sexta-feira, 24 de junho de 2016

A VIDA É UMA TRAVESSIA



... Chega um tempo em que a gente faz parte de alguma coisa; de algum instante; de algum momento; de alguma alegria; de alguma tristeza; de algum sorriso; de algum abraço; de algum aperto de mão; de alguma razão.
... E chega um tempo em que alguma coisa, algum instante, algum momento, alguma alegria, alguma tristeza, algum sorriso, algum abraço, algum aperto de mão, alguma razão, faz parte da gente.
... Chega um tempo em que a gente quer correr sem rumo; fazer perguntas sem precisar de respostas; responder sem ser necessário perguntas; não perguntar; não responder; mas ter interesse na explicação.
... E chega um tempo em que não queremos explicar nada; nem entender o que pecisa ser explicado.
... Chega um tempo em que ansiamos ser grandes, porque nos cansamos de ser meninos; chega um tempo em que desejamos ser meninos, porque nos cansamos de ser grandes; chega um tempo em que persistimos no médio, porque menino ou adulto, tanto faz.
... Chega um tempo em que fazemos parte do tempo, apenas porque não podemos escolher; nem desviar  da escolha do tempo.
... Chega um tempo em que precisamos ser tudo, mas fazer parte apenas do que vale a pena.




terça-feira, 21 de junho de 2016

O 3º OUTRO



Quando vi o relógio dentro da caixa no balcão de vidro, escapou de mim um “é esse”. O primeiro impacto me levou a um desejo antigo: era desse que eu precisava. Quanto sonhei com uma relíquia daquela no pulso direito. Observei o preço. Analisei as formas de pagamentos. Contei meus trocados. Os valores se equivaliam.
Olhei o mostrador, o pino para dar corda, a pulseira, o fecho, os ponteiros. Meu coração era de um menino recebendo a primeira bicicleta. Sim, será esse! As formas de pagamentos também eram instigantes. Poderia pagar com cheques, com cartão de créditos, mas optei por cédulas. A atendente observou o meu gosto antigo e lançou-me um sorriso de selfie. O desdém da atendente jogou luz nos meus desejos. Pensei em como abandonar um sonho antigo. Foi com esse pensar que descobri os Outros que há em mim.
O primeiro Outro queria o relógio antigo porque era sonho de criança.
O meu avô ostentava com brandura a relíquia comprada em uma das suas viagens, que ele dizia, ter feito na Suíça.  Já o meu pai adquiriu a sua relíquia na 25 de março. Como o meu avô, o meu pai adorava dizer as horas. E quando ninguém perguntava, dizia: é um relógio caríssimo, mas costuma atrasar as horas.
O segundo Outro, desejava o relógio antigo para o pai.
O presentearia no seu aniversário: vinte e cinco de dezembro. Quem sabe o velho sentirá orgulho dos meus negócios e não mais me culpará pelo sumiço do seu relógio.
O terceiro Outro, entrou na loja seduzido pelas propagandas.



quinta-feira, 9 de junho de 2016

ENQUANTO O AVIÃO CAÍA

  
Joaquim. Há tempos não encontrava um. E mais tempo ainda não ouvia esse nome. Na conversa dos nossos cotovelos restava apenas ser singular no imenso mínimo de uma poltrona. Queria sobrar para contar isso numa crônica, amo as crônicas. Postar um Twitter, poucas palavras, contando a insegurança das nádegas ouvindo o trovoar do estômago. Desejei, foi desejo mesmo, tirar uma foto da unha do mindinho do pé direito, postar, Instagram, Facebook, qualquer rede. Era preciso levantar a perna da calça, tirar o sapato, a meia, e o band-aid colocado para não danificar as importantes letras iniciais do nome de um artista. Gravadas com muito amor na mindinha do meu pé. Estendi a mão. Quase um contorcionista. Alcancei o celular. Observei. Ninguém olhava. Nem o Joaquim.
Larguei mão da ideia da foto.
O Joaquim mudou meu pensar.
O homem havia trançado a barba e retirado do casaco um terço. Observou minha cara de foto para o Facebook, respirou fundo, profundo, bem fundo. Tirou da bolsa menor uma bíblia, e do bolso menor da bolsa menor, um frasco contendo água de Israel, rio Jordão. E do bolso minúsculo do bolso menor da bolsa pequena, um jesuscristinho. Joaquim me pediu a mão. Fiz-lhe um sinal de espera e peguei o meu Buda. Joaquim olhou a pequena estátua dourada, arregalou os olhos e ajuntou ao peito o seu jesuscristinho. Respirou fundo, profundo, bem fundo. Joaquim era um homem enorme. Alto, corpanzudo, mãos grandes. Minhas mãos são pequenas e meu corpo, no ar quem se importava com o peso, a aeronave preparava para nós uma chegada unificada.
Rezando em todas as fé, em todas as religiões, invocando os santos da Bahia, a minha mão se escondia na mão dele. Alguns davam gritos, nós dávamos as mãos. Ele beijou o jesuscristinho e o colocou para o meu beijo. Eu beijei o Buda, ele também. Dividimos o frasco da água do Jordão. Os solavancos, horripilantes. O medo de perder o Buda e o jesuscristinho era maior que o de tocar a terra.
O impacto foi aterrorizante.
Alguns segundos entre corpos, bolsas, travesseiros e poltronas soltas. Nossos bancos permaneceram intactos. Joaquim rezava. Estávamos vivos. Ele perdeu o jesuscristinho. Eu encontrei o meu Buda, mas perdi o celular. Fiquei sem Selfies, mas amo as crônicas.