quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

MENINA NA CALÇADA


         A viagem começa no momento em que se decide viajar. Foi isso que Lucas ouviu e logo após desligou o telefone. As caminhadas também merecem observações; há entre o ir e o voltar a trajetória do ser. Não são os passos que nos levam, mas os pensamentos que nos acompanham durante o caminho. Há quanto ele não a via? Estava ali por um nome, Lorena. Conheceu-a no aeroporto de Brasília, numa dessas viagens a trabalho. Ele observou a chuva cair, precisava caminhar. Queria ver a cidade, as pessoas e se distrair olhando as lojas do lugar. As nuvens foram se abrindo lentamente. A chuva continuava. Com um cair que não machucava por fora, mas que molhava por dentro. Fechou o notebook e se colocou na janela do sobrado, à espera que as pessoas lhe inspirassem uma nova história.
A rua recebia um muro alto apenas de um lado, como se quisesse proteger suas flores do resto do mundo. Temos nossos muros para as coisas que nos encantam, mas que não nos interessam. Para tudo há “um” outro lado, lado este que já se acostumara com os muros.
         Desses dias que se acorda lembrando, Lorena pensou no escritor. Uma conexão pode nos conectar a alguém pelo simples fato de encontrar no aeroporto, alguém que não tem pressa de ir, mas que faz do local no qual está um lugar de contemplação. A livraria, trazendo dúvidas nas possibilidades. Depois de folhear vários livros ele comprou um. As possibilidades machucam.
O céu estava carregado, mas ela precisava da sua caminhada. Andar era mais uma terapia mental que física.
Um rabisco de sol inundou a rua molhada, de chuva e de vento. As águas cobrindo a via eram como um rio, um rio raso, sem mistérios, e o seu espelho domava os olhos dele. Seus olhos percorreram a extensão da rua alagada, mas não foi a poesia da chuva contando chuviscos que o prendeu ali. Lorena. Sentada na calçada, numa tarde de chuva, descansava da sua caminhada. Os cotovelos apoiados aos joelhos, e com ambas as mãos controlava o para-chuva. Foi numa levada de vento que ele a reconheceu. Seu rosto se descobriu por alguns segundos, clareando a certeza que ele concebera no olhar. Linda. A chuva continuou tocando o para-chuva que a protegia durante o tempo na calçada. A imagem era uma poesia. Ela continuou sentada e com um sorriso que nega a boca, esperou-o sentar. A chuva que lhes molhava os pés era digna de contemplação e, se houve ali um apego, fora de um dia numa calçada, ele reencontrou Lorena, quando o céu chorava.