sexta-feira, 22 de maio de 2015

O PRESENTE


Numa das manhãs, à beira de dezembro, no trinta do mês que findava, me arranjei na janela e lancei vista pela ribanceira da rua. Um homem descia com um cachorro. Ambos freando os passos, forçando o corpo, evitando ser engolidos pela descida. Após quinze minutos em espera, um ônibus parou, deixando parte da bunda em meu olhar. A outra parte do veículo ficou escondida atrás de um sobrado. A rua do meu lugar desembocava na avenida onde passavam os ônibus urbanos. Do alto, observei com precisão de olhos os carros estacionando no barracão que recebia a minha rua. Todos os dias a minha mãe me colocava na janela e eu observava cada um que subia, mas as que mais rasgavam a minha atenção eram as pessoas que desciam. Para subir, inclinavam-se para frente. Para descer inclinavam-se para trás. Todos os dias eu lia na fachada do barracão de frente para minha rua: O melhor em tudo. Era o supermercado mais importante da cidade. Abria um canto de riso quando via pessoas descendo do ônibus e subindo a rua. As mãos cheias de sacolas. Um homem de terno puxava uma mala e um desconhecido, com cara de vendedor de loja, trazia no ombro uma bicicleta.  Fechei os olhos para idealizar o meu sonho. Me vi descendo a rua, subindo, descendo com os braços abertos, subindo empurrando, devagar ou depressa, pedalando, sentindo o vento batendo em meu rosto. Querer uma bicicleta me era sonho possível. Impossível me era ter pernas para andar. Quando abri os olhos, o homem com cara de vendedor já havia passado. Onde foi ele com a bicicleta? Perguntei e perguntei. Logo notei: não era o meu ônibus, as pessoas descidas não eram as minhas pessoas, mas era a hora do meu ônibus esperado. Esperei. Nem olhei o relógio para não doer a espera. Havia outros ônibus e o meu pai com certeza chegaria em um deles. Imaginei a minha bicicleta. Queria empiná-la como fazia o filho do meu vizinho. Queria os pedais reluzentes como os pedais do meu primo. Queria mesmo era subir nela e pedalar. Andar o bairro inteiro e conhecer o outro lado da cidade, ir onde os meus primos não podiam ir, brincar na rampa de bicicross.  A tarde já descia quando vi meu pai rompendo a subida. Uma caixa na mão. Era uma bicicleta desmontada? Sem fechar os olhos idealizei a cor; azul metálica. A cada minúcia de chegada, a caixa diminuía de tamanho e o meu sonho diminuía os sonhos. Meu pai entrou com um sorriso que eu nunca consegui medir o tamanho. A minha mãe o abraçou de um jeito que eu nunca entendi a força. Disseram quase em uníssono, com voz entusiasmada:

— Filho, agora você vai poder andar! Conseguimos essas pernas mecânicas para você.