Pela manhã,
quando o corpo se levanta, mas o espírito ainda permanece madorno, é que se
ouve música boa; antes de começar a entender o que os ouvidos entregam ao
cérebro. Antes de qualquer coisa: vindo dos gestos dos vizinhos, dos sons que
vêm das ruas; antes de ligar a TV e ver a premiação do melhor cantor, ou
cantora do ano. Ainda bem que não se premiam os melhores compositores. Ninguém
mais tem tempo. Para quê gastar tempo com arranjos se com duas notas (notas e
não acordes) e uma onomatopeia faço do meu hit o melhor do ano? Para quê gastar tempo escolhendo palavras se,
com os vocalizes, sou intelectual num programa de TV? Eu quero estar na universidade, ser
universitário, mas não quero ferir o meu sertanejo, no qual “Ando devagar
porque já tive pressa e... chorei demais”. Enquanto fazem músicas com duas
notas, eu penso nos dois acordes do Geraldo Vandré, que, “caminhando e
cantando, seguia a canção”. Enquanto canções agitam o corpo, a cabeça pede um
pouco mais de calma; “é preciso ter paciência”, afirmou Lenine. Dói saber que
algumas pessoas não sabem conviver com a liberdade. Essas aproveitam os
quarenta e três segundos de um sinal de trânsito para fazer sofrer a música que
já quase morre em mim. Pela manhã é que se ouve música boa. Ouço os pássaros
visitando o meu aconchego, mas o tempo passa e então, na minha rua, um hit com
duas notas acelera a morte da música, que já quase morre em mim.