A
coisa acontecia sempre, mas foi no final da tarde de uma quinta feira que eu
enxerguei o que vi. O homem, com uma bolsa de livros a tiracolo, caminhava como
quem não observa o mundo. Mergulhado naqueles momentos em que todos nós temos:
caminhar no automatismo. Quem nunca saiu de algum lugar com direção ao local
onde mora e sem perceber, chega? Ou quando o caminho é inverso: saímos de casa
e chegamos ao trabalho? Não notamos a rua, as pessoas, ou seja, não analisamos
o percurso. A ciência nomeia este feito como “Automatismo Ambulatório”.
Sentado
à mesa do bar, notei logo quando o homem surgiu na esquina. Se a vida é besta,
meu Deus, por que um homem caminha devagar enquanto ao redor todas as coisas
voam? Qual pensamento tomava a cabeça daquele professor a ponto de não ver um
cachorro que foge dele, uma senhora que parou a bicicleta para que ele
passasse, e o vendedor gesticulando suas cartelas de prêmios?
No
momento em que o professor olhou em minha direção, fiquei de pé, gesticulei os
braços e abri um sorriso. Para meu espanto, calmo e sereno, o homem voltou o
rosto para o outro lado da rua. Os colegas do bar sentiram por mim o vácuo. Com
aquele sentimento de quando cumprimentamos e não somos correspondidos, andei
até a calçada e chamei pelo professor. Ele continuou seu destino, sem ouvir nem
ver. Olhei em volta os colegas, eles já não estavam mais ligados na minha
desventura.
Meia
hora depois o professor me ligou querendo saber por que não o esperei no bar,
na hora combinada. A hora combinada era: sairmos do trabalho e tomar uma
cerveja. E ficou espantado quando eu descrevi o vácuo. Ele sorriu e perguntou
onde eu estava. Desligou dizendo: estou indo aí. Dez minutos depois apareceu
com um sorriso largo e uma sacola de livros na mão. Cumprimentou a todos e no
mesmo tempo em que se sentou, disse: não acredito que passei por aqui e não me
vi passando.
Entre um copo e outro
gastamos a tarde. A conversa sobre samba, filmes e livros não deixou que
falássemos de distração, nem do ato de sonambular pela rua. Após deixar o bar,
caminhei em direção a minha casa com meus livros e planos de aulas em baixo do
braço. Alguns minutos depois, já em casa, o meu celular tocou. Era a minha
filha. Queria saber se eu estava bem, pois passei diante dela e não a vi.