domingo, 27 de abril de 2014

O ROSTO NA TERCEIRA NOITE


                No dia onze do mês de maio, às 19h28min, contei os passos, eram necessários três antes de chegar à porta e nove até chegar ao púlpito, receber o microfone da mão do apresentador e começar a minha palestra. A plateia aguardava por mais uma apresentação. Terceira noite seguida, a poltrona quinze estava vazia. As cadeiras eram numeradas devido aos sorteios no fim de cada dia de conferência.
Na minha primeira apresentação naquela cidade, estava eu motivado à motivação. No embalo do primeiro dia me senti engraçado, a plateia sorria até mesmo quando eu falava sério. Fiquei preso na beleza de um rosto na segunda fila, cadeira quinze. Era o único rosto que não sorria das minhas piadas, mas meneava a cabeça em sinal de concordância quando alguma das minhas palavras a tocava. Ela mantinha a cabeça inclinada para baixo, levantava, concordava e permanecia imóvel aos risos da multidão.
Antes que eu terminasse, saiu em direção à porta lateral.
Sem perder o raciocínio, eu a segui com os olhos, até que ela se ocultou da minha visão.
Na primeira noite, os cabelos estavam soltos. Havia nela um sorriso disposto a qualquer gracejo do colega ao lado. Ela erguia a cabeça, lançava um olhar rápido em minha direção, olhava para o colega ao lado, batia com o ombro nele e voltava a abaixar cabeça.
Na segunda noite os cabelos estavam presos num coque por um lápis. O celular a chamava a todo instante e ela alternava entre sair e entrar. Assistir ou não a palestra era determinado por um celular. Notei como ela mexia na bolsa, apertava o aparelho e saía às pressas pela porta lateral. Minutos depois retornava e por alguns minutos mantinha a atenção presa ao aparelho. Como estariam os cabelos dela na noite terceira? Quantas vezes ela falaria ao telefone na terceira noite? Num espaço de tempo em que eu não soube medir, caminhei enquanto falava até bem próximo à moça. Ela tinha um piercing no lado esquerdo do nariz, sobrancelhas pretas desenhadas, olhos verdes que se destacavam por entre cílios pretos retocados por rímel e batom cintilante. Os cabelos presos num coque expunham a beleza dos seus ombros e a pequena tatuagem no pescoço, uma clave de sol, desviou os meus olhos do seu olhar. Ela parou de digitar, desligou o celular e voltou a atenção para mim. Quando me afastei, percebi, ela retornou ao celular. Entre as 363 pessoas presentes ali apenas o seu rosto grudou em mim. Quis conhecê-la. Saber se ela aprendeu o que eu tinha para ensinar.
                Na manhã do dia seguinte, separei alguns jornais a fim de lê-los. Tenho esse costume, saber das notícias locais nos hotéis em que fico.
Na página primeira, um rosto explicava o vazio da cadeira quinze na terceira noite:
Jovem de dezenove anos é atropelada enquanto enviava mensagens pelo celular. A moça passou por cirurgia e continua em estado grave”.


sábado, 26 de abril de 2014

A AUSÊNCIA DA POESIA


Hoje, quando a poesia voltou, meu coração escolheu palavras. Quase uma tarde para encontrá-las. Gastei uma quantidade de instantes selecionando-as. Eu que fiquei vazio quando houve silêncio, me enchi do riso de poesia que volta. O barulho causado por uma espera não cabe em versos, num só poema ou numa prosa. Esperar é dolorido. Esperar a poesia desvia o mundo do mundo. Não aspiro a um planeta desconhecido, não ambiciono morar no céu, nem espero o inferno, desejo um poema novo. Com muitas palavras ou quase nenhuma. Procurei. Vasculhei músicas, debulhei nuvens, embriaguei-me de leituras. Nenhum vento me trouxe alento. Ouvi o silêncio transportando o meu coração para as coisas sentidas. Nada novo. Meus sentimentos querem versos de agora. O meu passado não aclara meu amanhã. Sem poesia, amanhece não. Páginas procuradas, reviradas como textos em correção. Leituras escavadas como arqueólogo procurando fósseis. Ouvidos atentos como maestro passando o som. Assim eu me encontrei quando a poesia se ausentou de mim.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

CONHEÇA JANETE CLAIR, FORMIDÁVEL DRAMATURGA DA TELENOVELA BRASILEIRA.


Janete Clair nasceu Ginette Stoco Emmer, filha do libanês Salim Emmer. Depois de passar uma infância tranquila em Conquista, no Triângulo Mineiro, no vale do Rio Grande próxima a Uberaba em Minas Gerais, o talento de Janete para a vida artística começou a despontar quando a família se mudou para Franca - São Paulo. Na Rádio Herz, a principal emissora da cidade, Janete fazia sucesso interpretando canções em árabe e francês. Aos quatorze anos, precisou interromper temporariamente a vida artística e se dedicou a trabalhar como datilógrafa para ajudar na renda da família. Depois, já na capital São Paulo, fez estágio num laboratório como bacteriologista e aos vinte anos passou num teste para ser locutora e rádio atriz da Rádio Tupi. Adotou o sobrenome artístico Clair, inspirada na música "Clair de Lune" de Claude Debussy por sugestão de Otávio Gabus Mendes. Nessa época, trabalhando na rádio, conheceu e se apaixonou por seu futuro marido, o dramaturgo Dias Gomes.
Nos anos 50, já casada, foi incentivada pelo marido a escrever radionovelas e teve grande sucesso com Perdão, Meu Filho Rádio Nacional, 1956. Com Dias Gomes, Janete teve os filhos: Guilherme, Alfredo, Denise e Marcos Plínio, este falecido ainda criança com dois anos e meio, fato que em demasia a fez sofrer.
Na década de 1960 iniciou a produção para a televisão, com as telenovelas O Acusador e Paixão Proibida, ambas pela TV Tupi. Em 1967, recebeu a missão de alterar a trama da telenovela “Anastácia, a Mulher sem Destino, da Rede Globo, para reduzir drasticamente as despesas de produção. Ela, então, inseriu na história um terremoto que matou mais da metade dos personagens e destruiu a maior parte dos cenários. Depois disso, ficou em definitivo na Rede Globo, onde escreveu telenovelas como Sangue e Areia, Passo dos Ventos, Rosa Rebelde e Véu de Noiva.
Nos anos 70 escreveu algumas das telenovelas de maior sucesso da história televisiva nacional, como Irmãos Coragem (1970), Selva de Pedra (1972) e Pecado Capital (1975), período este em que passou a ser chamada de "a maga das oito", por garantir índices de audiência estratosféricos nas telenovelas exibidas neste horário, sendo, em muitas, indiscutivelmente imbatível. Em 1978, parou o Brasil com a telenovela O Astro, em torno do mistério "Quem matou Salomão Hayala?", personagem então interpretado por Dionísio Azevedo. Janete Clair se tornou a maior autora popular da história da televisão do Brasil, a única a alcançar 100 pontos de audiência. Morreu precocemente, vitimada por um câncer no intestino, enquanto escrevia a telenovela Eu Prometo, que deixou inacabada. Esta acabou sendo concluída pela colaboradora Glória Perez, que viria a se tornar reconhecida e respeitada novelista pelo viúvo Dias Gomes.
Janete era símbolo de carisma, simplicidade e talento. Suas histórias ainda povoam a mente dos brasileiros. De modo ímpar, permitiu junto com trabalhos de autores como Walter George Durst, Ivani Ribeiro, Cassiano Gabus Mendes e Lauro César Muniz, dentre outros, a popularização da novela como produto de cultura massificada e acessível à população brasileira. 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

CONTE UMA CANÇÃO - LANÇAMENTO.



           O Editor escritor Frodo Oliveira lançou recentemente através da Editora Multifoco a antologia CONTE UMA CANÇÃO, nessa obra foram selecionados autores de todo o Brasil e escritores brasileiros que moram fora do país. O desafio era o de escrever um conto no qual uma canção seria o tema. Estou participando dessa antologia com o conto, “YES, O COMEÇO É UM SIM”. O conto foi inspirado na música YES, uma canção romântica dos anos 80, na voz do cantor norte-americano Tim Moore. Essa canção foi tema da novela Selva de Pedra – novela de Janete Clair - reeditada na rede Globo no ano de 1986. O livro CONTE UMA CANÇÃO é surpreendente, e cada conto faz pensar: alguém um dia editou a sua própria história, mas não reparou na canção que marcou esse fato.  

SEGUE ABAIXO A MÚSICA - YES, TIM MOORE.


terça-feira, 8 de abril de 2014

ANTES QUE GEORGE MORRESSE,


            ...ele assinou o contrato. Primeiro de abril, ironia com a morte? Difícil explicar, já que são imortais os escritores. A notícia me tomou os olhos e embrenhou por meus pensamentos rasgando o desconhecido em mim. Tantas coisas poderiam “poder” se isso acontecesse. Fiquei sabendo quem era George. Tal fato me tirou do lugar, afinal precisava fazer alguma coisa, sentir o mundo, observar as minudências da vida, antes que o homem expirasse sem terminar o seriado.
            O meu cachorro elevou as patas, apoiou-as em meu colo. Era hora do seu passeio.
Pela rua caminhou um homem carregado de premonições. O tempo marcava George em mim. Em meus pensamentos elaborei uma lista de coisas a serem feitas caso George viesse a morrer. O meu cachorro, feliz, voltou para casa sorrindo, amenizando o George em mim.
Enfiei-me nas canções que o coração guardava, mas que há tempos eu não exalava a coragem de cantá-las no meu silêncio. Nelas visualizei os amigos, senti-os de longe... Liguei para alguns. Reparei no meu gato de um jeito novo, escrevi uma canção e cantei para ele como se o bichano se importasse com a música. Grudei no portão da minha casa um cartaz com palavras que há anos minha esposa não ouvia. Assinei também um contrato comigo, nele estabeleci algumas regras: que não deixaria de fazer as pessoas felizes, que leria os livros do George RR Martin, que veria o seriado Game of Thrones, que escutaria o sorriso do meu cachorro, que escreveria uma crônica e que dormiria mais cedo, ouvindo um blues na voz do B.B King. 

George RR Martin assina contrato que proíbe que ele morra antes de terminar sua série de Livros. “The Global Edition“.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

Diálogos Impossíveis (crônica) - Luis Fernando Veríssimo


Texto extraído do livro de crônica de Luis Fernando Veríssimo “DIÁLOGOS IMPOSSÍVEIS” 

ENTREVISTA 

Meu caro: recebi a revista com minha entrevista, que você não quis fazer por e-mail, como eu tinha sugerido, nem com um gravador, como seria prudente. Confiou na sua memória e nas suas anotações e o resultado aí está. Começando já na primeira pergunta, sobre o meu método de trabalho.
            Reconheço que não falo com muita clareza, mas definitivamente não, repito não, disse que antes de começar a escrever traçava uns miúdos, o que pode dar a entender que me preparo para o trabalho atacando sexualmente crianças portuguesas. O que eu disse foi amiúde faço traços no papel, esperando que venha a inspiração. Também não sei de onde você tirou que só escrevo descalço e ouvindo Mozart.
            Em outra pergunta, sobre o começo da minha carreira e as leituras que me influenciaram, onde está “corcundas libertários” deveria ser “concursos literários”, e onde se lê “Frei Beto” deveria ser “Flaubert”. Não me lembro exatamente o que disse sobre o Machado de Assis, mas tenho certeza que não o chamei de “prótese motora”. Talvez fosse algo como “protomoderno”. Só saberíamos ao certo se você tivesse gravado!
            Outra coisa. Sua pergunta sobre escritores brasileiros meus contemporâneos.
            Se eu for processado – e no caso do Paulo Coelho certamente serei, depois que você botou na minha boca sobre ele – farei o possível, para que você seja responsabilizado criminalmente. Não entendo como a expressão “fenômeno cultural”, a respeito dos novos autores da era da informática, possa ter saído como “fedor monumental”. Vou ter que telefonar para vários escritores amigos meus para desmentir o que está na entrevista, antes que mandem me bater.
            Você também ouviu errado o nome da minha mulher. Ela ainda não leu a entrevista, mas fatalmente me perguntará sobre essa Lidia que, segundo você, é minha companheira e musa há tantos anos. Vai querer saber onde eu a mantenho escondida.
            Meus dados biográficos também saíram errado. Eu não disse que fui adotado com um ano e pouco. Disse que nasci sem cabelo e por isso fui apelidado de “Coco”. Na infância não gostava de andar pelado na rua. Gostava de jogar peladas na rua. E não consigo imaginar o que eu falei que levou você a escrever que na adolescência fui seqüestrado por um casal de ciganos e levado para a Romênia. Eu deveria ter adivinhado que você entendera errado quando antes de escrever me perguntou se o certo era “Romênia” ou “Rumênia”. Também não sei como o senador Demóstenes Torres entrou na minha lista de atores favoritos.

            Por fim: eu disse que minha cor preferida era o vermelho. Saiu “azul”. Foi o que mais doeu.