quarta-feira, 13 de agosto de 2014

MORTE NO PAÍS CRIAÇÃO.


            Quando o rei Verbo completou a lista de amigos para a festa de posse em sua casa, ele percebeu, havia dez convidados. As pessoas mais importantes da comunidade Escritando estavam relacionadas, mas faltava-lhe alguém. Ele, o rei do Estado das Ações, precisava urgentemente escolher uma companheira que o ajudasse a governar e a expandir o seu reino. O Estado das Ações ficava à beira do rio Necessidade, esse cortava as montanhas altas e trazia suas águas do País da Gramática, cujo rei, Lobato, edificou antes de se tornar imortal. Apenas uma rua separava a cidade de Belas Artes da cidade de Revisão no País da Gramática.
            Substantivo, rei da cidade de Coesão e irmão do rei Verbo, o aconselhou que enviasse Palavra, sua irmã conselheira e esposa de Escritor, até a cidade estrangeira de Coerência e lá escolhesse uma noiva digna de seu apreço e de seu reinado.
            Ficou decretado que, no dia vinte e cinco do mês de julho, a cerimônia começaria logo após o sol apontasse nas montanhas. Escritor foi o escolhido para organizar tudo, deixando a cargo de Leitor toda a oratória da cerimônia. Leitor era sujeito perspicaz, de olhar arguto e de fácil improviso. Podia mudar seu discurso no meio da oratória. Do púlpito de uma cerimônia, era capaz de perceber alguém no meio da multidão falando de dentes trincados para não deixar escapar a dentadura.
            Sob a direção de Criatividade, senhora de estimado valor, ficou decretado: os convidados seriam os organizadores da festa e cada um cumpriria os seus serviços conforme foram criados aos seus destinos. Artigo assistiria ao substantivo em tudo que ele precisasse. Adjetivo fora escalado para cuidar da aparência da festa, claro, tanto ele como Artigo e os demais convidados especiais deviam estar com suas equipes. Como fora o caso do Numeral que, junto com os Cardinais, os Ordinais, os Fracionários e os Multiplicativos, organizariam quem seriam os primeiros, quantos a ficar perto do rei e, ao final, saber quantos havia na festa. A comunidade Gramática estava relacionada nos convites do rei. Para sabermos, o importante é o casamento, portanto, aqui descreveremos apenas o acontecido, deixando para outro tempo as minúcias dos trabalhos desempenhados pela comunidade Escritando.

            Nem tudo corria bem na Cidade de Artes Belas, sede do governo e capital do país Criação no Continente Humano.
Inspiração provocava Talento apontando-lhe incompetências, falta de decoro e tamanha ausência de vontade em desenvolver os projetos que ela lhe colocava nas mãos. Talento retrucava, dizendo que ela se colocava acima dos demais. Transpiração, sem muito que fazer, convocou Sintaxe e Ortografia os três entraram na guerra contra o rei Verbo, a mando da Comunicação. Inspiração e Talento mudaram de estratégia, ficaram amigos e aderiram suas forças ao grupo radical “Inimigos do Rei’. A Líder Comunicação, que se candidatou ao cargo de ministra, acreditava chegar ao poder antes que o rei tomasse posse. Havia uma chance de ela conseguir isso, as eleições aconteciam antecipadas para que os reis pudessem apresentar, na cerimônia, seus ministros. Comunicação tinha um forte poder. Mídia estava do seu lado e colocara a serviço todos os impensantes de destaque na sociedade. Comunicação guardava uma razão, queria ser ela a esposa do rei e estava disposta a qualquer sacrifício para impedir o casamento. 
            Houve conflito e morte na Rua das Letras, mataram Consciência. Todos sentiram. A sociedade dos impensantes feriu com dizeres a senhora Criatividade. Ela clamou ao rei uma interferência, mas ele nada podia fazer antes do seu casamento.
Mais mortes aconteceram na Rua Liberdade: com um tiro no coração, mataram Pensar. Um dia antes, Pensar viu tombar em sua frente com um tiro de fuzil o seu melhor amigo, Bom Senso.  Um vazio se estendeu por todo o país Criação.  Os “Envelhecíveis”, assim conhecidos por todos, eram conselheiros do rei. Pensar quis apenas fazer um discurso em defesa do amigo Bom Senso, líder fundamental para o bem da sociedade em que residia, mas o executaram, sem dó e sem pudor.
Três dias de luto. Decretou o rei.
Vinte e cinco de Julho. O ano não foi revelado.
Escritor achou por bem não especificar o ano, nem detalhar as horas, pois o tempo no país Criação é contado em Kairós. Todo instante é tempo para uma novidade.
 Uma música tocava. Todos ali curvaram o seu coração ao som da música. Silêncio tocava com veemência e virtuosidade o seu violino. Não embolava as notas. Na hora combinada o rei aguardou sua noiva. Ela vinha ao seu encontro com um sorriso de quem chega para casar. Palavra lhe apresentou Verba, moça do bem, nascida na cidade de Coerência e propensa a ajudar os mais necessitados. Verba tinha uma boa aparência, era educada nos mais sublimes confortos e falava vários idiomas.
Escritor e quase todos os presentes aplaudiram com palmas fortes o sim dos noivos. Todos gritaram:
“VIDA LONGA AO REI VERBO! LONGA VIDA À RAINHA VERBA!”
Leitor estendeu alguns dizeres finalizando a sua belíssima oratória. Comunicação e Mídia ameaçaram um protesto, mas foram advertidas: se armassem barracos, seriam levadas imediatamente à prisão e todos saberiam dos seus crimes. Elas estavam envolvidas na morte dos Envelhecíveis, mas só seriam julgadas e presas após a posse do rei.
Um ano se passara desde esses acontecimentos. Comunicação e Mídia aceitaram o governo do rei Verbo, mais pelo carisma da Rainha Verba. Escritor convocou uma reunião com a comunidade Escritando. Mídia e Comunicação estavam presentes. Elas concordaram: o rei precisa mesmo dessa esposa.

Houve consenso no país Criação. A rainha Verba era competente, convenceu os inimigos e ganhou mais respeito dos amigos. Leitor, que via tudo, disse para Escritor: “Sem Verba não há rei sábio que governe o país”. Escritor meneou a cabeça verticalmente em vários movimentos rápidos, abraçou Palavra e sorriu. “Bela sacada”. Disse Palavra.