quinta-feira, 9 de junho de 2016

ENQUANTO O AVIÃO CAÍA

  
Joaquim. Há tempos não encontrava um. E mais tempo ainda não ouvia esse nome. Na conversa dos nossos cotovelos restava apenas ser singular no imenso mínimo de uma poltrona. Queria sobrar para contar isso numa crônica, amo as crônicas. Postar um Twitter, poucas palavras, contando a insegurança das nádegas ouvindo o trovoar do estômago. Desejei, foi desejo mesmo, tirar uma foto da unha do mindinho do pé direito, postar, Instagram, Facebook, qualquer rede. Era preciso levantar a perna da calça, tirar o sapato, a meia, e o band-aid colocado para não danificar as importantes letras iniciais do nome de um artista. Gravadas com muito amor na mindinha do meu pé. Estendi a mão. Quase um contorcionista. Alcancei o celular. Observei. Ninguém olhava. Nem o Joaquim.
Larguei mão da ideia da foto.
O Joaquim mudou meu pensar.
O homem havia trançado a barba e retirado do casaco um terço. Observou minha cara de foto para o Facebook, respirou fundo, profundo, bem fundo. Tirou da bolsa menor uma bíblia, e do bolso menor da bolsa menor, um frasco contendo água de Israel, rio Jordão. E do bolso minúsculo do bolso menor da bolsa pequena, um jesuscristinho. Joaquim me pediu a mão. Fiz-lhe um sinal de espera e peguei o meu Buda. Joaquim olhou a pequena estátua dourada, arregalou os olhos e ajuntou ao peito o seu jesuscristinho. Respirou fundo, profundo, bem fundo. Joaquim era um homem enorme. Alto, corpanzudo, mãos grandes. Minhas mãos são pequenas e meu corpo, no ar quem se importava com o peso, a aeronave preparava para nós uma chegada unificada.
Rezando em todas as fé, em todas as religiões, invocando os santos da Bahia, a minha mão se escondia na mão dele. Alguns davam gritos, nós dávamos as mãos. Ele beijou o jesuscristinho e o colocou para o meu beijo. Eu beijei o Buda, ele também. Dividimos o frasco da água do Jordão. Os solavancos, horripilantes. O medo de perder o Buda e o jesuscristinho era maior que o de tocar a terra.
O impacto foi aterrorizante.
Alguns segundos entre corpos, bolsas, travesseiros e poltronas soltas. Nossos bancos permaneceram intactos. Joaquim rezava. Estávamos vivos. Ele perdeu o jesuscristinho. Eu encontrei o meu Buda, mas perdi o celular. Fiquei sem Selfies, mas amo as crônicas.