sexta-feira, 10 de abril de 2020

GATO DE RUA





Já na lanchonete, comecei lentamente a consumir minha porção de calabresa com a sensação de que, o prazer daquele momento, não se comparava a nada na vida. Quando se está com fome, mesmo que o alimento não seja uma particularidade de gosto, absorvemos ao máximo o sabor.  O dia inteiro no trabalho que se situava longe de um restaurante e distante de qualquer quiosque que pudesse oferecer um filete de salame, ataquei minha porção apressadamente, como se o alimento fosse fugir da minha fome. Com sensação de que apenas eu devorava aquele momento, deixei que caísse um pedaço da calabresa. Ao abaixar os olhos, vi que um gato magérrimo consumia com mansidão um dos petiscos que não percebi cair.
O gato interrompeu seu mastigar e, por alguns instantes, fixou os olhos em mim como que agradecido pela refeição do dia. No momento, interrompi meu paladar e trocamos silêncios de olhos. Apenas um segundo. Nosso olhar mediu tanta compreensão que também diminuí a pressa de comer. O bichano interrompeu a conversa dos nos olhos e voltou a mastigar sua janta. Calmamente. Como se em cada mordida extraísse ao máximo o sabor daquele petisco. Ele devorou um e, antes de começar o segundo, me olhou com calma nos olhos. Seu olhar firme, amarelo. Sua pelagem negra com algumas manchas amarelas e suas orelhas que de tão atentas, mais pareciam ouvir meu espírito. Esperei então ele terminar, e assim depositei outro pedaço ao seu redor. Vi sua serenidade diante do alimento e com paciência segui a ordem: comia um pedaço e lhe dava outro. Terminamos nossa porção. Lambendo com firmeza os cantos da boca, claro fazia isso sem desviar de mim aqueles olhos amarelos, deitou por cima das patas e aguardou mais um petisco. Após alguns minutos de espera ele se levantou e se foi, com cara de gente que nunca se viu, mas se aproxima porque há comida. 









Livro de contos e crônicas

Em Lançamento!






O FRUIR LITERÁRIO EM A MENINA QUE NÃO CABIA NO MUNDO

 

A nostalgia de um “mim” perdido no espaço-tempo, a peregrinar por aí “sem saber o que fazer ou onde parar”, inunda-me cada vez que viro a página desta pequena caixinha de mundos imiscíveis e a um tempo homogêneos que tenho nas mãos.

Sim.

Finalmente tenho em meu poder o tão esperado exemplar: A MENINA QUE NÃO CABIA NO MUNDO. E, como em Felicidade Clandestina, sigo adiando o prazer de devorar os contos que aqui figuram. 

As personas nesta obra se apresentam de forma tanto única quanto comum e pergunto-me: Por que me encaixo perfeitamente em cada um desses encantadores enredos?

Um universo de conhecimento despretensioso mora aqui e quando meus olhos passeiam pausadamente pelos rincões da página, sinto-me roçar a existência de Clarice ou de Cecília nesse adorável limiar entre a prosa e a poesia.

Pensamentos de um saber filosófico profundo, colhidos na tecitura dos contos, habitarão para sempre a memória “das minhas retinas”.

A saber, através destas linhas pude revisitar “meus escombros sem ao menos enviar-me um aviso” e entender, finalmente, que “as coisas que mais doeram foram as que eu sustentava achando que não ia passar; quando as deixei sem sustento, passou”.

Passou e ensinou-me que às vezes pode até nos faltar alimento ao organismo. Nunca, no entanto, ao intelecto. Devemos ter sempre à disposição “uma máquina de fazer pão” e livros. Muitos livros. Pois “livros são ótimos para proteger a cabeça”.

Confesso que em alguns momentos “meus olhos ganharam águas ao fim da leitura”. Como gotas as palavras constantemente “rasgam minhas entranhas” e vão regando meus jardins internos que por muito tempo quedaram ressequidos e desabitados. Visto que “as flores murchavam e os canteiros precisavam de uma reforma” na ânsia de encontrar num instante ímpar o maravilhoso fruir do texto!

Nill Cruz logra, em suas composições, jogar com as palavras como em tempos idos brincavam os meninos com “bola, papagaio, pião”!

Eis a obra que eu aguardava para alargar meus horizontes literários e estabelecer meu plano de fuga da realidade. Afinal, não há nada como “a paz dos livros” “para aliviar as angústias”, pois “o homem vive melhor quando imagina. A realidade é peso grande” demais.

                                  

Uma resenha de:

Jaquelini Silva Brito de Jesus Porfírio