—
Quando a mente entende o que os olhos não disseram dá nisso!
Glaucindo
resmungou, aborrecido com o amigo.
—
Nesse caso os olhos viram, mas deram a notícia sem averiguar os fatos. – Falou
envergonhado o Jurandir, compreendendo o engano.
—
Por que você pensou no que era?
—
Oras, o que era foi o que me pareceu.
—
Você e essas suas manias de falar sem observar.
Os
dois caminharam por um longo terreno sem dizer uma palavra. Estavam
envergonhados. Cometeram um engano. O rio estava cheio e o barulho que se fazia
ouvir era o das águas socando os barrancos. Os amigos se encantaram vendo as
águas se alastrando, fugindo do leito do rio e banhando os pés das árvores.
—
A gente devia ter trazido a espingarda. – Falou o Jurandir depois que se
afastaram do rio.
—
Pra quê?!
—
Oras, pra quê serve uma espingarda? Pra dar uns tiros, oh!
Glaucindo
parou. Refletiu, refletiu, refletiu...
—
Não sei se era uma boa ideia, não.
—
Era sim. Poderíamos matar uma arara. – Disse apontando as aves no alto de uma
árvore.
—
Depois do que houve? Não, não!
—
O que é hein? – Pausa. – O que tá pegando?
—
Nada.
—
Vai, fala! O que você tem?
—
Deixa pra lá.
Continuaram
caminhando pelos pastos. Avistaram ao longe o dono do sítio selando um cavalo.
Entre eles e o dono, havia um pequenino riacho que seguia em direção ao rio
maior.
—
Podemos andar a cavalo. – Sugeriu o Jurandir. – Estamos no sítio pra nos
divertir.
—
Ele vai apartar as vacas, vai usar o cavalo.
Glaucindo
sentou no barranco do rio pequeno e, de longe, observou a algazarra dos
pássaros. Jurandir foi andar a cavalo. O que ele iria chegar contando? Indagou.
O amigo tinha sempre uma história, que era aumentada conforme a expressão do
ouvinte. Se contasse algo e o ouvinte se espantasse, recomeçava o assunto. Como
na clássica história do jacaré de um metro e meio que engoliu o filho de três
anos do vizinho. Se a pessoa assustava, dizia: “não, minto, – fazia cara de
embaraçado – o bicho tinha quase três metros” – concluía.
Uma
vez, para um grupo de amigas da sua mãe, o bicho chegou aos quatro metros e
meio... Beirando os cinco. Já não acreditava mais nele. O cara tinha uma
facilidade de induzir alguém nas suas histórias, que, mesmo não sendo verdade,
o induzido achava que era e pensava: “naquele dia eu estava meio desligado e,
quando a gente se desliga, faz cada coisa”...
Se
todo mundo tem um amigo que estende os fatos, Glaucindo tinha Jurandir. Um
jovem que estendia fatos inventados. Depois do que ocorrera ali viu nele outra
habilidade, a da criação.
Glaucindo
pensou no que houve uma hora antes. Refletiu na capacidade que o homem tem de
ver algo que não é. Sozinho, enquanto observava as águas barrentas, repassou a
conversa no pensamento.
—
Olha lá! Olha lá!– Falou o Jurandir apontando para o rio.
—
Olha o que cara? – Glaucindo perguntou, procurando ver o que era.
—
Um bicho bebendo água!
—
Onde?!?
—
Embaixo daquela ramagem.
Glaucindo
olhou, olhou, olhou. Enxergou.
—
Viu?
—
Sim! É um tamanduá.
—
Esse bicho bebe água, hein?
—
Verdade. Olha a língua dele!!!
Jurandir
desceu do cavalo e sentou também no barranco. Um longo silêncio se fez presente
entre os amigos. Glaucindo esperou mais uma criação. Não veio. O que chegou foi
uma meditação. Consciência de um fato inventado.
—
Refleti no que aconteceu. Pensei que era um bicho bebendo água. – Jurandir,
cabisbaixo, falou com veemência.
—
Cara, confundimos uma folha com um tamanduá.
—
É. Era uma folha de palmeira presa nos garranchos.
—
Nossa! Que vergonha. Como pude ver um animal, sendo uma folha?
—
E pensar que eu vi até a língua do bicho.