sexta-feira, 9 de maio de 2014

UM RESTO DE PRIMEIRA VEZ


            Fora dos nossos outonos, um caminho se abriu. Nossos dias seguiam sem reparar no tempo, cuja função é passar. Mudar a cor dos nossos pecados também é papel do tempo, mesmo nos bastando a cor da dor. Às vezes, penso pará-lo para contemplar no inesperado um resto de primeira vez.
A janela da nossa percepção se fechou, fugindo dos outonos. Era preciso inventar um atrativo. Deixar escapar o encanto é desperceber a vida que trabalha em segredo para que a beleza floresça nos segundos. Desatentos, deixamos escapar um sorriso que espalha cores pelo corpo. 
Cabíamos em todos os espaços, o viver revelava isso. Cada som, qualquer nota em qualquer andamento, era a celebração dos nossos riscos. Não se vive feliz sem correr riscos. Eu por agora corro o risco de errar as palavras, matar a frase e gerar uma incompreensão.
As nossas manhãs foram modificadas pelas notícias dos jornais. Dei-me um conselho: não leia os jornais se você não está neles. Funciona, mas sinto falta de leituras. Mesmo não querendo saber do outro, o outro já está em mim.
Grudei nas nossas tardes alguns preceitos: caminhar pela casa com um riso no coração tendo nos lábios um olhar de poesia. 

Nossa varanda, o sol visita todas as tardes. Espalhadas na sacada estão algumas flores, mas gosto dos pássaros que passareiam em mim sobrevoando o meu quintal. Seus gorjeios, seus cantos curtos, seus bateres de asas... Mesmo estando juntas, suas asas são independentes. A noite respinga seus sinais. No horizonte a claridade e a escuridade se ajuntam. Antes que escureça, as nossas mãos se procuram. Os dedos se entrelaçam... Há, sim, um resto de primeira vez.