sexta-feira, 28 de março de 2014

QUANDO CHEGA A PRIMAVERA


                                                                                                         FOTO https://plus.google.com/u/0/photos/of/113157243989661445426
Visivelmente cansada, ela debruça a face sobre a escrivaninha e fica a ouvir as minhas mansas palavras. Os cabelos descambam pelo rosto. Com um gesto ingênuo os recoloca no lugar e seus olhos jade se esforçam em mim. As largas vidraças denunciando rostos indiscretos não impedem as minhas indagações. Como os olhares nas janelas, busco também entender a cena. Somos a cena. Olhados de fora. O silêncio alterna entre um dizer e outro. Quero saber como foi o seu dia. Abordar a espera é uma forma de dar vazão à conversa. Observo suas mãos pequenas, afetuosas. Ela estica o seu casaco até a cabeça e como um cobertor se esconde nele. Não totalmente, pois ainda me resta um filamento do seu rosto. Mergulho no sorriso que escapa. Trafego nas linhas da sua boca quando o riso se desmancha. Desenho seu rosto e a beleza que encontro me leva a desdizer quem sou. A primavera antecipada nas minhas desprevenidas horas rompe a espera. Não estamos mais sós. Nem tempo há para mais dizeres. Ao nosso redor as pessoas sorriem. Tomado de encanto, preso à delicadeza de uma mulher adormecida, me deixo ser. Quero tomá-la nos braços, repartir o sono e dispersar a espera. Intento agradá-la com palavras, mas a minha contemplação não consente. Dizem que a beleza esconde do homem a fala, paralisa-o, emudece o ser. O seu rosto angelical invade a minha morfologia e todas as ortografias desaparecem dos meus vocábulos. Seus olhos se acendem. Não quero ir, não posso ficar. No subjetivo jogo do sim e o não, atento à imagem com rabiscos de primaveras. Millah. Ela ilustra essa palavra no seu caderno, eu grafo o seu nome em minhas páginas.

quarta-feira, 26 de março de 2014

O MELHOR “MELHOR”


Quanto a mim, não quero mais voltar nas saudades, acho que você pensou nisso. O tempo nos força a andar, não importa como devem ser os passos. Somos confeccionados de ontens e tingidos de agoras, mas antes que venha o depois, os momentos inesquecíveis abrem espaços. Para o amanhã se move a vida e para o antes o viver. De que valem as lembranças se não podemos reconstruir as estações? Você se lembra como acontecem as estações? Elas nascem do brilho do primeiro encontro, antecipando a poesia que demora nas saudades. As reminiscências têm valor de saudades, mas não se comparam às lembranças. Voltar ao lugar de antes é do homem, lá está o melhor Melhor. Humanos vivem bem em locais imaginados, mas nós não estamos imaginando, noto que você observa isso. A saudade é um olhar que demora por dentro, pois lhe falta ainda o complemento do que foi digno. E o que foi digno? Só o coração sabe contar, pois são dele as dores e as alegrias. As lembranças moram nesses dois sentimentos. Sei que você sabe disso, pois não se lembra mais dos momentos que não lhe provocaram estranheza... Penso que você cogitou isso, mas não delongou nesse pensar, pois queria voltar nas saudades e num gesto de refrigério quis parar o tempo, adiar o futuro e se deleitar no que passou. Amanhã, se os caminhos se conectarem, quem sabe a gente possa sentar e falar das estações, do olhar que demora por dentro e de saudades. Sei que você pensou nisso e quer seguir o coração.



segunda-feira, 24 de março de 2014

A BELEZA ESTÁ DENTRO DE VOCÊ

BASTA MOVER OS OLHOS
PARA QUE A BELEZA SE INSTALE
NO CORAÇÃO.


BASTA DEMORAR OS OLHOS
PARA QUE A BELEZA
SE INSTALE NO CORAÇÃO

domingo, 23 de março de 2014

O SEQUESTRO DA MÚSICA

Pela manhã, quando o corpo se levanta, mas o espírito ainda permanece madorno, é que se ouve música boa; antes de começar a entender o que os ouvidos entregam ao cérebro. Antes de qualquer coisa: vindo dos gestos dos vizinhos, dos sons que vêm das ruas; antes de ligar a TV e ver a premiação do melhor cantor, ou cantora do ano. Ainda bem que não se premiam os melhores compositores. Ninguém mais tem tempo. Para quê gastar tempo com arranjos se com duas notas (notas e não acordes) e uma onomatopeia faço do meu hit o melhor do ano?  Para quê gastar tempo escolhendo palavras se, com os vocalizes, sou intelectual num programa de TV?  Eu quero estar na universidade, ser universitário, mas não quero ferir o meu sertanejo, no qual “Ando devagar porque já tive pressa e... chorei demais”. Enquanto fazem músicas com duas notas, eu penso nos dois acordes do Geraldo Vandré, que, “caminhando e cantando, seguia a canção”. Enquanto canções agitam o corpo, a cabeça pede um pouco mais de calma; “é preciso ter paciência”, afirmou Lenine. Dói saber que algumas pessoas não sabem conviver com a liberdade. Essas aproveitam os quarenta e três segundos de um sinal de trânsito para fazer sofrer a música que já quase morre em mim. Pela manhã é que se ouve música boa. Ouço os pássaros visitando o meu aconchego, mas o tempo passa e então, na minha rua, um hit com duas notas acelera a morte da música, que já quase morre em mim.

quarta-feira, 19 de março de 2014

ADÉLIA PRADO, UMA AULA DE ARTE



O que a memória ama, fica eterno.
Te amo com a memória, imperecível.


Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

segunda-feira, 17 de março de 2014

A PEDRA DO MEU DRUMMOND


Quando eu nasci,
Para a Poesia fui levado
Andei léguas de tempo
De tempos em mim
Desachados.
Escrafuchei o pensamento
Psicologiei meus sentimentos
Escrachados.
No meio do caminho,
O meu Drummond foi lembrado,
No difícil catar de palavras
Para o meu poema
Inédito.

domingo, 16 de março de 2014

DESCAMINHOS

                                                                                                                   
                                                                                                                   Foto de Reprodução
Há momentos
Em que as palavras
Se escondem
Pra dar lugar

Ao verbo sentir.

sábado, 15 de março de 2014

A TERCEIRA MARGEM DO RIO (Guimarães Rosa)


Guimarães Rosa
O mais famoso conto desse autor apresenta uma intertextualidade bíblica com Noé.
Esse conto faz parte do livro “Primeiras Estórias – 1962 e abrange o pós-modernismo. É preciso chegar à idéia viva do que é o conto, e isso é sempre difícil na medida em que as idéias tendem ao abstrato, a desvitalizar seu conteúdo, ao passo que a vida rejeita angustiada o laço que a conceituação quer lhe colocar para fixá-la e categorizá-la. Mas, se não possuirmos uma idéia viva do que é o conto, teremos perdido nosso tempo, pois um conto, em última instância, se desloca no plano humano em que a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me permitem o termo; e o resultado desta batalha é o próprio conto, uma síntese viva e ao mesmo tempo uma vida sintetizada, algo como o tremor de água dentro de um cristal, a fugacidade numa permanência. (CORTÁZAR, p. 147)
http://www.cefaprocaceres.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=755&Itemid=77

A Terceira Margem do Rio

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.
 Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.
 Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.
Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.

Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988,pág. 32,cuja compra e leitura recomendamos.
Tudo sobre o autor e sua obra em "Biografias".

http://www.releituras.com/guimarosa_margem.asp

domingo, 9 de março de 2014

ENTREVISTA COM CLARICE LISPECTOR


"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."




Clarice Lispector

Esta importante entrevista com a nossa Clarice Lispector foi apresentada pelo programa Panorama Especial e transmitida pela TV Cultura em 1977. Através desse encontro com Clarice nós percebemos o quanto Ela é natural e existencialista ao tratar do Homem e de si mesma, ela consegue expor em seus trabalhos todos esses sentimentos que fazem parte da vida do sujeito como o Medo, Angústia, Desprezo, dentre outros afirmados pela própria Clarice Lispector.

Enviado em 31/07/2011
*Fonte do Vídeo: Canal israelbarros
**Editado por André Bispo através do Editor de Vídeos do YouTube.

CLARICIANDO O LISPECTADOR
(Nill Cruz)

Acho que, Meio Clarice, Ando meio Lispector.


Dentro de um eu Buscando alguém 


Que se Claricia, Que se Lispectoria

Que se encontra Que se perde

Que tem nas procuras
A esperança de Chegar
Como quem nunca chega
Quando busca a si mesmo.


quarta-feira, 5 de março de 2014

CONTO ALFABÉTICO


AMANHECER AMARELO ACALMA.

Assim, antes, aquele Amanhecer Amarelo amanhecia alegre.
Beijando borboletas, beliscando o Bem.
Cumpria cada centímetro caminhado.
Desfazia dores, desautomatizava o desumano.
Encolhia em espaços estreitos, estendia-se nos espaços espaçosos.
Feito flor, fortalecia a felicidade.
Grudava Graças, guiava Gostos, gostava de gostar.
Habilitava o hoje, harmonizava os homens, honrava a honestidade.
Idealizava a igualdade, incentivava as ideias inéditas...
Jubilava-se justificando a justiça.
Kafka, Kant, Kandinsky, Karamazov...
Laçava-o, levando-o a lugares longes.
Machado, Manoel, MPB massageavam-lhe a mente.
Não negava navegar no necessário:
Observar os originais.
Padecia, pensando parar os problemas políticos. 
Queria quebrar as quadrilhas, 
Resolver o racismo radicalmente,
Sonhar sem sofrer segregações,
Trabalhar o talento, todo o tempo,
Ultrapassar o universo.
Viu verdejar a Vida,
Xiscando o Xis.
Words… the windows of world?
Yes. Yellow,
Zen.


SINOPSE

DEPOIS DE ONTEM... UM NOVO AMANHECER.


Allan é um músico que se perdeu de rumo em meio ao turbilhão do sucesso e se encontra estacionado na pequena cidade de Maresia. Em meio a reflexões sobre si e procurando nos livros as respostas para seus fantasmas do passado, ele se depara com um livro que mudará sua vida e suas perspectivas. Ao mesmo tempo, uma misteriosa mulher chamada Jade lhe oferece uma amizade profunda. Mas Allan quer mais. Mesmo depois de terem iniciado um relacionamento, os passados de ambos trazem à tona dificuldades de entrega que colocam o amor que sentem em risco. Jade é o amor de sua vida, mas Allan precisa aprender a fazer concessões e saber muito mais sobre si mesmo antes de dar espaço ao amor, e Jade também precisa reaprender a não ter medo de amar. O tempo, o poder das palavras, pessoas inesquecíveis e o poder do amor dão o tom a este romance, que fala feito música ao coração.

segunda-feira, 3 de março de 2014

SE UM CACHORRO FOSSE SEU PROFESSOR (Anônimo)




Você aprenderia coisas assim:
Quando alguém que você ama chega em casa,
corra ao seu encontro.
Nunca perca uma oportunidade de ir passear.
Permita-se experimentar
o ar fresco do vento no seu rosto.
Mostre aos outros que
estão invadindo o seu território.
Tire uma sonequinha no meio do dia
e espreguice antes de levantar.
Corra, pule e brinque todos os dias.
Tente se dar bem com o próximo
e deixe as pessoas te tocarem.
Não morda quando um simples
rosnado resolve a situação.
Em dias quentes, pare e role na grama,
beba bastante líquidos
e deite debaixo da sombra de uma árvore.
Quando você estiver feliz,
dance e balance todo o seu corpo.
Não importa quantas vezes o outro te magoa,
não se sinta culpado...
volte e faça as pazes novamente.
Aproveite o prazer de uma longa caminhada.
Se alimente com gosto e entusiasmo.
Coma só o suficiente.
Seja leal.
Nunca pretenda ser o que você não é.
Se você quer se deitar embaixo da terra,
cave fundo até conseguir.
E o MAIS importante de tudo...
Quando alguém estiver nervoso ou triste,
fique em silêncio, fique por perto
e mostre que você está ali para confortar.


A amizade verdadeira não aceita imitações!!!

sábado, 1 de março de 2014

ADULTA INFÂNCIA



            Recado estranho: “Du’Marques, eu ainda kurto Suddenly, viu?”. No Facebook a minha postagem anotava três dias, mas o comentário, recente. Na foto uma borboleta azul trazia o nome Anny Lee. Os álbuns não abriam e eu fiquei preso às indagações. Solicitei uma amizade. Aos trinta e dois anos ainda não conhecia alguém com esse nome, mas conhecia Suddenly, minha canção favorita na adolescência. Eu postara o vídeo depois de ver Billi Ocean cantando na TV. Sou pianista e há dez anos vivo da minha música. Nunca toquei a canção da minha infância.
Verdes tempos, com dias dourados e noites prateadas. Um céu que sorria de dia e de noite contava poesia. O vento fazia música. Infância, para lá é que me transporto. Subo nas amoreiras, corro pelo quintal de folhas varridas, mergulho nos rios de águas rasas, escuras.  Às tardes de quase todos os dias, o futebol de rua. Descalços, chutávamos bolas de meias. Na brincadeira de esconde-esconde eu escondia com ela. Por um tempo ninguém nos achava. A escuridão nos cobria. Ficávamos colados, invisíveis ao pé da árvore do vizinho. Nas estações do ano tínhamos tempo para olhar a lua que nos vigiava com um riso prateado.
Na primavera dos meus treze anos, acordei com o sol esquentando o meu sono. Despontei na sala como um zumbi, depois de passar pelo corredor de paredes com tábuas na horizontal. A minha altura, o olhar tímido e voz com som de poesia. Ana Laura me emprestava a beleza da manhã através de um sorriso. Parada, em pé na porta entre a sala e a cozinha, me viu despertar. Disse que pretendia me surpreender e observar se era verdade que os meninos não acordam de mau humor. Eu bem sabia que ela estava indo embora. Embora de mim, da nossa pequena cidade, da nossa infância, dos nossos vinis, se retirando dos nossos momentos como o tempo que não espera voltar. Ela se foi. Demorei para acordar, compreender a ausência e a conviver comigo. Demorei em Suddenly até que a canção me esqueceu. Ainda ouço Billi Ocean, mas fujo de Suddenly, o meu coração não aprendeu a voltar nessas saudades. Os nossos vinis permaneceram por algum tempo na sala, agora ficam guardados em algum lugar em mim.
Dias desses voltei. Na TV Billi Ocean deslizava sua voz entre os acordes de um violão. A canção me levou ao menino cujo apenas metade se tornara adulto. Por uma estranha razão ouvi Suddenly por inteira. Tomado de lembranças, cheio de saudades, postei um vídeo. Queria dividir com o mundo os meus sentimentos. Anny Lee aceitou o meu pedido de amizade. Na linha do tempo um recado ofereceu luz ao meu coração:

Encontrados por uma muzk, rsrrsrs. Sou a Ana Laura, lembra? Já sou mãe, tenho um filho de 5 anos, mas to solteira a 4. Já ñ posso + brinkr de esconde-esconde, rsrrs, tenho 31 anos. Kkkk. Suddenly! Gosto tanto dessa canção que a adotei em meu nome. Ly representa o som da última vogal, por isso, Anny Lee. Eu estava no teu show quando vc stv aki, to flz por te axar, Bjo”.

Há anos nos procurávamos, mas pelos nomes certos.
 Sento-me na cadeira vazia que dá visão à pista. O aeroporto está quase cheio. Falta meia hora para o avião chegar. Não sei quem eu espero: uma promotora de eventos ou Ana Laura, agora uma mulher mãe, empresária autônoma que curte Suddenly. Desligo-me do tempo olhando no notebook as fotografias dela. Os minutos avançam e os meus olhos são tomados de encantos. Ela abre um sorriso quando me vê. Nossos corpos se encontram num abraço demorado.
Ela entra no meu carro. Nos nossos olhos, encanto; no som do carro, Suddenly.