quinta-feira, 19 de julho de 2012


O QUÊ DISSERAM OS PAIS? O QUÊ DIRÃO OS FILHOS?

            No meio da viagem alguém se ocupou da poltrona ao lado. Remexeu, virou, acomodou-se. Nada disse. Meus olhos vagavam nas páginas de “O banquete.” O que diria Platão sobre o amor nos dias de hoje? O amor possui a força necessária para cada dia de um ser e dura o tempo de uma busca. Alguns o sentem em maior intensidade, outros, nem tanto. Amar o próximo como a ti mesmo, já dizia Jesus. Cheiro de ônibus me dissimula o estômago, vizinho de poltrona afeta os anseios. Afinal, uma viagem longa faz sensível a convivência.
— Ta indo pra onde, mano?
— Para a cidade adiante – disse sem querer conversas.
— Quer dizer, a próxima?
— Sim.
— Porque não disse antes?
— Eu disse.
            O rapaz sorriu. Escorregou na poltrona, adormeceu. Cansei do livro. A viagem ia começar. O tempo de espera, espero lendo. Fechei os olhos como o meu vizinho e no tempo seguinte a disputa começara. Cada balanço do veículo nossos cotovelos se tocavam. Uma eu ganhava o apoio, outra ele prevalecia. Ônibus devia ter para cada poltrona um lugar para cada passageiro colocar os braços. Sei que têm, mas é estreito como a paciência de um técnico de futebol.
            Rousseau afirma “O homem nasce bom, é a sociedade que o corrompe.” Penso nos meus maus costumes, a sociedade não tem nada com isso. Sou eu que penso, que escolho... que decido? Não! Se pudesse decidir queria uma viagem com duas poltronas, só para mim. Não sou anti-social é que não gosto de acotovelar ninguém.
            As luzes se acenderam, o moço não acordou. O veículo parou por alguns instantes e em seguida ganhou a viagem. O jovem continuava alternando o respirar. Não sei qual a diferença de um respirar sonoro de um ronco. Respirar com som para mim é roncar. Assustado, o observei como um avaliador de quadros. No alto da cabeça uma grande mecha preta se sobressaía das outras cores, do seu lado esquerdo um vermelho que não afugenta o olhar ditava o tom, e o distinto azul preenchia o lado direito. Meus olhos seguiram a linha dourada das costeletas como os movimentos de torcida numa partida de tênis.
            Adormeci. Em partes, pois me indagava constantemente se eu estava em um ônibus ou numa nave espacial ao lado de um extraterrestre. Abri os olhos e comparei com as luzes pálidas do painel acima, não era jogo de luzes. Não insisti na comparação, pois o painel pareceu me dizer: não é culpa minha. Encolhi na poltrona, meus pensamentos decifravam a estranha figura.
— O que você tava lendo, mano? Ele perguntou se ajeitando enquanto se enrolava numa toalha protegendo-se do frio.
— O banquete de Platão. – Respondi mais amigo dessa vez.
— Hum... coisa de intelectual, saquei! – Estalou os dedos. – Percebi agora como você fala. Mas não dou trato nessas paradas não, meu negócio é curtir a vida.
— Eu te entendo. Já tive a sua idade e cada um possui uma curtição adequada para o seu tempo.
— Isso, mano! Coisa de intelectual. – Falou mudando a voz em tom sarcástico.
Sorri. No tempo dele havia razão.
Pensei em tudo, mas tudo mesmo. As fotografias do meu pai me foram uma saída. Sorri da moda que ele seguia. Envergonhei-me das camisas e das calças que ele usava e do corte de cabelo da época, ruborizei. Olhei novamente os cabelos do rapaz, perdi noção do futuro. Se Rousseau estivesse ali? Diria que um ser humano se corrompeu com uma arara? A moda dita os costumes. Pensando nos dias do meu pai, cogito os dias que são meus. Reflito no jovem arara. A sociedade é quem providencia os nossos costumes? Passado, presente,  futuro... O quê pensar dos pais? O quê dirão os filhos?

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