sexta-feira, 26 de abril de 2013

FLORES LINDAS DIZEM NÃO.


O Tarcisio observou a Juliana, certo de que ela o estava paquerando. Passaram o dia inteiro juntos numa conferência. Os cabelos compridos e negros se espalhavam sobre os ombros. “Cabelos negros e compridos prendem a atenção dos homens”, pensou o rapaz. A moça sorria de tudo e para tudo. Espontânea, atenciosa, às vezes forte, às vezes meiga – meiguice não é romantismo, mas ela se intitulava romântica – gentil e de poucos gestos quando conversava. Quando falava, explicava com os olhos. Fazia das cantadas que recebia piadas e, com seu jeito cativante, por onde passava, irradiava alegria.
Tarcisio, dono de um site e rapaz de destaque na mídia municipal, não se achava bonito, e sim um Absalão[1] latino. Quase todas as amigas da Juliana – pelo menos pensava – o olhavam com o olhar da mulher de Potifar[2] devorando José.
Quando a música parou, Tarcisio percebeu que a festa terminara, que a noite estava avançada e que a Juliana estava indo embora – e sozinha. Apressou-se em acompanhá-la. Ela estava linda e ele, certo de que podia rolar um sentimento, tomou posse dos caminhos dela.
A segunda-feira doía quando Tarcisio chegou ao trabalho. Ele ainda pensava no passe que tomou da Juliana quando entrou no seu escritório e notou que as suas camélias estavam novamente perto da janela. Para ele, deviam estar no cantinho, com o galhinho apontando às paredes. Não gostou e chamou a dona Zulmira.
— Por que a senhora todos os dias coloca as camélias perto das janelas? – Ela sorriu vendo que ele estava nervoso.
— É que no canto elas murcham. – Ela sorriu. Ele, surpreso, refletiu.
— Até as flores dizem não. – Por fim, disse. Fazendo um sinal positivo à funcionária. “Essas flores”! – Proferiu em seu íntimo. Pensou na Juliana. Depois de muito pensar, descobriu que uma mulher como ela, comunicativa, carismática e com um bom senso de humor, não era vulgar, era como as flores. Flores lindas dizem não. Pensou no passe que tomou. Em seguida abriu o computador e começou a selecionar a próxima da lista, afinal, era ele, um Absalão latino.



[1] Absalão: a bíblia diz em 2Sm 14,25. Era o homem mais bonito de Israel.
[2] Potifar: Gn 39,7

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A MICROSOFT E EU


 Um dia, quando voltava para casa, pensei na minha caixa de email. No caminho, justo naquele dia, pensei nos avisos que a Microsoft emitia alertando para esvaziar a caixa de email. Nem dei bola. Tinha coisas importantes guardadas lá, incluindo os nomes que nunca me procuraram. Nunca tive coragem de excluí-los. Sempre que pensava fazer, vinha uma indagação: e se um dia você precisar deles? Então eu desistia. Vários nomes, mais de cem, mas apenas quatro às vezes deixavam um recado. Alguns contatos profissionais: me esforço para mantê-los. A vida é cheia de graça, mas qual a graça em tudo isso? Passaram-se vários anos e os nomes continuaram lá, provocando uma atitude minha.
No caminho, fiz um breve balanço da minha vida nos últimos anos. Penso que todos possuem uma caixa de email com contatos desconhecidos. Deles vêm coisas que não nos servem. Quantas pessoas passaram por mim e hoje nem sei mais por onde andam. A vida e seus ciclos! A vida e suas fases! No tempo de cada coisa, uma forma de amizade. Meus amigos músicos não conheceram meus colegas atletas marciais. Hoje eu voltei aos livros. A vida e suas fases.  E seus ciclos!
Tornou-se dependência abrir a caixa de email três ou mais vezes por dia esperando um recado. Na maioria das vezes, dois vazios, o da caixa e o do meu eu.
No dia em que mais ansiava abri-la, encontrei excluída a minha conta. Susto. Revolta. Desespero. Fiz o que pude para recuperá-la até perceber que precisava mesmo era de uma conta nova. A Microsoft tomou por mim a decisão. Quando deixamos que o outro tome por nós as decisões, corremos o risco de perder coisas importantes. Recomeçar. Não tive escolhas. Recomeçar, ainda que doam os recomeços. A Microsoft não pensou nisso quando apagou a minha conta, mas me ensinou que, dos muitos nomes presentes naquela lista, poucos eram os presentes. Amigos só na palavra amigo. Como a Microsoft e eu, simplesmente.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

TORRE DE BABEL


             O homem mediu o terreno. Riscou, rabiscou e, virando o papel ao contrário, fez dois riscos cruzados. Esticou os braços e, com uma afastada vista, certificou-se do X. Sorriu. Amassou o papel e atirou-o longe. Depois que ele se afastou veio outro homem, mais moço que o primeiro. Mediu novamente o terreno. Riscou e riscou. Rabiscou um pedaço de papel, observou-o de todos os ângulos. Sacudiu a cabeça em sinal de reproche. Amassou as pequenas folhas e arremessou-as longe. Um menino que perto estava desamassou-as. Olhou, olhou, olhou. Sorriu. Um riso sarcástico. Meneou a cabeça em sinal de desaprovação e, quando estava para arremessar os manuscritos, notou que passava uma mulher. O menino fez vários acenos antes de entregar-lhe os papéis. A mulher observou o terreno, comparando os escritos. Sorriu e, com os movimentos de quem copia números da TV, leu os rabiscos e observou a base da construção em processo inicial. A mulher sorriu. Quando chegou a casa mostrou os papéis ao marido, que depois de conferir os rabiscos, saiu às pressas para o local. Meia hora depois estava de volta. Trancou-se em seu escritório e só saiu quando o dia já beirava a noite. Tinha ele um riso nos lábios e papéis novos nas mãos.
O homem, engenheiro requisitado e de currículo invejável, mediu o terreno. Certo de que estava tudo em ordem, checou o material de trabalho. Podia começar a obra? O menino, sorrindo, achou que estava muito cedo e que o pai era muito apressado. O moço, irmão do engenheiro, disse que precisava rever os projetos; uma obra daquelas carecia de um bom planejamento, mas não fora consultado para ajudar com os desenhos. A mulher, calada, mas que antes importunava o marido, não gostou de ver seus canteiros de flores fora do projeto. O engenheiro considerou a opinião de todos, mas no final faltaram-lhe as certezas. Quando as dúvidas esvaíram-se, começaram as chuvas. Quando as chuvas cessaram, faltaram os operários.
O engenheiro concluiu a obra. Para ele a dificuldade da Torre de Babel não começou no meio da obra. A dificuldade da língua existia dentro deles. O desentendimento foi um processo, a fala, o resultado. Cansado, ele concluiu a construção. Falando a mesma língua, mas não a mesma fala.




domingo, 14 de abril de 2013

VALORIZE O QUE É SEU




           A forma como dizemos implica muito no resultado de um bom diálogo. Mas o que é um bom diálogo? É quando o que eu digo provoca mudanças no comportamento das pessoas? Entender assim também possa parecer certo, já que há muitas formas de se dizer as coisas e, eu posso estar redondamente errado, falando o que é certo, num momento errado. Isso fará uma verdade não ser verdade. A verdade possui o seu próprio tempo para existir e, forçar o tempo dela, é nada mais que navegar numa opinião, pois, apreciar a "beleza" é uma expressão de opinião. 

VALORIZE O QUE É SEU

         O dono de um pequeno comércio, amigo do poeta Olavo Bilac, abordou-o na rua e perguntou-lhe:

— Senhor Bilac, preciso vender o meu sítio, aquele que o senhor conhece tão bem, será que poderia redigir um anúncio para o jornal?
         Bilac então escreveu:
“Vende-se encantadora propriedade, onde cantam os pássaros ao amanhecer no extenso arvoredo, cortada por cristalinas e marejantes águas de um ribeirão. A casa banhada pelo sol nascente oferece a sombra tranqüila das tardes na varanda.”

         Meses depois o poeta voltou a encontrar o homem e perguntou se ele havia vendido o sítio.
Ao que respondeu.
— Nem pensei mais nisso. Quando li o anúncio percebi a maravilha que eu tinha. 

* Esse texto "valorize o que é seu" é um fragmento extraído da internet, o qual o autor ainda é desconhecido.