segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A CASA DO OUTRO LADO DA RUA.


Casa estranha. Do outro lado da rua, sem vizinhos. Há no quintal um cachorro, que nem late, nem rosna e nem parece passar fome. O bicho possui os pelos bem tratados. Mais cuidado que o bigode do presidente que tinha bigode. Como o bicho se alimenta se não há ninguém para tratá-lo? A casa fica escondida atrás de um alto muro, mas que não chega à altura do preço da gasolina nos dias de hoje. A poeira cobre o chão da área, pela grade do portão se vê lá nos fundos. Dá para enxergar também os fios cortados, não há luz elétrica. A porta que não fica de frente para a rua tem os vidros antigos, lembrando as portas das catedrais góticas. Uma pequenina cobertura com remendos de telhas abriga a porta com grades de proteção. A casa marrom com portas de bordas pretas e janelas alaranjadas, um marrom quase vencido, não há calçadas. Isso se deu devido ao fato de a tinta não dar para pintar a casa toda por fora. Fizeram então cores para diferir a janelas.
Era quinta-feira, nove horas. Um dia de médico. O sol já me esquentava o crânio quando chegava em casa e notei, em cima de um poste, alguém ligava a luz. Também pintaram a casa. A casa agora é branca e, as portas, um marrom novo quase preto. Pensei, vai chegar um vizinho finalmente.
O meu trabalho exige que eu saia de madrugada para chegar a tempo no serviço e, do trabalho, vou direto à faculdade, chegando em casa às vinte e três horas, pronto para comer alguma coisa e dormir. Numa dessas noites em que a chuva pára só para o vento mudar a direção, observei que havia luz na casa. Tive um insight. Todas as sextas-feiras havia claridade no quarto. Isso ocorria há muito tempo. Notei também que não havia mais cachorro, que no quintal crescera o mato e que, no portão, havia um cadeado por fora. Uma sensação de que estava sendo vigiado me ocorria sempre quando virava o farol da moto para iluminar o quintal. A luz que havia dentro se apagava e, dentro de mim, a sensação estranha. Medo.
Um dia de domingo resolvi observar de perto a casa abandonada. O mato estava mais alto que imaginava, o portão com cadeados enferrujados presos em grossas correntes. Notei que, no chão do portão sobre a areia espalhada, havia rastros humanos e sinais de pés de cadeiras. Havia alguém na casa. E não era desse mundo. Meus sentimentos tomados de pavor me fizeram voltar à minha casa. Tinha uma semana de folga, resolvi então me ocupar da casa da luz que acendia às sextas-feiras. Um carro parou frente à minha casa e vi pessoas descerem em direção a casa. Um rapaz com cara de policial abriu os cadeados, escancarou os portões, observou o quintal, lançou ao seu redor um olhar de quem tem algo para esconder, abriu a porta da casa e demorou alguns minutos dentro da casa. Em seguida uma mulher fez a mesma coisa. A mulher foi até o carro, abriu a porta traseira. O homem retirou de dentro do carro algo como uma mesa com pés de cadeira e apoiou ao chão certificando de que estava firme. Vi descer do carro uma senhora de cabelos grisalhos aparentando cinquenta anos. Com dificuldades, ela se apoiou no andador e foi seguindo para dentro da casa.
Há alguém na casa e é desse mundo. Pensei. Não demorei a entender o que acontecia ali. Com a curiosidade de um repórter fiz uma estranha descoberta. O rapaz que lá estava é um policial. Filho da senhora depositada naquele lugar. Casado e com uma filha de cinco anos, guarda a mãe ali porque não tem espaço para ela no seu recinto. Não queria perder a esposa. Forçado a se livrar da mãe, alugara uma casa. A mulher, com problemas de saúde, passa o tempo todo dentro da casa. Ele vem uma vez por dia visitá-la. E, cada vez que eu o vejo, o meu futuro geme. Eu penso nos filhos que um dia virão e cogito ter uma casa com duas varandas, uma para ver o sol acordar e outra para ver o sol se pôr. Olho em direção à casa e sinto uma mulher que não pode ver o sol. Com um sentimento vazio me abrigo em prontas frases de sabedoria, mas que não aliviam a dor. Os homens humanizam o que é desumano e desumanizam o que é humano”.




Um comentário:

  1. Nossa... Que esplêndido seu texto! Estou realmente muito admirado. São contos (não sei se estórias ou histórias) muito cativantes.

    Ao escrever um livro com suas crônicas, quero ser um dos primeiros a adquirir!

    Abraços.

    ResponderExcluir