Talvez seja silêncio o que vou dizer, não sei descrever
gestos. Ele conversa sem parar. Ouço ruídos, sons onomatopeicos. Para conversar
é preciso fixar vista, para entendê-lo é preciso muitas horas de estudos. Eu
não tenho essas horas. Observo, ele, com um notebook na mão, digita numa velocidade
impossível. Adapto-me à humilhação. No teclado, meus dedos têm a velocidade das
leis do meu país. Ele abre um chat e conversa como gente “normal”, fazendo
gestos e sons. No momento observo uma colega com o telefone no ouvido apontando
a direção de uma casa comercial. Ela também usa sons onomatopeicos e
interjeições na fala. Semelhante, sou silêncio, observação. A colega desliga o
telefone e conversa com ele. A conversa não me interessa. Sou acostumado aos
sons. Volto a ele. Sinto outra vez a humilhação: ele digita num celular, fala
para a câmera no notebook, separa seu material de trabalho, eu, me perco numa
coisa só e preciso repetir várias vezes a leitura do meu texto. Outras pessoas
invadem a sala, conversam com ele. Os sons são poucos. Eu o conheço de outros
tempos, já estivemos ligados num mesmo gosto. Agora somos parte de uma equipe. As
pessoas conversam com ele, é preciso que ele fale, não pode haver invasão de
fala. A conversa só acontece se houver olhos nos gestos. Quando ele fala as
pessoas observam, quando as pessoas falam ele fixa o olhar. Assim, com atenção.
No momento amarroto-me pensando no vazio da pressa dos nossos dias.
Prestaríamos melhor atenção se fôssemos surdo/mudos.
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