sexta-feira, 28 de março de 2014

QUANDO CHEGA A PRIMAVERA


                                                                                                         FOTO https://plus.google.com/u/0/photos/of/113157243989661445426
Visivelmente cansada, ela debruça a face sobre a escrivaninha e fica a ouvir as minhas mansas palavras. Os cabelos descambam pelo rosto. Com um gesto ingênuo os recoloca no lugar e seus olhos jade se esforçam em mim. As largas vidraças denunciando rostos indiscretos não impedem as minhas indagações. Como os olhares nas janelas, busco também entender a cena. Somos a cena. Olhados de fora. O silêncio alterna entre um dizer e outro. Quero saber como foi o seu dia. Abordar a espera é uma forma de dar vazão à conversa. Observo suas mãos pequenas, afetuosas. Ela estica o seu casaco até a cabeça e como um cobertor se esconde nele. Não totalmente, pois ainda me resta um filamento do seu rosto. Mergulho no sorriso que escapa. Trafego nas linhas da sua boca quando o riso se desmancha. Desenho seu rosto e a beleza que encontro me leva a desdizer quem sou. A primavera antecipada nas minhas desprevenidas horas rompe a espera. Não estamos mais sós. Nem tempo há para mais dizeres. Ao nosso redor as pessoas sorriem. Tomado de encanto, preso à delicadeza de uma mulher adormecida, me deixo ser. Quero tomá-la nos braços, repartir o sono e dispersar a espera. Intento agradá-la com palavras, mas a minha contemplação não consente. Dizem que a beleza esconde do homem a fala, paralisa-o, emudece o ser. O seu rosto angelical invade a minha morfologia e todas as ortografias desaparecem dos meus vocábulos. Seus olhos se acendem. Não quero ir, não posso ficar. No subjetivo jogo do sim e o não, atento à imagem com rabiscos de primaveras. Millah. Ela ilustra essa palavra no seu caderno, eu grafo o seu nome em minhas páginas.

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