domingo, 9 de fevereiro de 2014

F E L I 'Z' I D A D E S


FELI‘Z’IDADES

Vejo as aves bandoarem no céu. Juntas, são como as nuvens brancas. Pergunto-me se são as mesmas quando elas se despedem das minhas vistas e se escondem no infinito.
Lembro-me quando elas desciam do céu com o propósito de catar a comida que o meu pai deixava. Todas as manhãs, eu corria até a janela, ajeitava a cadeira vermelha a fim de ficar mais alto, debruçava ali e os meus olhos ganhavam o quintal inteiro. As aves chegavam aos poucos, nunca em bando completo. Depois que se alimentavam, com um impulso ligeiro alçavam voo e se iam de bando único. Eu chegava à janela com os anseios de criança, a passos rápidos, com medo de perder aquele espetáculo. Depois que os pássaros se iam, lentamente eu deixava a janela. Às vezes, sem deixar a janela, eu fechava os olhos e voava seguindo-os sem pensar na direção. Para onde iam os pássaros quando terminavam o banquete? Será que voltavam às suas casas? Eu voltava pra mim. Enchia-me de silêncios e ficava a procurar as respostas que não vinham. Os livros provocavam ainda mais as minhas indagações, cujas respostas estavam em meus silêncios. Como poderia alguém dar a volta ao mundo em oitenta dias? O mundo era grande para mim, mas pequeno para o Julio Verne. Virava-se um capítulo e pronto, um lugar novo dentro de mim se instalava, instigando a minha imaginação. Dos dez aos quinze anos, voei em balões imaginários. Não gosto de pipas. Elas voam aprisionadas aos seus donos. Os aviões voam conduzidos por homens e os pássaros? Esses voam porque são donos de si mesmos.  
Os primeiros voos de Santos Dumont não foram ao redor da Torre Eiffel, mas em torno de si mesmo. Todo homem deseja voar, só ainda não aprendeu a preparar as asas. Aos pássaros o voo era simples, bastava mover as asas e com o um impulso ligeiro ganhavam o céu, rabiscando o meu ser.
Que a felicidade é um recorte do mundo, hoje eu sei. Apenas Eu sinto a dimensão do crepúsculo acariciando os meus olhos e criando cores dentro de mim.
 Lembro quando sem perceber troquei a orquestra dos pássaros por um olhar. Meus quinze anos foram despertos por um par de olhos que me mirava, porém o olhar não me avistava. No aeroporto Samantha Reyes me olhava sorrindo. Cheio de encanto eu também sorria. Percebi no instante seguinte que o riso dela me ultrapassava, celebrando a chegada dos seus músicos. Samantha Reyes sentou-se ao meu lado dentro do avião e nunca mais saiu de mim. Nossos cinco anos de namoro findaram-se quando fui servir a Aeronáutica. Dos vinte aos trinta anos, me tornei uma pessoa de sentimentos fáceis. Gastei-os me apaixonando por qualquer rosto que exalasse encanto. Em cada despertar do sol, alguém tomava o meu ser por completo. As estrelas e os ventos nunca fotografaram um mesmo rosto, nem testemunharam emoções repetidas. A idade da razão me encontrou aos trinta e cinco anos. Com destino a Madri, Samantha Reyes tomou o voo no meu voo. Depois de cinco anos como piloto foi a primeira vez em que voamos juntos. No discurso “Diálogo e Existência”, Martin Buber aponta que “entre o Eu e o Tu nasce uma terceira pessoa, o Nós”. Em Madri Eu ia ter folga, ela faria um show e nós nos encontraríamos para jantar.
A cantora subiu ao palco às 22h30min. No meio da multidão eu cantei todas as músicas como fã que adora o ídolo.
Vejo as aves bandoarem no céu. Juntas, são como as nuvens brancas que me levam ao passado. Pergunto-me se são as mesmas aves quando elas se despedem das minhas vistas e se escondem no infinito do meu tempo. Assim como eu, acho que não são as mesmas. Estou sentado na cadeira vermelha, minha mãe a guardou para mim. Através da janela observo os pássaros gorjeando e catando a comida. Ouço um leve som de piano. Às seis horas da manhã Samantha Reyes trabalha incansavelmente numa nova canção. Nosso casal de filhos ainda dorme. Meus pais ainda não saíram do quarto. Como um menino eu observo os pássaros. Os meus voos atualmente são em função de uma agenda de shows, mas ainda sei voar, como homem e como menino que segue os pássaros, sorrindo em todos os tempos.