Recado estranho: “Du’Marques, eu ainda kurto Suddenly, viu?”.
No Facebook a minha postagem anotava três dias, mas o comentário, recente. Na
foto uma borboleta azul trazia o nome Anny Lee. Os álbuns não abriam e eu
fiquei preso às indagações. Solicitei uma amizade. Aos trinta e dois anos ainda
não conhecia alguém com esse nome, mas conhecia Suddenly, minha canção favorita
na adolescência. Eu postara o vídeo depois de ver Billi Ocean cantando na TV.
Sou pianista e há dez anos vivo da minha música. Nunca toquei a canção da minha
infância.
Verdes tempos, com dias dourados e noites prateadas. Um céu que sorria de
dia e de noite contava poesia. O vento fazia música. Infância, para lá é que me
transporto. Subo nas amoreiras, corro pelo quintal de folhas varridas, mergulho
nos rios de águas rasas, escuras. Às
tardes de quase todos os dias, o futebol de rua. Descalços, chutávamos bolas de
meias. Na brincadeira de esconde-esconde eu escondia com ela. Por um tempo
ninguém nos achava. A escuridão nos cobria. Ficávamos colados, invisíveis ao pé
da árvore do vizinho. Nas estações do ano tínhamos tempo para olhar a lua que
nos vigiava com um riso prateado.
Na primavera dos meus treze anos, acordei com o sol esquentando o meu
sono. Despontei na sala como um zumbi, depois de passar pelo corredor de
paredes com tábuas na horizontal. A minha altura, o olhar tímido e voz com som
de poesia. Ana Laura me emprestava a beleza da manhã através de um sorriso.
Parada, em pé na porta entre a sala e a cozinha, me viu despertar. Disse que
pretendia me surpreender e observar se era verdade que os meninos não acordam
de mau humor. Eu bem sabia que ela estava indo embora. Embora de mim, da nossa
pequena cidade, da nossa infância, dos nossos vinis, se retirando dos nossos
momentos como o tempo que não espera voltar. Ela se foi. Demorei para acordar,
compreender a ausência e a conviver comigo. Demorei em Suddenly até que a
canção me esqueceu. Ainda ouço Billi Ocean, mas fujo de Suddenly, o meu coração
não aprendeu a voltar nessas saudades. Os nossos vinis permaneceram por algum
tempo na sala, agora ficam guardados em algum lugar em mim.
Dias desses voltei. Na TV Billi Ocean deslizava sua voz entre os acordes
de um violão. A canção me levou ao menino cujo apenas metade se tornara adulto.
Por uma estranha razão ouvi Suddenly por inteira. Tomado de lembranças, cheio
de saudades, postei um vídeo. Queria dividir com o mundo os meus sentimentos.
Anny Lee aceitou o meu pedido de amizade. Na linha do tempo um recado ofereceu luz
ao meu coração:
“Encontrados por uma muzk, rsrrsrs.
Sou a Ana Laura, lembra? Já sou mãe, tenho um filho de 5 anos, mas to solteira
a 4. Já ñ posso + brinkr de esconde-esconde, rsrrs, tenho 31 anos. Kkkk.
Suddenly! Gosto tanto dessa canção que a adotei em meu nome. Ly representa o
som da última vogal, por isso, Anny Lee. Eu estava no teu show quando vc stv
aki, to flz por te axar, Bjo”.
Há anos nos procurávamos, mas pelos nomes certos.
Sento-me na cadeira vazia que dá
visão à pista. O aeroporto está quase cheio. Falta meia hora para o avião
chegar. Não sei quem eu espero: uma promotora de eventos ou Ana Laura, agora
uma mulher mãe, empresária autônoma que curte Suddenly. Desligo-me do tempo
olhando no notebook as fotografias dela. Os minutos avançam e os meus olhos são
tomados de encantos. Ela abre um sorriso quando me vê. Nossos corpos se encontram
num abraço demorado.
Ela entra no meu carro. Nos nossos olhos, encanto; no som do carro,
Suddenly.
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