segunda-feira, 24 de junho de 2013

O CODINOME


O maluco do terceiro andar ligou o som no último volume. Havia adquirido um disco de vinil da banda que fazia a sua cabeça quando era um adolescente. Abriu a garrafa de montilla que havia comprado no último show que a banda fizera juntos e que por uma estranha razão resistira ao tempo. Deitado enquanto bebia, cantava a todo pulmão: “só pro meu prazer”.  Estava feliz, o som do vinil nem se compara aos CDs. O som da agulha rangendo o fazia voltar no tempo.
No andar abaixo, a namorada novinha do homem ali se hospedara por uns dias, feliz, queria ver e ouvir a novela. Jamais assistira a Sky numa TV Led. Mas o som de cima não deixava. A felicidade tem metros quadrados e cúbicos. Em um mês o homem saiu da cadeia, arrumou uma namorada – vinte anos mais nova – alugou um apartamento e já encontrou um vizinho querendo encrenca. Com o dinheiro que ganhara na cadeia podia alugar um apartamento com mobília e comprar um carro. Na cadeia o salário é livre. Não se paga INSS, IPVA, pedágios, dízimos, nem as refeições.
O maluco do terceiro andar ouviu alguém destruindo a sua porta, claro, o som estava alto, e somente um estrondo poderia fazê-lo ouvir. Alguém chamava.
— A sua música tá muito alta! – Falou um homem baixinho, que tinha no alto da cabeça um novelo com fios compridos. Os demais cabelos eram cheios e rodeavam o cérebro. Surpreso, o rapaz foi arremessado ao tempo quando brincava com o seu avô. Ele dizia que era patrocinador dos conjuntos da época, pois, tinha na cabeça as suas representações e explicava: na parte lisa, sem cabelos, dizia: Placa Luminosa ou Nenhum de Nós. Os cabelos que cercavam as têmporas, Paralamas do Sucesso. E os pendões isolados no topo, Heróis da resistência. O rapaz começou a rir. O homem não gostou.
— Você me fez lembrar o meu avô. Que coincidência! – Exclamou o moço com euforia. – Estou aqui ouvindo Heróis da Resistência, aí você me aparece com esses pendões... Me bateu uma saudade...
 O homem sacou da sua arma e disparou quatro vezes contra o rapaz. Pendão da esperança era o seu apelido e, por causa desse codinome, fora parar na cadeia, num dia em que numa festa ouvia-se Heróis da Resistência.



   

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