Elijanique Savil
Quem foi que disse que a
fruta do pecado era a maçã?
Talvez
tenha sido.
A
maçã já teve seus dias de glória. Pode ser que alguém já tenha apreciado o
estranho sabor dessa fruta ao ponto de por ela perder o direito ao paraíso. Mas,
sua temporada de delícias já passou...
É até complicado para nós
definir o prazer que se tem em degustar essa iguaria porque sabemo-lo
inexistente.
Pois é. Para nós é o caqui. A
fruta do nosso pecado.
Recordo com imensa satisfação a
primeira vez em que provamos um...
Eram tempos difíceis. Não
tínhamos as regalias que se tem hoje. Comida bacana, lá em casa, entrava só em
ocasiões festivas. Se o mano fazia aniversário, por exemplo.
Fazia. Como assim?
Esse fazia, no imperfeito
refere-se a uma ação contínua. Algo que se repete constantemente.
E nós apenas mudávamos de idade
numa frequência anual.
Comemoração mesmo de
aniversário, o mano teve uma. A madrinha dele é que bancou a festa e arranjou
os convidados. Três ou quatro casais de amigos (dela) com seus filhinhos
metidos que vieram apenas comer do bolo. Não trouxeram presentes, não cantaram
parabéns, nem cumprimentaram o aniversariante. Não o julgaram digno de sua
simplória atenção. Aqueles pobres bossais nem imaginavam quão importante o mano
seria um dia.
Já era na verdade. Ainda que só
para mim...
A festinha dele teve um bolo
colorido, pintado de super-herói e cinco velinhas azuis. Tudo muito lindo. O
mano ficou feliz, apesar de ser pequeno demais para entender porque as senhoras
chegavam apertando suas bochechas e falando como retardadas com ele.
Presentes ele não ganhou
nenhum, porém a vizinhada veio toda espiar a ostentação da festa em homenagem
ao pobre ‘menino branco’ do bairro. Dia feliz que já vai longe. O mano hoje é
um grande homem.
Não conheci minha madrinha,
então, não tive chance de ganhar uma festa também na infância...
Entretanto, voltando ao nosso
pecado. Naquele dia a mãe ganhou um pequeno aumento de salário da patroa, um
bônus de final de ano e foi correndo comprar mantimento. A ajuda veio bem na
hora! Junto com o mantimento ela trouxe umas frutinhas meio vermelhas, meio
abóboras (ou seriam laranjadas?) na ocasião não sabíamos o nome, mas prendeu
nossa atenção. Mamãe guardou na geladeira.
“Pra amanhã menino. Agora não
que cê já vai jantar”!
Como se minha curiosidade
pudesse esperar.
O mano no meu pé: “pega só um
vai. Nois divide. Só pra espemerentar”! Ele ainda não falava bem essa palavra.
O jeito foi pegar um e, para
saborear o prazer do nosso delito, refugiamo-nos na rua. Aos olhos dos
passantes curiosos, mas protegidos das vistas nervosas da mãe.
Partimos aquela maravilha. A
casca alaranjada (era essa a cor afinal), de tão fina, lembrava uma pele macia,
sensualmente envolvendo aquela polpa carnuda que parecia mesmo chamar tentação. Uma calda muito doce escorrendo
na garganta, temperada pelo desejo de fruir o proibido. O reservado. O quase eternamente escondido.
“Ela trouxe da feira não foi
Quim”? Perguntou o mano. E eu respondi, entre o prazer da degustação e o medo
de ser apanhado em falta. Talvez o mesmo medo que assaltou Adão ao ouvir os
passos do Senhor no jardim do paraíso:
“Não mano. Essa é lá do pato
branco”!
É isso! Se a apropriação
indevida de um bem que nos foi previamente negado é pecado, subtraímos o caqui
indevidamente. Devoramo-lo em segredo e sentimos prazer em fazer isso.
Se a mãe tivesse poder de
expulsar-nos do paraíso, um dia nossos descendentes diriam que a fruta do
pecado é realmente o caqui.
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