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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

POR QUE TEMOS UM NOME?


            .
A igreja estava quase cheia. A expectativa dos presentes, como de costume.

— Qual é nome do garotão? O padre indagou apontando um jarro com água em direção à cabeça do menino nos braços de uma jovem mulher.
O homem do lado tentou responder, deu branco. A mulher com a criança no colo insinuou uma palavra, mas se escondeu na insegurança. Era um batismo, não uma competição do soletrando.

— IVAGGNNOR! Adiantou-se a mãe dizendo, percebendo o embaraço dos envolvidos. – IVAGGNNOR! Disse com o orgulho de quem cria uma coisa nova. Nem Thomas Edison quando inventou o Fonógrafo teve a mesma expressão.
O padre recolheu a mão que ameaçava despejar a água quando ouviu. Suspirou. Estava quase acostumando com a nova geração. Ele conheceu a geração dos “Josés” e dos “Joões.” Nomes têm momentos.  Os dias de hoje, seria Neymar? A mídia não registra nem batiza, mas influencia na criatividade. O sacerdote se guardou num silêncio quase budista. A igreja entendeu. Gosto não se discute, nem se interfere.
— O nome? Disse depois de voltar a si.
— Sim. É IVAGGNNOR. – Respirou. – É: I... V... A... dois “Gês mudos,” dois enes, um ô e um erre no final. Soletrou. Explicou as letras e comentou. Queria um nome diferente para o filho.
O pai cerrou os olhos. Coçou a orelha direita, quis se esconder, mas amava a esposa. Estava feliz por ser pai, suportou a vergonha.
Juramar, o pai, pensou no outro dia. Um ontem cheio de invariáveis. Vinha de uma grande família de nomes estranhos. Tinha uma resposta convincente quando questionado: “Coisas do meu Pai!” Entristeceu quando lembrou o nome dos seus irmãos: Jumairzo, Jumerzildo, Jumirnaldo e sua irmã, Jumaríndia. Todos deram um pitaco para o nome do seu filho. “Ta difícil! Ontem o cartório que recusou esse nome, agora também o padre?” Questionou em sua alma.
O padre entendeu a situação do pai e, como estava acostumado com o ofício, entornou o jarro que estava em suas mãos. A criança começou a chorar e esperneando bateu com o pequeno pé no jarro. Acho que não recusando a água, mas o nome. Criança não pensa, mas se pudesse escolher o próprio nome, diminuiria o Bullying na escola quando crescido. A água espalhou molhando os pés do padre. A mãe envergonhou-se pela água derramada e pela incompreensão de um nome tão bonito. “Gosto é gosto, e para mim, opinião é uma questão de opinião”, disse a mãe num sussurro ameaçador à madrinha, que sorriu concordando. Para não haver transtorno, decidiu chamar o afilhado de Vaguinho.
— Chora não, Vaguinho! – Disse a madrinha erguendo o menino no alto.
O pai ouviu. O pai gostou. O padre ouviu e gostou. A mãe, não. Mas a criança parou de chorar. Coincidência? Não é coisa boa ser um humano. Tudo é escolhido por outros. Um homem escolhe uma mulher ou uma mulher escolhe um homem. Ambos escolhem um momento, que escolhem um lugar. Como a paixão nos dias de hoje brota das cinturas, uma criança que não escolhe nada, nasce depois de um tempo. O seu nome? É escolhido por alguém. A comida, a cama, as roupas, as diversões, os brinquedos? A escola, as matérias, os colegas? Escolhidos por alguém.
Posso assistir a um filme que não é escolhido por alguém? Alguém escolheu fazer um filme e escolheu o tempo para passar esse filme. Depois que nos tornamos adultos ainda vêm os políticos e escolhem por nós as leis que nos...
O batismo fora interrompido por alguns instantes. O Menino era Ivaggnnor, mas ganhara um bom apelido: Vaguinho. Parecia nome de jogador de futebol ou nome de cantor de pagode. Parecia o nome mais certo para o momento.

Volta à cerimônia.

— Por que esse nome?
— Achei bonito.
— Você gosta do seu filho?
— Padre, eu sou a mãe.
— Eu sei.

Silêncio. A cerimônia ganhou ares estranhos.

— Como é o seu nome?
— Jessica.
— Penso nas crianças de hoje. – O padre seguiu com a Homilia. – Os pais não se preocupam com os nomes dos filhos. Acho que é porque também não pensam no futuro deles. Assim como têm criatividade em ajuntar letras para compor um nome, também são criativos para fugir das responsabilidades.
O padre disse. Ele e somente ele podia dizer. O nome era estranho, mas se não batizasse o garoto, o quê iriam dizer do padre Astrogésilo Freitas?  Padre Freitas estava ali para rezar a missa e fazer batismos, não para questionar os nomes. 


sexta-feira, 10 de agosto de 2012


DIAZANDO

            Tem dias que os dias se perdem, diazando. Fica vazio, fica cheio, e monótono, fica estranho. O time não ganha, a TV não agrada e a paciência? A paciência procura ter paciência para aguentar...
            Notícias de políticos, políticos nas notícias. Som que parece música, música que parece som. Gente que fala a verdade, gente que de verdade não fala. Verdades que não interessam, pois só pertencem a quem as diz. Pessoas que não amam a pátria e, cá para mim, pessoas que a pátria não ama.
Somos iguais no currículo da vida. Nascemos para vinte e quatro horas.
Não culpo os dias, nem a sua extensão. Ao meu gosto ou não, eles seguem diazando. Passam por mim como passam os carros... As pessoas... As dores... Mas ficam também como ficam as pessoas, as dores, as lutas e as circunstâncias.
Foram estabelecidas vinte e quatro horas para viver. Somos a soma do tempo. O meu coração é depósito dos meus olhos. Onde deito o meu olhar?
No meu time que não ganha?
Nas notícias de políticos? Nos políticos nas notícias?
Nos cantores que parecem cantar, nos cantores que cantam, mas não parece?
Na arte que perdeu a arte, na arte que virou um corpo?
Na arte que é arte, mas que se esconde nos templos de burguês?

Enquanto os dias vão diazando, eu quero a essência da beleza do impressionismo de Monet. As cores da vida impressas nos sorrisos e a sinceridade ética impressionando o viver. Meus sentimentos, depósito dos meus ouvidos, ponderar me fazem.
O quê invoca o meu ouvir?
Onde descanso o meu sentir?
Na música que parece som?
No som que parece música?
No que dizem que é bom, no que é bom, mas não dizem?
Nos vendavais da religião, na religião de vendavais?
Na ruptura, na estrutura, na leitura, nas várias faces da lei?

O que dirão os que não ouviram seus pais?
Os sonhos já não sonham mais?
Os dias que amanheceram, não amanhecem mais?

Tem dias que os dias são normais, diazando. O estranho sou eu questionando. Passo por mim passeando. As coisas estão fora do lugar, não aquelas que funcionam no corpo, mas as que os olhos e os ouvidos insistem em depositar.
Pessoas sem consciência fazem o que pensam sem pensar.
Pensam que pensam, mas não pensam no pensar. Alguém já disse: “quando todos pensam iguais é sinal que ninguém está pensando”.
A TV insiste em mudar meu pensar. Se fico muito perto, penso como eles que insistem em dizer: Esse artista é legal, diz o que pensa. Pensou o quê? Diante de quem não tem conteúdo a culpa é sempre de quem não pensa nada e se satisfaz com minúcias.
Quando pensarem, simplesmente pensem: eu existo.





quinta-feira, 9 de agosto de 2012



JESUS E A MULTIDÃO DOS QUE NÃO VIRAM.





            Com demasiada calma, o homem ocupou o espaço que sobrara no meio dos homens. Entre o grupo, uma bíblia aberta. Alguém tinha um violão. Alguém cantou e tocou tão bem que choraram diante dele. O grupo seguia o evangelho e fazia daquela praça a sua “Ágora.” O homem certificou-se do tema. Correu os olhos pela roda de amigos e voltou a concentrar no que diziam. Quando alguém tomava a palavra ele ouvia atentamente, como se, além de ouvir, lesse por dentro aquele que dizia.

            “Se Jesus participasse dos nossos cultos hoje, renderíamos reverências?”
           
Cinco jovens. “Cada um traz a expressão de algum apóstolo”, o homem pensou. Outros que passavam por ali se encantaram com os moços que se reuniam em uma praça a fim de discutir o evangelho. O homem amou os jovens que faziam dos seus movimentos uma cadeira de balanço. 
            O homem viu Pedro quando um moço se levantou para defender a sua tese. Ao final da fala daquele, levantou outro jovem e deu sequência ao discurso. A fala mansa, envolvente e com palavras que acalmavam o coração. O homem viu João. Não o velho, mas um João novo. Ao contrário do primeiro rapaz, que discursou com palavras desencontradas, mas que dava destino ao coração.
“Pedro andou sobre as águas, teve impulso, explodiu, foi adiante, errou muito, mas arriscou-se mais”. – Refletiu. No impulso ele cortou uma orelha, contestando o evangelho que vem pelo ouvir, e ouvir a palavra de Deus. Jesus com bondade a colocou no lugar. O guarda não só ganhou a orelha de volta, recebeu também o toque das mãos do Senhor. O homem sorriu ao refletir: foi o discípulo que viu Jesus transfigurado e aquele que ouviu do próprio Deus:
— Esse é o meu filho amado em quem me comprazo, escutai-o.
Penso que Pedro não queria que outros ouvissem. Qual a função das orelhas? – Indagou depois de refletir.
 Penso que Jesus ainda cola orelhas cortadas por Pedros desavisados que, na pressa das palavras, impedem a verdade de se fazer válida.
O homem sorriu das suas deduções.

            Uma moça, que não conhecia muitos acordes, no intervalo da fala fez o violão acender o coração do homem, que ouviu atentamente a voz da jovem. “Houve uma mulher que usou os cabelos para enxugar os pés de Jesus, essa aí usa uma voz sem recursos, mas que limpa o coração”, cogitou o homem em seu íntimo.

            Outra fala, outro moço, outro nível no discurso. Aquele que veio depois estava preparado para a homilia daquele momento. Passou dias, gastou noites, devorou livros, fez pesquisas, se preparou. Seu falar tinha coerência. Seu discurso, poesia e riqueza. Os detalhes prendiam a atenção do homem. Atento como a um menino ouvindo a história do pai, pensou em Paulo, que havia visitado o terceiro céu, mas porque era humano não pôde ficar lá por muito tempo. A santidade esbarra o tempo todo na comunhão. Moisés ficou um grande tempo na presença de Deus. Esse tempo perdeu a essência quando, ao descer, um bezerro de ouro lhe saltou aos olhos. Um bezerro de... Ouro nos templos, sinal de unção. Outro tempo é outro tempo.
            O homem quis falar. Parabenizá-los por tal atitude. Felicitá-los pelo conhecimento de Deus e pelo esforço das suas mensagens, afinal, estavam engrandecendo o ensino de Jesus. “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome ali estarei”. Queria dizer algumas palavras que lhes abrissem a mente, não pôde. O assunto era intelectual, e espiritual, não permitia conversa de quem chegava para mudar o discurso com perguntas. Por que temos mais respostas que perguntas?
Olhai os lírios do campo, eles não trabalham nem fiam, mas nem Salomão que recebeu das mãos de Deus tamanha sabedoria possuiu a grandeza de um lírio. O homem fitou os céus, reverenciou o senhor Deus. Olhou as pessoas e amou-as. Observou os campos e se encantou com os lírios. Os Humanos olham o céu e se encantam com o Senhor. Olham as pessoas e sentem-se ungidos. Olham os lírios e se encantam consigo mesmos, por verem os lírios.
O homem se lembrou do caminho de Emaús. Os fatos já são uma resposta. As indagações nos levam ao processo dos fatos. Dois homens caminharam com Jesus. Tristeza demais ou alegria em abundância ofuscam a luz, enfraquecem a visão.

            O homem ficou maravilhado com a programação. Todos ali se abraçavam e ele tendo os braços abertos não pôde abraçar. Eles estavam felizes com o evento. Deus tinha abençoado, ninguém errou a música, nem o discurso.
A plateia aplaudiu.
Ninguém se converteu.
            O homem já se afastava quando a moça lhe puxou o braço. Clamou uma volta e revelou que não sabia cantar nem tocar e que a sua vontade era a de se parecer com Jesus, que assim ela pregaria sem palavras. O homem sorriu e afagou a nova convertida. Alguém começou a tocar e a moça se dispôs a dançar os louvores, se dispersando da presença do homem.

– Pai, perdoa-os. Eles não sabem o que fazem! – Disse, estendendo as mãos para os céus.
O homem sorriu.
            “Os homens sabem muito de mim e do meu Pai, mas não me reconhecem quando estou no meio deles”.




quinta-feira, 19 de julho de 2012

ENCONTRO COM MACHADO...



            Em meio a tantos sorrisos e vozes altas, um fitar de olhos pairava em minha direção. Um olhar que não olhava, mas que me via. Meu despertar foi de encontro ao movimento da visão. O tempo se consumiu, em segundos se refez no que era sério, penetrante, fugaz, mas que não irradiava medo. O sol do meio dia rompia árvores de longas sombras, os estudantes corriam de um lado a outro com a ansiedade de sempre e professores e alunos se misturavam ao se assentarem em banquetas de cimento tendo a suas disposições mesas de concreto. Por que o meu medo? Já não andei bastante no caminho do ensino? Não. Houve mudanças. O verbo aprender não indica o tempo, nem recomenda um momento exato. Aprender é instruir-se, conhecer um pouco mais do tudo é apreciar o nada. O meu coração bateu forte enquanto o sinal durou, depois que parou, cessou também a aceleração. Dizem que o medo paralisa, a mim não paralisou, mas a mistura da coragem e o medo provocaram um terremoto, meus joelhos confessaram o tremor. Andei em direção à sala, confesso, meio sem direção.
            A primeira conversa foi de uma rara calma, acho que não encantei, mas convenci. Trinta nomes, rostos desconhecidos. A expectativa desvirtua o ser e faz soma de dois: bom + bom = agradável. Bom, +, ruim = caos na sala.

            O sinal soou como uma trombeta, o meu respirar se desfez como um balão de ar. Final da aula. Lugar novo é estranho, tem muita coisa para ver. Digo estranho, pois, provoca emoção despercebida, desatenta, que quando desperta, não acrescenta.

Um velho num quadro acrescentou.

Abri os olhos, sorri da minha burrice, nunca havia lido Machado de Assis.

            A gravura na parede revelava minhas tolices. Não tive culpa por ser tolo. Machado não é uma obrigação, é uma consciência. Isso faltou a mim e ao professor que me forçava ler quando tomei gosto por leitura. Herculano ficou gravado na minha memória, mas hoje eu o troquei pela beleza de um Dom Casmurro. Penso em como foram os meus dias com Herculano. Os gibis da Mônica, do tio patinhas e os de bang-bang. Livros espíritas, filosofia, teologia e psicologia. Aprofundei-me nos livros de autoajuda. Queria buscar segurança em mim, na verdade queria gritar: sai de mim Herculano! Meu amor por livros não lhe pertence.
Hoje eu comprei um Machado, não pretendo cortar árvores, quero cortar de mim o amor que Herculano quis impor ao apresentar Dom Casmurro. Essa coisa de amor demais apaga o encanto. Amor para ser amor precisa apresentar graça, lisonjas, enlaçar doçuras, conquistar. Depois mostra a verdade, que para mim tem seu próprio tempo para existir. 
            O olhar que não me olhava, mas que me via, voltou a me encontrar. Com visão demorada esbarrei naqueles olhos como quem não queria ver. A agitação dos estudantes voltou a ganhar formas, com mais pessoas, os que eram e também os que não eram. A turma “A” se comportou bem. O programa educacional ganhou seu primeiro dia, eu ganhei certezas, certas para um recomeço.
Pouco a pouco a multidão se dissolvia. Do grupo ficaram alguns jovens, alguns professores e o diretor. De costas para mim, os cabelos da cor da noite ausente da luz da lua, cobriam-lhe os ombros. O tempo desandou. Andou com as horas. A sirene soou e a multidão dos que não eram, inundou o pátio. Senti saudades, pensei no quase velho que sou hoje. Uma professora saiu aos gritos praguejando um adolescente que fugiu da sua justiça. Pediu-me para que repreendesse o menino. Não podia, as minhas lembranças não permitiam, fiz pior que o garoto na mesma idade. Consciência pesada omite a ordem.
 Os jovens que estavam sentados levantaram-se fazendo menção de ir embora. E aqueles olhos que me conhecia, não de fala, mas de olhar, voltou a me inundar. Olhos que falam por silêncios, esperam encontrar corpos que desmerecem as palavras. Hevelin é cativante, de beleza rara e doçura nos gestos, de rosto meigo e olhar singelo, mas que não revela facilmente os seus mistérios. Eu precisava de amizades, ela buscava um amigo. Ambos descobertos num tempo que não era nosso, mas que existiu ali, por um olhar que não me olhava, mas que me via.  




O QUÊ DISSERAM OS PAIS? O QUÊ DIRÃO OS FILHOS?

            No meio da viagem alguém se ocupou da poltrona ao lado. Remexeu, virou, acomodou-se. Nada disse. Meus olhos vagavam nas páginas de “O banquete.” O que diria Platão sobre o amor nos dias de hoje? O amor possui a força necessária para cada dia de um ser e dura o tempo de uma busca. Alguns o sentem em maior intensidade, outros, nem tanto. Amar o próximo como a ti mesmo, já dizia Jesus. Cheiro de ônibus me dissimula o estômago, vizinho de poltrona afeta os anseios. Afinal, uma viagem longa faz sensível a convivência.
— Ta indo pra onde, mano?
— Para a cidade adiante – disse sem querer conversas.
— Quer dizer, a próxima?
— Sim.
— Porque não disse antes?
— Eu disse.
            O rapaz sorriu. Escorregou na poltrona, adormeceu. Cansei do livro. A viagem ia começar. O tempo de espera, espero lendo. Fechei os olhos como o meu vizinho e no tempo seguinte a disputa começara. Cada balanço do veículo nossos cotovelos se tocavam. Uma eu ganhava o apoio, outra ele prevalecia. Ônibus devia ter para cada poltrona um lugar para cada passageiro colocar os braços. Sei que têm, mas é estreito como a paciência de um técnico de futebol.
            Rousseau afirma “O homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe.” Penso nos meus maus costumes, a sociedade não tem nada com isso. Sou eu que penso, que escolho... que decido? Não! Se pudesse decidir queria uma viagem com duas poltronas, só para mim. Não sou anti-social é que não gosto de acotovelar ninguém.
            As luzes se acenderam, o moço não acordou. O veículo parou por alguns instantes e em seguida ganhou a viagem. O jovem continuava alternando o respirar. Não sei qual a diferença de um respirar sonoro de um ronco. Respirar com som para mim é roncar. Assustado, o observei como um avaliador de quadros. No alto da cabeça uma grande mecha preta se sobressaía das outras cores, do seu lado esquerdo um vermelho que não afugenta o olhar ditava o tom, e o distinto azul preenchia o lado direito. Meus olhos seguiram a linha dourada das costeletas como os movimentos de torcida numa partida de tênis.
            Adormeci. Em partes, pois me indagava constantemente se eu estava em um ônibus ou numa nave espacial ao lado de um extraterrestre. Abri os olhos e comparei com as luzes pálidas do painel acima, não era jogo de luzes. Não insisti na comparação, pois o painel pareceu me dizer: não é culpa minha. Encolhi na poltrona, meus pensamentos decifravam a estranha figura.
— O que você tava lendo, mano? Ele perguntou se ajeitando enquanto se enrolava numa toalha protegendo-se do frio.
— O banquete de Platão. – Respondi mais amigo dessa vez.
— Hum... coisa de intelectual, saquei! – Estalou os dedos. – Percebi agora como você fala. Mas não dou trato nessas paradas não, meu negócio é curtir a vida.
— Eu te entendo. Já tive a sua idade e cada um possui uma curtição adequada para o seu tempo.
— Isso, mano! Coisa de intelectual. – Falou mudando a voz em tom sarcástico.
Sorri. No tempo dele havia razão.
Pensei em tudo, mas tudo mesmo. As fotografias do meu pai me foram uma saída. Sorri da moda que ele seguia. Envergonhei-me das camisas e das calças que ele usava e do corte de cabelo da época, ruborizei. Olhei novamente os cabelos do rapaz, perdi noção do futuro. Se Rousseau estivesse ali? Diria que um ser humano se corrompeu com uma arara? A moda dita os costumes. Pensando nos dias do meu pai, cogito os dias que são meus. Reflito no jovem arara. A sociedade é quem providencia os nossos costumes? Passado, presente,  futuro... O quê pensar dos pais? O quê dirão os filhos?