sexta-feira, 30 de junho de 2017

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Lá onde o tempo fica só
e o silêncio conversa com a solidão
É
Lá onde o diálogo é um riso
e os gestos rabiscam o coração
É
Lá onde a pressa possui calma
e a correria não tem condução
É
Lá onde o medo é coragem
e a força despenca rumo ao chão
É
Lá onde um ‘lá’ é infinito
e um para sempre é uma simples razão
É
Lá onde o efêmero é uma sílaba
e o ritmo é um corpo sem ação
É
Lá onde dança a vida
e o Sim deseja ser um Não

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domingo, 18 de junho de 2017

A DATA DE VIVER


Um dia a gente sabe da gente, e não diz nada;
O muito saber, o pouco saber, o que são fatos.

Um dia conhecemos a gente, e não falamos nada;
Ser quando ou ser agora, ou ser depois. O que importa é o ato.

Um dia conversamos com a gente, e não proferimos nada;
O tempo, o momento, o que são os gestos.
Mesmo nos dias em que se aplaudem as metades, há pessoas se dando por inteiras; os gestos viram atitudes, as atitudes viram hábitos e os hábitos viram viver.

Um dia nos contemplamos diante dos espelhos, no outro, nos encontramos nas vitrines. A gente troca os espelhos, se apega aos retrovisores. Troca os silêncios, muda o vocabulário, conserta as palavras, enfim, a gente muda. Troca de lugar, troca até de sentimentos;

Um dia estamos indo e no mesmo estamos voltando;
Ir e vir, se desapegar dos momentos. Estar é nunca saber-se compreender. Estando já é mover-se, mesmo que seja rumo ao nada.

Um dia esperamos nos encontrar, um dia a gente se encontra, um dia a gente é encontro, no outro é simplesmente “um dia”.
Um dia passamos pela gente e nem sequer olhamos, apressados, não olhamos nada. O coração anda devagar em tempos de corpos apressados;

Um dia a gente sente falta da gente. E sentamos com a gente, e despejamos tudo, e gritamos alto, e até chutamos nossas barracas.

Um dia queremos só a gente, da forma como somos.

Um dia queremos ser tudo, para preencher o nada, enquanto se é tudo.



sexta-feira, 9 de junho de 2017

PARA QUE SERVEM AS PORTAS?


Observar uma porta nos eventos é interessantíssimo. A cada dia me convenço mais de que a maioria das pessoas não sabem porque vão, e quando chegam não sabem porque estão, e se estão, não se conectam ao evento.
Gosto dos que entram pela porta com o objetivo de sentar para ouvir. Esses chegam sem questionar com os olhos. De cabeças eretas, como quem sabe o que fazer, entram e pronto. Discretamente se instalam. Não mastigam, nem tossem. Não mexem no celular, nem perguntam se já começou.
Intrigam-me os que invadem a porta, levantam as cabeças, lançam vistas panorâmicas. Observam como quem procura alguém e desaparecem. Vejo a porta vazia, pergunto-me se os olhos delas me alcançaram. Componho as minhas próprias respostas: no instante em que estou num lugar sou parte do lugar, metade, parte inteira ou uma finura de mim. Defino: não fui visto. O olhar demorou o tempo de um silêncio.
Há os que adentram a porta apenas com a cabeça. Seus corpos não atravessam a passagem. Penso que eles sentem vergonha da cabeça que carregam. E também pode ser que a cabeça, pensa o mesmo dos seus corpos. O fato é que eles entram (apenas a cabeça com o máximo-mínimo do pescoço), roda o olhar, roda o olhar, roda e, desaparecem.
Gosto das portas nos eventos. Gosto dos eventos. Mas estranho os que entram e não sabem porque entraram.



sábado, 3 de junho de 2017

O ONTEM VIVO HOJE


É bizarro sentir a falta do que passou, ou do instante chamado “ainda há pouco”. A frase: “era feliz e não sabia” é apenas uma fuga dos momentos que fazem do “agora” uma certeza. A gente corre tanto. Inveja tanto. É difamado tanto.  E tanto também é mal interpretado. Ninguém tem paciência de compreender o outro, de olhar o outro, de escutar o outro, ou até mesmo ser o outro. Mas vive intensamente incomodado com o outro. Ele tem, ele possui, ele é feliz, ele é triste, ele é trabalhador, ele é preguiçoso, ele é corrupto, ele é artista: bom, ruim, médio. O outro é. É sempre o outro. O “É” é tão mínimo que não dá ao outro o direito de “será”.
Não cabe dizer. Tudo bem, até existiu felicidade num “era feliz e não sabia”, mas   onde? Em qual silêncio podemos encaixar um: “porra, sofri pra caralho”!? Se naquele tempo estávamos como estamos agora: fugindo da infelicidade e da dor.          
Olhando o passado. Lá tudo é tão bonito.
A gente ria. Sentávamos no chão e ríamos. Quando voltávamos para casa, a televisão machucava nossa dor. Jogávamos bola de meia. Comprávamos fitas cassete, usávamos roupas simples. A comida era simples (quando tinha), quando chegávamos em casa a televisão alfinetava nossa existência.
Não sei o que faz pensar que tudo ontem era melhor que hoje. A gente busca tanto, espera tanto, anseia demasiadamente por um futuro melhor que atropelamos o “agora”, e não sentimos. Até para ser feliz é doído. A felicidade incomoda. Dizem que “Até na tristeza o inimigo se compadece, difícil é suportar a alegria do outro”.
Talvez hoje, estamos marcando o tempo. Nunca tiramos tantas fotos, como também nunca esquecemos de olhá-las alguns dias depois, ou alguns dias nunca. As músicas passam tão rápido. As amizades passam tão rápido. E assim são os sorrisos, os amores e as verdades. Não se concertam aparelhos, não se concertam relacionamentos. E o mais imenso, não se concertam conceitos.
Não creio que “ontem as coisas eram melhores que hoje”. Eu não tenho mais o ontem, eu tenho o agora. E é nesse agora que me estabeleço para dizer: porra, viver dói pra caralho! O ontem possui a mesma beleza que busco encontrar hoje. Estou escavando sem parar o agora, para não observar o É dos outros.