domingo, 5 de janeiro de 2014

A DISTÂNCIA DO HOMEM

                                                                                                 FOTO REPRODUÇÃO                                        
Nome precisa ter significado. Não sei por que me chamo Ernesto. Entendo o porquê do “da silva”, comum nas famílias brasileiras. Segundo os estudiosos, dos trinta mil e quatrocentas pessoas no Brasil, 9,9 % carregam o Silva. Seguido de Santos 6,1 %, de Oliveira 5,8 %, e de Souza 4,9 %. Sou da Silva, mas não sou comum, sou Ernesto. Meu filho chama-se José Manoel da silva e a minha esposa, Maria das dores Aparecida da Silva. Substituíram o Santos dela pelo meu Silva. Na minha geração as mulheres perdiam um pedaço do sobrenome. A minha neta, Ana Júlia da Silva de Toledo, recebeu no seu nome mais um nome: Toledo. O meu bisneto tem um nome para ensinar alfabeto. Dez por cento do abecedário ele carrega no nome: Dierlliyon, para ficar diferente, explica a mãe.
 Sou Ernesto em homenagem a Che Guevara, meu bisneto Dierlliyon, à criatividade da mãe. Meu pai Cosme Manoel da Silva nos abandonou quando eu tinha treze anos. Saiu para levar uma boiada lá para as bandas de Goiás e nunca mais voltou. Dierlliyon foi abandonado quando o pai dele soube da gravidez da sua mãe. Esse deu explicação. Disse que a mina era uma “quebradêra” e que ele não era Mané para endoidar nuns piraques desses.
Volto no tempo e quero de volta a minha infância. Fico prostrado nas lembranças até me perguntar se o Dierlliyon sentirá saudades da sua meninice.
Eram quase onze horas de uma manhã de quinta-feira e o sol luzia no alto, mas parecia ter descido alguns degraus. Minha mãe pediu pra ir ao correio. Uma hora depois eu estava de volta com uma carta na mão. Um envelope listrado nas cores verde e amarelo chegava uma vez por mês, mas a gente esperava, esperava, esperava. O tempo não passava. Não tínhamos telefone, nem televisão. Às 19h00min sentávamos perto do rádio para ouvir a Voz do Brasil. Depois tinha Jacinto, Barnabé... Minha mãe ia às lágrimas ouvindo a rádio novelas. Eu me emocionava com ela. Também chorava, ouvindo o simples som de um beijo.
José Manoel é do tempo do rádio e da TV preto e branco. Ana Júlia cresceu vendo TV colorida. Ouvia rádio fazendo os deveres da escola e brincava na rua, pega-pega.  Dierlliyon não entende um olhar de repreensão, não joga bola nas ruas, e nunca ouviu falar de Jerry Lewis. Máquina de escrever? Toca fitas? Disco de vinil? Nada disso Dierlliyon conhece.
Às vezes me pego ansioso esperando que o meu irmão, que eu nunca mais vi, envie-me uma carta lá das bandas de São Paulo. É nessa hora que me aborreço, pois, vejo que o Dierlliyon recebe, em alguns segundos, cartas de sua mãe que mora na Espanha. Ele chama de email. Fica num aparelho no qual ele passa metade da vida apertando as teclas.
Sentado na varanda, vejo o sol se pôr entre nuvens esquisitas. Ao meu lado, Dierlliyon tem nas mãos uma coisa que ele chama de Tablet. Ele conversa com a mãe. Ela me envia um abraço. O menino me avisa sorrindo. Ainda sei que sou desse mundo, amo o meu bisneto. O tempo nos liga. Somos sangue que se encontra, em tempos desiguais.