quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

PENSEI QUE IA PENSAR...



Hoje eu pensei que ia pensar, mas não pensei nada. Observei sorrisos, demorei nos olhares, segui linhas gestuais, mas nada. Num momento em que uma voz grifou a minha atenção, pensei que ia pensar, mas nada. Analisei como descrever o som daquela voz, mas no som não havia nada. E aquele senhor com uma bengala nas mãos entrando no ônibus? Sua dificul’idade, suas pernas trêmulas, seus passos fracos... Sua solidão... Sua desatualização do mundo dos filhos... Eu pensei que ia pensar. Do nada veio o nada nadando sem me deixar pensar. Caminhei por caminhos caminhados. Plantas sorriam, ventos cantavam, o sol escrevia poesia e o papel eram as nuvens. Coisas passavam, cores me tomavam, casas me asilavam e eu pensei que ia pensar, mas não pensei nada. Num beco, crianças cheirando crack, no bar, adultos cheirando a álcool. Na esquina seguinte, políticos num palanque discorriam as dores do mundo. Num canto da praça, humanos dormiam sem teto. No estádio, pessoas gritavam alto. Alto num telão na praça adiante, um pastor ocupava um microfone. As suas palavras me convenceram. Eu me inscrevi mentalmente na oferta de milagres, queria pensar, mas não pensei nada. E a menina grávida aos treze anos que veio me apresentar a sua música preferida? E aquele adolescente que não queria saber de escolas, que não aceitava regras, que se deixou ser educado pelos filmes de Hollywood? E a liberdade sem responsabilidade dos pais? A felicidade sem afetos nos filhos?   Eu pensei que ia pensar, mas, não pensei nada. O nada estava cheio, o cheio estava vazio e o vazio indagava o porquê das artes que não desautomatizam os homens. Tudo é tão normal que o normal já não é mais normal. Pensar é imoral, pensar o profundo é anormal. Eu fico com o meu vazio cheio de vazios e de indagações.
Hoje, eu pensei que ia pensar, mas não pensei nada.
 


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