segunda-feira, 15 de abril de 2013

TORRE DE BABEL


             O homem mediu o terreno. Riscou, rabiscou e, virando o papel ao contrário, fez dois riscos cruzados. Esticou os braços e, com uma afastada vista, certificou-se do X. Sorriu. Amassou o papel e atirou-o longe. Depois que ele se afastou veio outro homem, mais moço que o primeiro. Mediu novamente o terreno. Riscou e riscou. Rabiscou um pedaço de papel, observou-o de todos os ângulos. Sacudiu a cabeça em sinal de reproche. Amassou as pequenas folhas e arremessou-as longe. Um menino que perto estava desamassou-as. Olhou, olhou, olhou. Sorriu. Um riso sarcástico. Meneou a cabeça em sinal de desaprovação e, quando estava para arremessar os manuscritos, notou que passava uma mulher. O menino fez vários acenos antes de entregar-lhe os papéis. A mulher observou o terreno, comparando os escritos. Sorriu e, com os movimentos de quem copia números da TV, leu os rabiscos e observou a base da construção em processo inicial. A mulher sorriu. Quando chegou a casa mostrou os papéis ao marido, que depois de conferir os rabiscos, saiu às pressas para o local. Meia hora depois estava de volta. Trancou-se em seu escritório e só saiu quando o dia já beirava a noite. Tinha ele um riso nos lábios e papéis novos nas mãos.
O homem, engenheiro requisitado e de currículo invejável, mediu o terreno. Certo de que estava tudo em ordem, checou o material de trabalho. Podia começar a obra? O menino, sorrindo, achou que estava muito cedo e que o pai era muito apressado. O moço, irmão do engenheiro, disse que precisava rever os projetos; uma obra daquelas carecia de um bom planejamento, mas não fora consultado para ajudar com os desenhos. A mulher, calada, mas que antes importunava o marido, não gostou de ver seus canteiros de flores fora do projeto. O engenheiro considerou a opinião de todos, mas no final faltaram-lhe as certezas. Quando as dúvidas esvaíram-se, começaram as chuvas. Quando as chuvas cessaram, faltaram os operários.
O engenheiro concluiu a obra. Para ele a dificuldade da Torre de Babel não começou no meio da obra. A dificuldade da língua existia dentro deles. O desentendimento foi um processo, a fala, o resultado. Cansado, ele concluiu a construção. Falando a mesma língua, mas não a mesma fala.