sábado, 30 de maio de 2015

UMA SEMANA INTEIRA - POESIA





UMA SEMANA DE ESPERA

E se você chegasse mais cedo
E trouxesse o sorriso
Que a distância escondeu na semana.

E se você chegasse mais cedo
E trouxesse aquele abraço
Que esperei a semana inteira.

E se você chegasse mais cedo
E mais cedo me recitasse Cecília
E mais cedo ainda me ouvisse cantar.

E se você chegasse mais cedo
E trouxesse devagar
Tudo que eu quero em você.
E mais cedo, mais cedo do “cedo’
Cedesse-me teu chegar
E ainda mais cedo do cedo
Assim sem medo

Entendesse meu olhar.





sexta-feira, 22 de maio de 2015

O PRESENTE


Numa das manhãs, à beira de dezembro, no trinta do mês que findava, me arranjei na janela e lancei vista pela ribanceira da rua. Um homem descia com um cachorro. Ambos freando os passos, forçando o corpo, evitando ser engolidos pela descida. Após quinze minutos em espera, um ônibus parou, deixando parte da bunda em meu olhar. A outra parte do veículo ficou escondida atrás de um sobrado. A rua do meu lugar desembocava na avenida onde passavam os ônibus urbanos. Do alto, observei com precisão de olhos os carros estacionando no barracão que recebia a minha rua. Todos os dias a minha mãe me colocava na janela e eu observava cada um que subia, mas as que mais rasgavam a minha atenção eram as pessoas que desciam. Para subir, inclinavam-se para frente. Para descer inclinavam-se para trás. Todos os dias eu lia na fachada do barracão de frente para minha rua: O melhor em tudo. Era o supermercado mais importante da cidade. Abria um canto de riso quando via pessoas descendo do ônibus e subindo a rua. As mãos cheias de sacolas. Um homem de terno puxava uma mala e um desconhecido, com cara de vendedor de loja, trazia no ombro uma bicicleta.  Fechei os olhos para idealizar o meu sonho. Me vi descendo a rua, subindo, descendo com os braços abertos, subindo empurrando, devagar ou depressa, pedalando, sentindo o vento batendo em meu rosto. Querer uma bicicleta me era sonho possível. Impossível me era ter pernas para andar. Quando abri os olhos, o homem com cara de vendedor já havia passado. Onde foi ele com a bicicleta? Perguntei e perguntei. Logo notei: não era o meu ônibus, as pessoas descidas não eram as minhas pessoas, mas era a hora do meu ônibus esperado. Esperei. Nem olhei o relógio para não doer a espera. Havia outros ônibus e o meu pai com certeza chegaria em um deles. Imaginei a minha bicicleta. Queria empiná-la como fazia o filho do meu vizinho. Queria os pedais reluzentes como os pedais do meu primo. Queria mesmo era subir nela e pedalar. Andar o bairro inteiro e conhecer o outro lado da cidade, ir onde os meus primos não podiam ir, brincar na rampa de bicicross.  A tarde já descia quando vi meu pai rompendo a subida. Uma caixa na mão. Era uma bicicleta desmontada? Sem fechar os olhos idealizei a cor; azul metálica. A cada minúcia de chegada, a caixa diminuía de tamanho e o meu sonho diminuía os sonhos. Meu pai entrou com um sorriso que eu nunca consegui medir o tamanho. A minha mãe o abraçou de um jeito que eu nunca entendi a força. Disseram quase em uníssono, com voz entusiasmada:

— Filho, agora você vai poder andar! Conseguimos essas pernas mecânicas para você. 

sábado, 9 de maio de 2015

ESPERAS NÃO VINDAS


Horas esquecidas. Um tanto de momentos rasgou o céu das esperas. As poucas pessoas que ali estavam, despercebiam de mim. Acho que nem eu me via.  No momento cotejava o tamanho dos meus pensamentos.  Nas prateleiras da biblioteca, assuntos paginados que poderiam descontar o vazio, preencher momentos e me colocar no mundo real ou na fantasia da realidade. A manhã era de sol que nasce sem amanhecer e o meu aguardar tinha cor de dia não amanhecido. Livros. Meus olhos conversavam com eles, à distância, sem precisar gritos ou voz de chamada. Como os meus anseios, os livros eram muitos, mas não eram barulhosos como a minha vontade. Os livros eram diversos para minha cabeça de espera única.
Na sala, ao redor de uma mesa redonda, duas vidas quietudiavam: um homem e um livro. Ambos esperavam serem tocados. Para o livro, bastava um estender de mão; para o homem era preciso: um abrir de porta, um levantar de rosto, um olhar de procuras, um pouco de caminhar e, um sorriso de chegada se misturando a um abraço. Já algum tempo, gastava ali os meus dias e sobre os meus dias, as manhãs tardeavam.


sábado, 2 de maio de 2015

SOBRE'VIVER



            Vi. Ver é uma questão do viver. Vi e notei, nos meus olhos, incredulidade. Uma palavra, duas ações e um ato: viver. Vi e Ver são monossílabos, mas, viver é mais que dois sons e muito mais que dois atos. Dois verbos que se ajuntam para dar movimentos à existência. Vi e Ver no imperativo têm sons urgentes: vê-ja. Ver o que Vi é viver no aprendizado de que, apesar das coisas que Vi, preciso Ver o que acontece ao meu redor. Ontem eu Vi coisas que os meus olhos não anseiam mais Ver, mas também Vi casos que dão gosto de Ver.  Hoje eu vi fatos. E ver fatos como esses é uma desconstrução. É como se o momento perdesse a chance de apreciar o instante. O instante que não é já é passado. No Viver sofre-se porque viu, e entedia-se porque vê. Há inconstância no interstício, deslocação humana. Viver é um arrastar de alma, um descompreender do instante, um descambar do espírito, um estar que não está. Tudo é, mas também não é. É no “quando está” que se enxerga de verdade. Vi. Ver é recorte meu. Projeto-me, figuro-me, confecciono-me, me visto das verdades que são minhas, sem Wildiar. No ver está o tudo: a beleza e a feiura. A cor, o tempo, o tamanho, a extensão, a dimensão. O viver alegra-se no que viu e também no que vê. Vi e ver. O passado esbarra no presente, mas é instante. E ninguém é instante sem misturar as estações. A emoção captada ajunta os verbos Vi e Ver para sobreviver no tempo que não espera viver. Vi. Ver foi por acaso. Não estava ali por buscas de olhos, mas por automatismo. Vi. Ver esse tipo de acontecimento é fato deslegal. Meu mundo munda por coisas simples. Se perder no simples é sofistificação, no sofisticado é humildade. Temos os olhos abertos, sentimos o mal dos homens absolvidos pelos olhos da luxúria. A necessidade brota do que vi, do que vejo e o que vou ver. As possibilidades ameaçam o viver. Quem tem olhos fechados quer apenas ver. Sobre’viver. Eu estava ali. Registrando com meus registros castanhos: uma câmera e um espelho, entre os objetos, um homem. Parecia tão pouco o mundo, tão pouco o espelho, tão pouco a câmera, tão pouco o homem. Vi. Ver que uma selfie é a essência de ser visto, não cabe no viver do homem que sobrevive inventando verbos. 

 ♫