O maluco do terceiro andar ligou o som no último volume. Havia adquirido
um disco de vinil da banda que fazia a sua cabeça quando era um adolescente.
Abriu a garrafa de montilla que havia comprado no último show que a banda
fizera juntos e que por uma estranha razão resistira ao tempo. Deitado enquanto
bebia, cantava a todo pulmão: “só pro meu prazer”. Estava feliz, o som do vinil nem se compara
aos CDs. O som da agulha rangendo o fazia voltar no tempo.
No andar abaixo, a namorada novinha do homem ali se hospedara por uns
dias, feliz, queria ver e ouvir a novela. Jamais assistira a Sky numa TV Led.
Mas o som de cima não deixava. A felicidade tem metros quadrados e cúbicos. Em
um mês o homem saiu da cadeia, arrumou uma namorada – vinte anos mais nova –
alugou um apartamento e já encontrou um vizinho querendo encrenca. Com o
dinheiro que ganhara na cadeia podia alugar um apartamento com mobília e
comprar um carro. Na cadeia o salário é livre. Não se paga INSS, IPVA,
pedágios, dízimos, nem as refeições.
O maluco do terceiro andar ouviu alguém destruindo a sua porta, claro, o
som estava alto, e somente um estrondo poderia fazê-lo ouvir. Alguém chamava.
— A sua música tá muito alta! – Falou um homem baixinho, que tinha no
alto da cabeça um novelo com fios compridos. Os demais cabelos eram cheios e
rodeavam o cérebro. Surpreso, o rapaz foi arremessado ao tempo quando brincava
com o seu avô. Ele dizia que era patrocinador dos conjuntos da época, pois,
tinha na cabeça as suas representações e explicava: na parte lisa, sem cabelos,
dizia: Placa Luminosa ou Nenhum de Nós. Os cabelos que cercavam as têmporas,
Paralamas do Sucesso. E os pendões isolados no topo, Heróis da resistência. O
rapaz começou a rir. O homem não gostou.
— Você me fez lembrar o meu avô. Que coincidência! – Exclamou o moço com
euforia. – Estou aqui ouvindo Heróis da Resistência, aí você me aparece com
esses pendões... Me bateu uma saudade...
O homem sacou da sua arma e
disparou quatro vezes contra o rapaz. Pendão da esperança era o seu apelido e,
por causa desse codinome, fora parar na cadeia, num dia em que numa festa ouvia-se
Heróis da Resistência.