... Uma dimensão impercebível. Princípio de todas as coisas. O fenômeno
se cria, rompe, toca o inesperado. O sim e o não, o tudo e o Nada. Na ausência,
no vazio, no som do silêncio de tudo o que existe. Em tudo o que existe há o
Nada. Tudo tem a sua maneira de existir e existir é isso, saber da essência de
ser nada.
O Nada é um princípio, um ajuntado de minúcias, um
escolher sem sentir, um acordar sem despertar, um pensar sem refletir.
São necessários um pouco de ‘cada mínimo’ para chegar
ao tudo. Olhar o céu e sentir ausência de nuvens e ver todo o seu azul tomando
conta da gente. O azul é o tudo, mas também é o Nada.
Ouvir uma canção, sentir carência de silêncio. O vazio
em cada espaço do tempo em ritmo, como no acontecer da vida. A canção quando
invade é tudo, mas há nela uma essência do Nada.
Uma tela em branco, o branco é o Nada, mas é o tudo de
um início. Após um ponto, um rabisco ou um deslizar de pincel, o tudo se faz,
brota a imagem, revelando a existência da contemplação. E contemplar também
pode ser isso: o transbordar do Nada.
E a palavra quando chega? Um poema se faz e a poesia
acontece. Depois foge da gente. Largando sentimentos que surgem dos de repentes
Nadas.
O mesmo corpo que sente o tudo também se esbalda ao
Nada. Estamos cheios de tudo, abarrotados do Nada. Somos sim e não, tudo e
Nada. E o instante que tudo revela, revela também isso: ser instante é ser a
luz que o Nada acende. O Nada criou o tudo. Um é afirmação do outro. O tempo é
a confirmação deles e o viver uma desinência.
Quero descrever o Nada, o tudo já me aborrece. E se em
Clarice o Tudo começou com um sim, houve também a participação do Nada. E se a
terra era sem forma e vazia, havia nela o Tudo da beleza do Nada. E se sei que
nada sei, sei da profundeza do Nada. Apesar de querer saber tudo o que o Nada
faz.
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