sábado, 28 de novembro de 2015

ATÉ QUE A MORTE MORRA E NÃO NOS SEPARE


A chuva fina esbarrava no para-chuva. Protegia a cabeça, mas encharcava os passos da moça. Os pés congelando, o vestido que ela usava não combinava com botas. Descobriu no meio do caminho: sapatilhas são confortáveis, não nos dias frio. Era preciso enfrentar o congelante dia e esperá-lo na estação, chegaria onze horas. Ela imaginou como ele estaria: engordara, emagrecera, estaria mais alto, abriria um sorriso de reencontro? A moça entrou na estação, pensou no Adoniran Barbosa. Encolhendo o guarda-chuva cantou para si mesma: “... Não posso ficar nem mais um minuto sem você”. Ela tinha mãos suadas, olhos de espera e coração ansioso. Os pensamentos foram interrompidos pelo celular. Era a sua mãe ligando para saber os detalhes da chegada dele. Sair, enfrentar o frio para esperá-lo, era tudo que podia fazer para eliminar a ansiedade. Era ela da idade de onze anos quando o conheceu, ficaram logo amigos. A necessidade de acompanhar os seus pais o deixou para trás. O seu pai fora transferido para outro país, clube novo. Ótimo para a sua mãe, que conseguiu trabalho na área de sua formação acadêmica. Bom para ela, que poderia visitar lugares cenográficos e ainda ter acesso aos melhores shows de rock sem ter que viajar quilômetros para isso. Seis meses sem vê-lo aumentavam em grande porção a falta dele. Ela insistiu tanto com os seus pais que eles permitiram o Riki vir morar com eles no apartamento. Nos últimos anos, mudaram tanto de lugar, ficou difícil aceitá-lo como um membro da família. Desde que ela o conheceu, nunca puderam ficar muito tempo juntos, havia sempre uma viagem, um lugar novo para morar. O pai estava encerrando a carreira. Ela não entendia a razão do seu pai trocar tanto de clube. Ele era um grande jogador de futebol. A sua mãe, psicóloga, atendia jogadores com queda de rendimentos. Riki chegaria no metrô das onze. Ela abriu o zíper da sua blusa. Seu corpo era quente, no frio que jorrava ansiedade. O metrô foi passando, os vagões foram passando e passando e passando. Chegou o oitavo. Uma porta abriu e pessoas saltaram como se fossem vomitadas pelo veículo. O poodle abriu um sorriso quando a viu. Ela ficou de joelhos e o pegou no colo, como uma mãe pega um filho. Riki, não sabendo falar, latiu e lambeu o rosto da sua dona.