? Ainda assim, podia. Podia o dia alongar sem se preocupar com a minha espera. Seria difícil conviver com todos os pensamentos ansiosos que provêm de uma espera, mas podia acontecer. Podiam os pensamentos se dividir em bons ou maus. Seria difícil separá-los... Escolhê-los...
Podia, nas escolhas, acontecer um erro. Seria desagradável conviver com elas, as escolhas, por tempos que não se medem com palavras. Podia escolher conviver e, com uma boa convivência, coexistir. Seria normal a psicoadaptação. A beleza mora entre dois seres, distantes. Perto, as flores não crescem tão normais. Podia pensar no encanto. Seria normal uma atração. Podia deixar que tudo acontecesse como as estações do ano. Seria como as notas de uma melodia, uma soa após já estabelecida a outra. Podia sentir o coração batendo. Seria interessante. Podia também nem perceber. Seria distração inventada. Podia. Podia. Simplesmente podia, além do verbo poder. Seria. Seria... Seria distração esperada, além do que seria.
Como explicar um “podia ser”? Estava claro que podia ser. Podia encarar a situação como um menino. Seria apenas um menino. Podia enfrentar na condição de homem. Seria simples se mostrar adulto. Podia esperar? Seria emocionante. Podia acreditar? Seria impressionante. Podia, ser. Já era anunciado que, um dia, ela cortaria os cabelos, mudaria de lugar e, com o mesmo olhar, mudaria o jeito de me ver.   



terça-feira, 15 de outubro de 2013

O VALOR DE UM PROFESSOR


FOTO http://www.flickr.com/photos/philljackcolombia/4922834681/
O VALOR DE UM PROFESSOR.

E se pudéssemos, num dia que não fosse quinze, que não fosse do dez de um ano ou outro. A gente se pegasse pensando na primeira sala. Na primeira carteira. Na primeira letra ou nos primeiros movimentos das mãos. Se pensássemos assim, nos primeiros amiguinhos, na primeira bronca do primeiro professor. E se pudéssemos, num dia que não fosse quinze, que não fosse do dez de um ano ou outro, mas de uma semana qualquer. Num dia algum, de sol, de chuva, de frio ou de desencontros onde procuramos por nós mesmos. E se pudéssemos, num dia que não fosse quinze, que não fosse do dez de um ano qualquer. A gente se pegasse lendo um livro num jardim, lendo um jornal no metrô, lendo os painéis de uma nave no espaço, lendo o contracheque do salário, lendo as leis no congresso, criando leis no país, ou escrevendo nossos discursos. E se pudéssemos, num dia que não fosse quinze, que não fosse do dez de um ano que é sempre. Em todos os discursos, em todas as letras escolhidas, em todas as palavras escritas. Saber onde tudo começou é ultrapassar o dia que é quinze, que é do dez, de um ano qualquer. E se pudéssemos num dia que não fosse apenas quinze, que não fosse apenas do dez, mas de todos os dias. Quem sabe aprenderíamos a bravura das primeiras letras, o valor de um professor, em todos os tempos.



terça-feira, 8 de outubro de 2013

QUAL A COR DOS SEUS OLHOS?


                                                                                               FOTO DE REPRODUÇÃO
                                                             
            O frio aumentara na tarde de terça-feira na primeira semana de julho. Um vento cortante vindo do sul estendera a friagem que começara no sábado. Depois de certificar se havia desligado todos os computadores, Marcelo Kemps apanhou um livro que estava sobre a escrivaninha, enfiou no meio das pernas, pegou o blusão, e depois de vesti-lo, conferiu os cabelos usando como espelho o vidro da parede. Retirou o livro do meio das pernas, folheou-o várias vezes até encontrar o cartão do ônibus. Fechou a loja e seguiu seu caminho. A melhor das voltas, voltar para casa. Não tinha muito a fazer. Tudo que queria era deitar em um sofá e esticar as pernas para cima. Nos últimos dias estava se sentido solitário e se perguntava constantemente onde tudo começara.

Mark, como gostava de ser chamado, não esperou tanto dessa vez pelo ônibus.

O frio aumentava cada vez mais, fazendo-o perceber que havia esquecido as luvas na loja. As mãos colocadas dentro dos bolsos. Os pés, vestidos com meias grossas, doíam.
Quando entrou no ônibus sentou-se no único lugar que sobrara vazio. Ao seu lado, alguém se escondia atrás de um livro. Tinha um gorro na cabeça e usava uma grossa blusa de frio. “A ÚLTIMA MÚSICA”. Leu. Curiosamente o mesmo que ele estava lendo. Ela ergueu os olhos acima da página e se encolheu ainda mais no canto. Seus olhos passearam no rapaz como um relâmpago e voltou a se esconder na leitura. Capitulo dezessete. Descrevia a personagem. Ele sabia. Estava lendo a mesma página.
Tudo lá fora estava estranho. Pessoas enroladas em seus casacos, o final de tarde sem sol, cinza. Sabia que quando chegasse em casa não haveria sofá e nem tempo para esticar as pernas. Teria que se arrumar e chegar mais cedo na faculdade. Se pudesse, mudaria os planos.
Uma senhora entrou. As mãos cheias de sacolas a impediam de andar pelo corredor do veículo. Mark se levantou para ajudá-la. A menina se prontificou em ajudá-lo com as sacolas, mas ele fez um gesto, faria tudo sozinho. A moça voltou ao seu lugar e ficou observando. Mark girou para retornar ao seu assento e o livro que estava dentro do seu blusão despencou, indo parar perto dos pés da garota. Ela o recolheu com um sorriso.
— Eu também leio Nicholas Sparks. – Mark disse, como quem sente vergonha ao ser surpreendido. Se os seus amigos soubessem, com certeza seria zoado. Resolveu ler para ter assunto quando se aproximasse da Selena. A intelectual da classe, que tinha olhos apenas para o seu amigo que nem notava que ela gastava uma diminuta parte do seu tempo olhando para ele.
— Estou percebendo. – Ele recebeu o livro das mãos dela e sentou-se envergonhado. Ela não o olhava, mas o percebia. Ele, irresoluto, queria explicar.
— Não é o meu tipo de leitura. Leio porque me falaram que é bom. – Ela continuou com a cara dentro do livro. Uma pausa. Outro movimento de embaraço. Dessa vez ele enroscou o pé no banco da frente.
— É apenas um livro, relaxa. – Ela falou com um meio sorriso. – Eu não vou contar pra ninguém.
— Desculpe. – Deixou soar um sorriso. – Mesmo que quisesse contar para alguém, não conhece os meus amigos... É... – Quando ele ia falar o ônibus parou. Ela estava descendo no ponto dela. Ele demorou alguns segundos para reconhecer, era também o ponto dele. Demorou alguns minutos para alcançá-la. Ela andava muito rápido. Quando finalmente a acompanhou ela já estava abrindo a porta de um carro e se enfiando dentro. A mulher levantou uma das mãos do volante, lhe acenou e levantou o vidro. Quem era a moça? Por que tanta pressa? Para onde estava indo? Por que não o deixou explicar?  
Alda ligou o som. A música lenta recheou o ambiente. A rua quase deserta facilitava o trânsito. Aline, no banco de trás, ignorou a canção e com a cara dentro do livro se perguntava por que alguém se prende em coisas tão pequenas. Ter vergonha de ler um livro. Se fosse um livro ruim e ainda que fosse, a necessidade de leitura era dele. Quem é ele? Por que tanta lentidão em explicar o óbvio? Para onde ele foi?
— Quem era o rapaz? – Alda perguntou. Raramente via a filha conversando com alguém estranho. Aline sorriu.
— Também estou aqui me perguntando quem é ele.
— Ué, você estava com ele e não sabe quem? – Alda falou, olhando-a pelo retrovisor acima.
— Sei apenas que é alguém que está lendo o mesmo livro que eu, na mesma página. Sentou ao meu lado e ficou envergonhado quando o livro despencou. – Alda sorriu, não acreditando muito na história da filha.

Aline ajeitou demoradamente os longos cabelos negros, pensando na roupa que ia usar. Mesmo não querendo, andou se lembrando. Quinze dias se passaram e mesmo tomando o ônibus duas vezes por semana não mais o encontrou. Se o visse novamente o reconheceria de imediato? Sorriu. A pergunta teria uma boa resposta se fosse: depende, se ele tiver um livro nas mãos... Ficar com vergonha...
A palestra começaria às 19h30min. Conferência para pequenas empresas e, dentro da apresentação, o orador faria uma abordagem sobre gerenciamento e logística. Mark chegou mais cedo e enquanto aguardava se ocupara de um dos livros do palestrante. Uma mesa estava enfeitada com livros esparramados e em decoração, um jarro de flores brancas em cada lado de um notebook e no telão o último livro do palestrante. Na imagem, um homem de cabelos grisalhos segurava a mão de um menino, sorrindo, ambos miravam uma estrada. – Em tempos diferentes na vida, a estrada é a mesma. Ser velho ou ser criança não importa, no final, passamos pela mesma estrada, o que importa é o que acontece conosco enquanto caminhamos. – Dizia uma voz no vídeo.

Havia poucas pessoas no salão quando Andrey Sóstenes chegou, com a felicidade de quem gosta de motivar alguém. Mark juntamente com outras pessoas se reuniu ao redor do homem. A conversa estava interessante. Um rosto era-lhe reconhecível. Mark percebeu isso e, depois de executar um pequeno giro de cabeça, se perguntou de onde conhecia a moça. Compridos, negros, espalhados e cobrindo os ombros, os cabelos realçavam o rosto que era, para ele, angelical. Ela nada dizia, apenas meneava a cabeça enquanto ouvia o assunto e, com um olhar firme, absorvia cada palavra dita. Aline reconheceu de imediato o rapaz. Ele tinha um livro na mão, a coincidência coincidiu-se.
Andrey Sóstenes falou por noventa minutos. Quando todos se preparavam para ir embora, Mark procurou por aqueles olhos que se desprendiam como a força do sol rasgando nuvens escuras, mas não a encontrou. Quem seria a dona daqueles cabelos e daquele olhar que fazia parar o tempo? Conferiu as horas no visor do celular. O tempo não havia parado, o que parou foi a sua visão. Incapaz de fugir do encanto, cingiu o coração com a beleza da moça.

Mark refletiu sobre as coisas que aconteceram nos últimos dias. Não estava preparado para o que estava se passando. Dentro de um ônibus, em um dia em que nada dera certo, um par de olhos lhe fisgara a existência. Por mais que insistia em esquecê-los, não conseguia. Ninguém olhava daquele jeito e ele queria olhar novamente, e olhar outra vez até que se encontrasse dentro daquele olhar. Acendeu a luz do seu quarto e com um salto isolou-se na sua cama. Com os pés tocando o chão, deitou-se de braços abertos imaginando o que acontecera. Queria encostar o nariz sobre o nariz dela e enquanto lhe tocasse o riso, deixaria que os seus dedos deslizassem por toda a longura dos seus cabelos. Com os olhos mirando o teto do quarto, adormeceu.

O shopping. Pessoas se aglomeravam num corredor. À esquerda, a sala de cinema. À direita, uma lanchonete com poucos lugares vazios; as pessoas ocupavam o espaço onde havia sombras. Nas tardes, o sol irrompia o vidro instalando levemente numa parte do salão. A luz tocava sensivelmente uma parte do aquário.  Aline tinha os cabelos presos com uma caneta e enquanto tomava um suco de laranja deixava que os seus olhos percorressem as páginas de um livro.
Sem tirar os olhos do livro, ela notou que alguém se aproximou do aquário. Gostava daquele lugar e três vezes por semana, enquanto esperava a sua mãe sair da academia, sentava ali e tomava um suco enquanto lia. Quando levantou os olhos percebeu um rapaz parado à sua frente e que esse lhe era conhecido. Mark não esperava encontrá-la ali perto do fim da tarde, por isso, um novo embaraço. Embaixo da mesa, ele observou. Ela tinha os pés formosos, livres numa sandália rasteira, expostos aos encantos dos olhos dele. Se fosse poeta escreveria algo sobre aqueles membros. Ela notou que ele fitava-lhe os pés e recolheu-os. Delicadamente recolheu-os.
— Oi. – Falou ele com timidez esperada.
— Olá. – Falou usando aquele olhar que o revirava por dentro. Guardou o livro depois de marcar a página.
— Vi que é outro livro.
— Sim. Terminei aquele.
— Que velocidade em ler um livro. – Ela riu. – Posso sentar?
— Uhum.
— Como é o seu nome?
— Aline. O seu é...
— Mark. – Ela o olhou novamente por alguns segundos. Ele pensou estar incomodando, devido ao jeito como ela se comportava com os olhos. Não olhava diretamente para ele e sim para uma direção que lhe permitia vê-lo sem ser direta.
— Estamos sempre perto um do outro, mas quase não conversamos. – Falou ele depois de um breve silêncio. Ela riu. Ele se levantou e estendeu a mão.
— Já estou indo. Gostei de te ver aqui.
— Eu também gostei.
Ele percebeu. Ela tinha mãos delicadas. Um pouco mais compridas, mas que encaixavam perfeitamente nas suas. Imaginou andar pelo corredor do shopping tendo a mão esquerda escondida na mão direita dela. O mundo mudaria a cor.
Alda surgiu de dentro de uma sala. Com uma pequena toalha branca, secava os cabelos. Vestia uma roupa colada estampando flores vermelhas e alternava a batida nos cabelos com alguns goles de água da garrafa presa em suas mãos. Ela parou e ficou observando o rapaz se afastando.
— É o rapaz daquele dia?
— Sim.
— Bonito!
— Também acho.
— Como ele te encontrou aqui?
— Através da coincidência. – Alda sorriu, descrendo do sarcasmo da filha.
— Desde quando a coincidência promove encontros?
— Sei lá. Pra mim tem dado certo. – Mãe e filha se olharam e os segundos seguintes foram de risadas.

Quando os amigos chegaram à sala de aula, naquele dia, ele observou que Selena usava sandálias rasteiras. Mark percebeu, ela não tinha os pés formosos. Os dedões eram extremamente compridos e o mindinho, mindindinho. Fez questão de cumprimentá-la e, ao tocar em sua mão, observou que a menina não tinha mãos que escondiam as dele, e que os cabelos não possuíam a negritude comprida que os seus dedos ansiavam percorrer sem pressa. Não comparou o olhar, pois, era incomparável ao olhar da Aline.

— O que você tem, cara? De alguns dias pra cá você parece com a cabeça nos ventos. – Ivan disse, abraçando-o pelo pescoço.
— Há coisas que acontecem e que não sabemos explicar. – Disse desvencilhando os braços do amigo irmão.
— É, você tá estranho. – Selena admitiu. Ele já não a olhava mais com olhar de quem avalia quadros.
— Penso que ainda sou o mesmo. – Disse sorrindo, sabendo que havia sim uma mudança. Pensou num momento quase recente. Com o coração anunciando medos, caminhou com a Aline por uma rua escura. O medo era dos sentimentos ligeiros. A escuridão e olhos que não compreendiam não deixaram que ele a olhasse como se olha para alguém que faz uma pessoa existir. Pelo vulto entre lâmpadas que não clareavam, contemplou apenas uma parte dela, a voz. Amou o som, amou o vulto, amou saber que podia caminhar ao lado dela, mesmo com o coração anunciando timidez.
— Então...
— Então o quê?
— Me conta, de quem você tá gostando? – Mark sorriu e, antes que dissesse algo, Ivan interrompeu. – Vi que você ta gostando de alguém, mas não é a Selena, nem olhou pra ela hoje. – Mark sorriu novamente abrindo os braços. Havia olhado sim, mas dessa vez enxergou tudo num instante e não encontrou mais o encanto que o prendia a ela. A paixão é diferente do amor. Ela tende a ocultar detalhes que o amor não suportaria esconder.  – Me fala aí, dessa nova pessoa...

Ivan e Mark sempre foram bons amigos.  Quando a sua mãe veio morar com o pai de Mark, ela o trouxe para dividir o quarto. Desde crianças estavam sempre juntos e nunca brigaram. Por ter na idade um ano a mais, Ivan se sentia no direito de protegê-lo.
Mark esperou que o tempo se alongasse para ter coragem de falar dos seus sentimentos, mas se tivesse que descrevê-la naquele momento, diria:
“Possui o dizer de quem conhece a razão, a calma que desativa uma guerra e um olhar que revira por dentro. Usa pouco as palavras. Ela sabe que não precisa de muitas falas. É uma mulher que sabe dos movimentos do amor e sabe também que o coração se entrega a qualquer gesto delicado quando se está sozinho”. 

A noite seguia sem pressa e a lua parecia sorrir tendo uma estrela ao seu lado. Ivan exalava a felicidade, estava inaugurando o seu site, depois de trabalhar tanto nos últimos dias. Os convidados foram chegando e ele, feliz por ter um site, conheceria também a mulher que mudou o seu irmão. Somente depois de anunciar as novidades do seu site é que ele se aproximou de Mark e Aline. Lançou nela um olhar de proteção. Gostou da moça. O seu irmão tinha sempre bom gosto, ela transmitia paz e segurança, ao contrário da Selena com seu sentimento fugaz.
— Ele está feliz, está realizando o sonho dele. – Aline disse enquanto o olhava de longe. Mark observou. Ivan caminhava por entre as pessoas com total atenção a cada um dos presentes ali.
— Sonhos... – Disse elevando os olhos para o alto. – Ele falou tanto desse sonho... – Apanhou duas taças do garçom que passava. Estreitou os olhos nela. – Qual o teu sonho? – Mark perguntou, entregando a ela uma pequena taça de champanhe.
— Meu sonho?! – A pergunta a apanhou de surpresa. – Deixe ver... Hum... – Fez uma pausa, olhou para os lados, mas antes que se alongassem os segundos voltou a encará-lo com o olhar que ele gostava de descrever. – Estudar psicologia. – Fez uma pausa. – Quero ser uma psicóloga, é isso! – Sorriu. – E você, qual é o teu sonho? – Disse alongando o “é” e com um meio sorriso esperou a resposta, sem olhar diretamente para ele.
— Tenho muitos sonhos... – Trocaram silêncios. – O mais impossível envolve você.
— Ah! É?! – Fez um gesto com as mãos, pedindo que ele continuasse.
— Te abraçar enquanto te beijo, mesmo que seja por alguns segundos... Deslizar os meus dedos pelos seus cabelos pode ser impossível, mas... Se você não quiser.
— Mas o sonho é seu... – O seu rosto se iluminou e a boca ameaçou um riso.
— Eu disse que envolve você. – Esperou ela sorrir, mas ela desviou o rosto. – Desculpe, estou apenas brincando...
Ela se escondeu no silêncio e disfarçava a falta de palavras bebericando o champanhe. O amor acontece como gotas, as gotas eram partes dela. Os olhos. Os cabelos negros e longos. As mãos que abrigavam as dele. O som da voz. Os diálogos curtos. Os pés. Avistou-os um dia. Amou-os.
— Estou contigo nesse sonho.
— Mas o sonho não é só meu?
— Não importa, já estou envolvida.
A música dominava o lugar. Ninguém escutou o som de um beijo, nem repararam nos corpos que se ajuntaram num abraço a meia luz. Ninguém sabia, o amor chegou até eles, como gotas.
— Qual a cor dos seus olhos? – Ele indagou. Por um resumido instante ela pensou nos namorados que teve. Ninguém lhe fizera tal interrogação.
— Castanhos claros. – Convicta de que encontrara o amor, Aline respondeu depois de demorar com a resposta. Descobriu que havia três coisas interessantes a serem observadas para que um relacionamento se perpetue: que os olhos mudam de cor por pelo menos três vezes ao dia; que nos aproximamos pelo brilho que há nas pessoas; e que se não permanecemos por perto, é porque não nos interessou saber a verdadeira cor dos olhos.

sábado, 5 de outubro de 2013

GRAMÁTICA REMINISCÊNCIA.

                                                   FOTO DE REPRODUÇÃO
  
Era para usar os sinônimos. Há pouco tempo sentávamos no meio fio e ficávamos lendo mensagens no celular. Ela deixava os cabelos soltos. Em tão pouco tempo o dia passava. Eu, José Maria, gostava de observar as palavras estranhas, ela, Maria José gostava de ler as palavras ao contrário. Quase no final da noite eu enviava os meus trabalhos, ela lia, nas redações assinalava: use mais os sinônimos. Ela ia para a escola de manhã, a noite era a minha vez. A tarde era nossa. Juntos não havia sinônimo de bom, era simplesmente bom. Antônimos apenas no futebol. Corinthians e Palmeiras. À tarde eu me acostumara a ficar com ela, mas não reparava na camiseta com uma águia. Adoro águias, mas não no futebol. Para onde eu ficava olhando? A gente se acostuma a não ver as coisas. Ela detestava o verde. Acho que corintiano não torce pela seleção brasileira, pois, na bandeira do Brasil não tem o preto. Ela tinha um lado palmeirense que eu adorava, mas quando eu mencionei isso, ela nunca mais quis ler um livro no jardim. Um dia disse que queria pintar a grama de preto.
Um dia fui visitá-la e fiquei sabendo que não podia vê-la. ??? Mas??? Como assim?! Ela havia passado mal e estava internada. A minha cabeça se encheu de reticências. No meu coração, um travessão. Nos meus desejos, interrogações. Desejei ardentemente vê-la. Preferia o antônimo do mal. Nas tardes que nos faziam bem, queria simplesmente vê-la bem.
A reminiscência, sinônimo de recordação, traz em mim um bem que me faz bem. As minhas redações ganham sentidos melhores quando uso os sinônimos.
Os antônimos se agigantaram quando crescemos. Ela conheceu um cara que chegou como desinência dela. Começou a namorá-lo, descobriu que era um sinônimo. Há pouco tempo a encontrei. Casada, há um ano suportando um antônimo, disse que sentia saudades de quando sentávamos no meio fio e que as nossas diferenças eram o jeito simples de sentir o amor. Quanto a mim, namoro alguém com o nome de Josefa. Ela não gosta de redações, nem de futebol, nem de trocar mensagens no celular. Não me impede de tocar nas lembranças e nem de amar os sinônimos.