As
luzes se acenderam de repente ofuscando os olhos do rapaz. Após a vidraça, havia
um corredor, alguns centímetros acima da janela, um relógio o colocava num
diálogo com o tempo. Lucas esfregou os olhos cheios de luz, deixou que as suas
vistas percorressem o corredor. Além dos vidros, paredes brancas, sobre o
corredor, bancos vazios. Quando alguém despontava em direção ao seu quarto,
desviavam-se para a direita. Cada rosto visto deixava no moço a esperança de
que alguém pudesse abrir a porta, entrar, sentar-se ao seu lado. Após acender
as luzes, a enfermeira recolheu uma bandeja de curativos, checou os ferimentos
do rapaz, apagou as luzes, se foi. Sentado em seu leito, Lucas observou-a
caminhando até ela desaparecer no fim do corredor.
“Talvez seja mais simples esperar
devagar, o tempo já corre tanto”. Pensou o jovem, observando o relógio no alto.
Agulha no braço, exames para fazer,
médicos atentos, o silêncio do hospital. O relógio aumentava a sua ansiedade. O
corredor acrescentava o vazio, mas as janelas abriam-lhe o mundo. Podia ver o
corredor, nele, as possibilidades da vida. Os comprimidos começaram a fazer
efeito, alguns minutos após a enfermeira deixar o quarto. O sono lhe pesava os
pensamentos. Adormeceu.
O corpo imóvel numa máquina, o rapaz
percebeu antes mesmo de abrir os olhos. Um jovem da sua idade o examinava. O
olhar atento, os gestos leves, a fala mansa, anotado no seu crachá: Lucas
Barcellos. A máquina foi engolindo o paciente lentamente para um exame de
tomografia. Curiosamente estava internado no Hospital São Lucas. As
coincidências tomaram conta do jovem paciente, isso lhe alegrou o instante. A
máquina devolveu o rapaz após engoli-lo por cinco minutos. Na parede a sua
frente um relógio. O som era de dois em dois, o ponteiro saltava no tempo
segundo.
O
jovem médico ajeitou suavemente a cabeça do seu paciente. Encaixou a copla do
aparelho de maneira que não lhe apertasse o crânio, checou um computador, antes
de apertar uma tecla, abriu a copla. Ajeitou novamente o paciente, erguendo
milimetricamente no aparelho a cabeça do moço. Olhou o relógio no alto, em seguida
apertou uma tecla. A máquina voltou a engolir o seu paciente. O moço sentia o
ruído do aparelho estalando, acoplado em sua cabeça. Após cinco minutos, quando
o medo já rondava roubando-lhe a respiração, a máquina o trouxe para fora.
“Prontinho Sr. Lucas”! – exclamou o jovem médico. – “Vejo que está tudo bem,
mas os relatórios ficarão prontos após três dias”. Apertou um botão, alguns
minutos depois um enfermeiro veio buscá-lo.
O
relógio. A janela, o corredor. No quarto em que se encontrava agora, não tinha
nada disso. A janela do seu novo quarto dava para um espaço vazio. Podia ver a
grama bem aparada, as janelas do outro pavilhão. Uma enfermeira desfez as
cortinas, checou a mangueira de soro, em seguida o médico veio examinar. O
jovem observou o médico: ele tinha olhos cansados, voz rouca, cabelos
desgrenhados, brancos, comparados a lã. Em suas mãos, muitos papéis. No bolso
do jaleco, do lado direito, uma insígnia prateada revelava o número do CRM, o
nome do velho médico: Dr. Lucas Cellero.
Após apoiar o estetoscópio no moço em vários pontos do tórax, assinou
alguns papéis. Com leitura minuciosa, após ler o último exame, ergueu as
vistas, observou o calendário fixado na parede. Pelo movimento, o paciente
notou que ali havia um calendário. Durante o tempo que ficou ali, o jovem
observou o calendário, passou a contar os seus dias.
De
volta ao seu primeiro quarto, observou os funcionários do hospital: as pessoas
que se iam, olhadas pelas costas, algumas tinham lombos largos, ombros
levantados, caminhavam com passos firmes, de cabeças erguidas. Alguns dos que
andavam em sua direção, mas não entravam por sua porta, eram contrários aos que
iam: tinham ombros caídos, rostos sisudos e passos de quem não quer chegar. O
tempo morria devagar, o calendário apontava isso. Lucas, o paciente, notou isso
enquanto ficara naquele quarto, viu o sol sorrindo, brincando com a grama. Por
vez, desejou ser menino, ir lá pisar naquela grama. “Duas coisas provocam em
nós a vontade de tirar os sapatos, pisar descalço: um chão bem limpo e uma
grama bem aparada”. Refletiu. “Isso não é mais possível quando a gente cresce.
Somos um calendário, no qual guardamos o tempo, marcamos nossos barulhos e
silêncios”. Ponderou o jovem acamado.
No
lençol azul estava escrito, na cor verde, Hospital São Lucas. Quis o rapaz
entender qual a razão da maioria dos hospitais terem nomes de santos. Seria uma
proteção aos que nasciam, ou um encaminhamento para o céu por meio do santo
escolhido? O rapaz percebeu: estava em um hospital particular. Sozinho num
quarto. Do lado de fora, a ausência de pessoas. Os médicos também eram mais
pacientes, as enfermeiras ouviam até o final da frase, sem interromper. A sua
mente clareou quando os medicamentos tomaram posse do seu corpo. Lucas recobrou
a memória. Lembrando aos poucos do acidente que o levou ali. Pensou na
repetição dos homens com nomes iguais. Enquanto andava com seu Skate, fora
atropelado na rua da sua casa por Lucas Benitez, quase foi a óbito devido a
gravidade do acidente. Indo parar ali no hospital São Lucas, fora atendido por
Lucas Barcellos, o técnico de Raio-X. Sobre os cuidados médicos do Dr. Lucas
Cellero, ficou internado por vários dias. Por temer a morte que ameaçava
mostrar-lhe o além, o paciente Lucas leu o Evangelho de Lucas, com medo de
queimar no inferno por toda a eternidade.
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