sexta-feira, 4 de julho de 2014

É PRECISO SER SANTO, PRA SER SANTO


Tudo começa em um ponto. Os meios precisam ter início e fim; e o fim, início, meio e fim. Quando é o fim de um fim? Da mesma forma que é o começo de um começo. Abro a janela e vejo através dela outro igual a mim, com os olhos ultrapassando as vidraças. Nossos olhos buscam o infinito que chega devagar, às vezes feio e, em outras ocasiões, bonito. Mas não é um bonito que encanta, é um “bom nito” que alegra os olhos.
Enquanto dura o tempo da beleza, ficamos imóveis, até que passe o tempo do encanto para dar lugar ao costume. As belezas seriam inesperadas se não carregássemos conosco o verbo acostumar. Acostumamos, pois, não acreditamos nas surpresas de uma mesma coisa e uma mesma coisa pode ser nova todos os dias, basta mudar o jeito de olhá-la. Devagar ou apressadas, não importa. A demora de uma contemplação gasta a santidade de um santo.
Meus ouvidos e olhos me encheram de pedras. Separei-as para que o santo que há em mim não as atire em outros e fira alguém olhando pela janela porque penso: não se deve olhar pela janela. E fira também alguém que não passou pela porta no momento em que eu quis. Vivo entre o tempo de dois quereres, o que eu quero em mim e o que almejo nos outros. Esse último é sempre mais forte.
Ontem eu procurei por mim. Estava ocupado qualificando as pedras. Ao meu redor havia muitos olhando pela janela e outros muitos desejando as portas.
            Acordei numa aldeia. O sol sorria lá do alto, e no arraial as pessoas caminhavam apaixonadas por seus costumes. Alguns amavam a aldeia e se exaltavam nela. Outros defendiam as estradas. Há o amor que ama e há o amor que diz amar. Ninguém se confiava, porque não amavam o amor. Nos tempos de muita fé, descubro um pouco de Narciso em mim. Sou como os outros. Sou a virtude da vaidade. Quanto ao lado que se começa um ponto, deixo por decidir. Alguém já disse: de qualquer lado você pode estar certo, mesmo estando certo do lado errado.