Faltavam
alguns minutos para o Avião pousar e a sala de espera foi se aglomerando. Preciso
dizer que, por ter uma estatura com pouca dimensão vertical, não fiz como os
outros: observar a pista pelo vidro à espera da descida da aeronave. Como sabia
que o meu amigo passaria pelo portão de desembarque e viria até mim, sentei-me.
Um baixinho sentado onde a maioria está de pé, se limita ao movimento
“Cara-Crachá” ou, enfiar a cara no celular e ficar ali “hibernando”.
Num
desses momentos em que desviamos os olhos do Iphone para que o cérebro respire
outras novidades, notei algo incomum, para não dizer exótico: um casal de pés.
Membros inferiores masculinos, contrariando a lógica da beleza dos membros
inferiores femininos. Os pés masculinos tinham nos dedões enormes pelos negros,
com unhas que iam além da carne. Chinelos amarelos em pés demasiados brancos
destacavam ainda mais aqueles fios mal-ajambrados, incentivando-me a pensar que,
a natureza, fez brotar naqueles dedões a cabeleira do Chico Cesar. As unhas
apresentavam uma cor escura, curvada, semelhante à lua minguante, era como se
armazenasse por baixo algum tipo de fertilizante.
Não precisei de imediato levantar a
cabeça para observar os rostos pertencentes aqueles membros. Atentei-me aos
contrastes. Um pouquinho para a direita, leveza, candura, poesia. Um movimento
à esquerda, crueza, rusticidade, descuido. Um desprimor. Os pés rosados da moça beiravam a perfeição.
Cabiam delicadamente nas rasteirinhas. As unhas decoradas despertavam a candura
de dedos que, de tão perfeitos, deveriam ser proibidos de pisarem no chão.
Bem próximo a mim, o casal dono dos pés, beijavam-se
e abraçavam-se constantemente como se faz no início das relações conjugais. O
homem tinha boa feição e era do tipo que frequentava academia. Pergunto-me se nas redes sociais, ao invés
dos rostos, postássemos a foto dos pés. Quem se interessaria? As partes do
corpo são capazes de provocarem uma atração, mas nunca ouvi dizer que alguém já
se apaixonou por uma unha, por dedões com pelos armados necessitando uma boa
escovada, ou por calcanhares semelhantes à terra seca no sertão nordestino. O fato levou-me a conferir outros pés ao
redor. Os que usavam sapatos escondiam suas anormalidades? Curvas delineadas? Fica
aqui um mistério.
Com outros pés femininos comparei os
membros da jovem. Não havia ali pés tão formosos. Diante dos pés impolidos e
grotescos do moço, chegava a ser cruel com os olhos a beleza dos pés da moça. Quando
o avião pousou, o casal aproximou-se do portão de desembarque. Observei seus
rostos. A moça tinha feições horrenda e o rapaz um rosto-de-revista. Penso que
no primeiro encontro, o encanto dela se deu do tórax para o rosto do rapaz. Ele,
enfeitiçado com os magníficos quadris, apaixonou-se pelos pés da moça.