domingo, 10 de novembro de 2013

O ENCONTRO

                                                                                                         
                                                                                                                     FOTO DE REPRODUÇÃO
  Em meio a tantos sorrisos e vozes altas, um fitar de olhos pairava em minha direção. Um olhar que não olhava, mas que me via. Meu despertar foi de encontro ao movimento da visão. O tempo se consumiu, em segundos se refez no que era sério, penetrante, fugaz, mas que não irradiava medo. O sol do meio dia rompia árvores de longas sombras, os estudantes corriam de um lado a outro com a ansiedade de sempre e professores e alunos se misturavam ao se assentarem em banquetas de cimento tendo a suas disposições mesas de concreto. Por que o meu medo? Já não andei bastante no caminho do ensino? Não. Houve mudanças. O verbo aprender não indica o tempo, nem recomenda um momento exato. Aprender é instruir-se, conhecer um pouco mais do tudo é apreciar o nada. O meu coração bateu forte enquanto o sinal durou, depois que parou, cessou também a aceleração. Dizem que o medo paralisa, a mim não paralisou, mas a mistura da coragem e o medo provocaram um terremoto, meus joelhos confessaram o tremor. Andei em direção à sala, confesso, meio sem direção.
            A primeira conversa foi de uma rara calma, acho que não encantei, mas convenci. Trinta nomes, rostos desconhecidos. A expectativa desvirtua o ser e faz soma de dois: bom + bom = agradável. Bom, +, ruim = caos na sala.

            O sinal soou como uma trombeta, o meu respirar se desfez como um balão de ar. Final da aula. Lugar novo é estranho, tem muita coisa para ver. Digo estranho, pois, provoca emoção despercebida, desatenta, que quando desperta, não acrescenta.

Um velho num quadro acrescentou.

Abri os olhos, sorri da minha burrice, nunca havia lido Machado de Assis.

            A gravura na parede revelava minhas tolices. Não tive culpa por ser tolo. Machado não é uma obrigação, é uma consciência. Isso faltou a mim e ao professor que me forçava ler quando tomei gosto por leitura. Herculano ficou gravado na minha memória, mas hoje eu o troquei pela beleza de um Dom Casmurro. Penso em como foram os meus dias com Herculano. Os gibis da Mônica, do tio patinhas e os de bang-bang. Livros espíritas, filosofia, teologia e psicologia. Aprofundei-me nos livros de autoajuda. Queria buscar segurança em mim, na verdade queria gritar: sai de mim Herculano! Meu amor por livros não lhe pertence.
Hoje eu comprei um Machado, não pretendo cortar árvores, quero cortar de mim o amor que Herculano quis impor ao apresentar Dom Casmurro. Essa coisa de amor demais apaga o encanto. Amor para ser amor precisa apresentar graça, lisonjas, enlaçar doçuras, conquistar. Depois mostra a verdade, que para mim tem seu próprio tempo para existir. 
            O olhar que não me olhava, mas que me via, voltou a me encontrar. Com visão demorada esbarrei naqueles olhos como quem não queria ver. A agitação dos estudantes voltou a ganhar formas, com mais pessoas, os que eram e também os que não eram. A turma “A” se comportou bem. O programa educacional ganhou seu primeiro dia, eu ganhei certezas, certas para um recomeço.
Pouco a pouco a multidão se dissolvia. Do grupo ficaram alguns jovens, alguns professores e o diretor. De costas para mim, os cabelos da cor da noite ausente da luz da lua, cobriam-lhe os ombros. O tempo desandou. Andou com as horas. A sirene soou e a multidão dos que não eram, inundou o pátio. Senti saudades, pensei no quase velho que sou hoje. Uma professora saiu aos gritos praguejando um adolescente que fugiu da sua justiça. Pediu-me para que repreendesse o menino. Não podia, as minhas lembranças não permitiam, fiz pior que o garoto na mesma idade. Consciência pesada omite a ordem.
 Os jovens que estavam sentados levantaram-se fazendo menção de ir embora. E aqueles olhos que me conhecia, não de fala, mas de olhar, voltou a me inundar. Olhos que falam por silêncios, esperam encontrar corpos que desmerecem as palavras. Hevelin é cativante, de beleza rara e doçura nos gestos, de rosto meigo e olhar singelo, mas que não revela facilmente os seus mistérios. Eu precisava de amizades, ela buscava um amigo. Ambos descobertos num tempo que não era nosso, mas que existiu ali, por um olhar que não me olhava, mas que me via.