terça-feira, 9 de julho de 2019

INTELECTUAL PILHADO




Estudar, ser curioso, amar o conhecimento e questionar o que aprendemos têm suas vantagens: não somos massa de manobras, e podemos ser bem remunerados por isso. Mas o lado douto também apresenta desvantagens. Um intelectual um dia se casa, gera filhos e aprende que, expandir-se no conhecimento, exige sabedoria para fazer parte do mundo dos filhos, companheirizar a esposa, sentar com os amigos e se “parecer” com eles. Antes que algum deles comece a dizer: Aí, vem chegando o doutor! Agora tá metido. Não bebe mais com os amigos! Ou quando surge aquele assunto que você passou quatro anos na faculdade estudando e que o amigo do amigo por trás de um copo, (e que sabe a marca da cerveja porque o barman falou), resolve debater. Pois é. Sabemos que insistir no assunto num momento como esse é perda de tempo. Até porque não se muda opiniões ou conceitos de forma radical. 

Diferente do que acontece nas igrejas, demora-se algum tempo para instalar novos princípios no ser humano. Ainda que um pensamento possa nos tomar num segundo, custará um tempo para que se torne uma ideologia. Sei que o leitor dirá: o meu mito consegue. De cá eu não discuto a qualidade dos mitos. Não perco meu silêncio com o barulho dos outros. E um pensamento crítico demanda de muitas leituras para as mudanças de conceitos.

Voltando ao prazer e as desvantagens intelectuais, agora diante dos filhos: uma menina de treze anos que numa sexta-feira à noite, me faz sentar e acompanhá-la num episódio do seriado “Para todos os garotos que amei”. Sendo que, antes, pediu-me para escutá-la e reparar suas entonações enquanto fazia a leitura de um trecho do livro “O mundo de Sofia”. Antes do filme, já no meu colo, pede-me se eu posso doar um dos meus livros de Dostoiévski para a biblioteca da sua escola, porque as suas amigas querem emprestado quando ela terminar.

O sábado é dia de acompanhá-lo no jogo decisivo do seu time. Meu filho, com onze anos, duas vezes por semana treina basquete e pretende ser profissional. No caminho para o ginásio ele me mostra sua coleção de MCs. Antes que eu diga algum protesto ele liga o celular e já dispara uma daquelas repetitivas. No instante em que a frase se repete na sexta vez, ele abre uma janela no celular e mostra: MC Kalladão, MC Kalladin, MC S#Konteuddo e MC Cachorrão. Não foi possível ver os nomes de todos MCs porque já estávamos no pátio do ginásio e ele desligou suas preferências musicais.


No sábado à noite a TV anunciou exibir um ótimo filme. Animei assistir já que os filhos foram dormir na avó. Minha esposa, em poder do controle da televisão disse, “Já que o filme é bem tarde, assista comigo meus programas preferidos, depois eu vejo o filme com você”. E assim exerci meu companheirismo diante de Master-Chefe, novela e fábrica de casamento. Quando o “Gênio Indomável” começou, meu sono acordou. Ela dormiu. Como se todos os sonos acumulados durante anos fossem designados para aquele instante.

LL!N
zurC