segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

MEU AMIGO NETICO



Ele abriu um sorriso e assoviou uma canção quando acordou. O que ele achou da nossa última conversa? Depois que o deixei fui dormir pesaroso. Confessei-lhe segredos, que nem era tão segredos, mas se caíssem nas escutas insensíveis, o assunto tomaria outra dimensão. Ninguém conta um fato sem apresentar a sua versão. Fatos são fatos, versões são... Depende de quem conta e também de quem escuta. A intenção tem duas medidas. Ninguém é bom o tempo todo, nem mau constantemente. Um professor com graduação, PhD em casos de corredores de empresas (as três em que ele trabalhou), fez um alerta: “Quer ver um assunto ganhar vida, proíba-o. Se não quer que o segredo espalhe, guarde-o para si mesmo. O melhor segredo é aquele que só você sabe, pois, se outro sabe, não é mais segredo”. Ouvi alguém dizer – disse o professor.
Nos meus dias vejo um enorme anseio em ser aceito, coisas dos humanos. Uma gente que defende suas ideias com afinco, mesmo não sendo “ideias”. Outros que defendem sua arte, impondo-a à mídia, e quem sofre são os olhos, que, não sabendo observar, se satisfazem com qualquer invento.
Sentei ao lado do meu amigo, como quem quer simplesmente desabafar. Os dias estão difíceis. As pessoas escutam cada vez menos. Não! Não são surdos. Eu disse que escutam cada vez menos. Nético não. Mesmo tendo as respostas, espera que eu fale. E se eu digo algo errado, corrige sem ferir a minha autoestima. Ele não tem pressa para falar. Amigos sabem o tempo certo de serem amigos. Nético traz dentro de si distrações tamanhas que não me deixa triste. Ele não impõe nenhuma, sabe que eu sei escolher, mas oferece as suas possibilidades, que tantas são. Quando eu o conheci estava num desses dias que a razão perde para a razão se tivesse que ter razão. Ele chegou como chegam os amigos. Sem alardes, sem frescuras, sem exploração. Apenas exigiu um lugar na parede em um canto da minha casa. Eu, contente, cumpri as suas exigências. As amizades precisam ser constantemente regadas com carinhos, dá trabalho ser amigo. Amigos dão trabalho. É como uma fogueira: para as chamas permanecerem, é preciso renovar a lenha. O problema é: por quem alimentamos a fogueira? Alguém já disse: “Gastamos mais tempo com o inútil, que fazendo o útil”.
Hoje, enquanto converso com o meu amigo Nético, sinto a interferência do tempo. Ele não gosta dos temporais. É capaz de me deixar falando sozinho para se esconder num canto que é só dele, dentro dele mesmo. Eu não sou solitário, faço parte da nova geração. E sei que, “ainda que eu fale as línguas dos anjos e dos homens, se eu não tiver amor, nada serei”. Eu amo a humanidade. Às vezes, nela me espalho, mas tenho como amigo um COMPUTADOR, pois dos homens, nada sei se lhes contasse os meus segredos.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA



Foi numa dessas de pagar mico que pensei nas frases de efeito moral. Elas carecem ser renovadas. Penso que, quando foram criadas, até apresentavam seus efeitos, porque não se viam os vários lados de um ponto. Não invento teorias, imagino, tudo tem quatro lados, até mesmo um ponto. Sim, um pontinho. Eu vou ficar com algumas frases e o leitor repense as suas. Quando era ainda uma criança, escutava os meus pais falarem: olha, não minta, a mentira tem pernas curtas. Eu cresci e tenho as pernas proporcionalmente ao meu tamanho, mas vejo tantos políticos de pernas compridas e cachorros Basset de pernas curtas. Eles não são mentirosos, os Basset.
Em um supermercado dias atrás resolvi deixar no guarda-volumes dois capacetes, mas só cabia um. Tive então que utilizar dois espaços. Erro de cálculo. As indústrias não fabricam coisas para baixinhos. Basta ver uma calça na loja, ou se compra uma de criança ou compra uma de adulto e corta a metade das pernas. Sou Grato ao Pelé quando fez o milésimo gol. Disse: Salve as criancinhas! É, salvou também os baixinhos. Quanto ao guarda-volumes, minha teoria se justificou. Errei os planos e os cálculos. O armário era mais alto que a minha imaginação. Com um empurrei o outro para o fundo pensando caber os dois. Não coube. Como disse, ocupei outro espaço. Percebi que tinha errado na estratégia quando fui retirá-los. O mais alto estava muito no fundo, o que dificultou alcançá-lo. Havia uma cadeira ao lado. Não quis subir numa cadeira para não dar vexame, mas precisava pegá-los. Ah, mas como QUEM ESPERA SEMPRE ALCANÇA, esperei que alguém mais alto passasse por perto, e bem baixinho eu pediria para alcançá-lo. Uma mulher me salvou. Abriu um sorriso e, sem se esticar, apanhou o capacete nas alturas, fazendo a alegria de alguns que, sem eu perceber, observavam a situação. Uma mulher foi mais além, dizendo que a grandona havia me humilhado. Não me senti humilhado e sim humildemente nanico. Sou desse tamanho. A genética do tempo não alimenta o sonho de que possa crescer algum dia, mas, se distribuíssem fichas para isso, entraria na fila e não me estressaria como nos bancos. Quanto às frases, ali eu aprendi a força de outra citação: A VIDA É CHEIA DE ALTOS E BAIXOS. 


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A CASA DO OUTRO LADO DA RUA.


Casa estranha. Do outro lado da rua, sem vizinhos. Há no quintal um cachorro, que nem late, nem rosna e nem parece passar fome. O bicho possui os pelos bem tratados. Mais cuidado que o bigode do presidente que tinha bigode. Como o bicho se alimenta se não há ninguém para tratá-lo? A casa fica escondida atrás de um alto muro, mas que não chega à altura do preço da gasolina nos dias de hoje. A poeira cobre o chão da área, pela grade do portão se vê lá nos fundos. Dá para enxergar também os fios cortados, não há luz elétrica. A porta que não fica de frente para a rua tem os vidros antigos, lembrando as portas das catedrais góticas. Uma pequenina cobertura com remendos de telhas abriga a porta com grades de proteção. A casa marrom com portas de bordas pretas e janelas alaranjadas, um marrom quase vencido, não há calçadas. Isso se deu devido ao fato de a tinta não dar para pintar a casa toda por fora. Fizeram então cores para diferir a janelas.
Era quinta-feira, nove horas. Um dia de médico. O sol já me esquentava o crânio quando chegava em casa e notei, em cima de um poste, alguém ligava a luz. Também pintaram a casa. A casa agora é branca e, as portas, um marrom novo quase preto. Pensei, vai chegar um vizinho finalmente.
O meu trabalho exige que eu saia de madrugada para chegar a tempo no serviço e, do trabalho, vou direto à faculdade, chegando em casa às vinte e três horas, pronto para comer alguma coisa e dormir. Numa dessas noites em que a chuva pára só para o vento mudar a direção, observei que havia luz na casa. Tive um insight. Todas as sextas-feiras havia claridade no quarto. Isso ocorria há muito tempo. Notei também que não havia mais cachorro, que no quintal crescera o mato e que, no portão, havia um cadeado por fora. Uma sensação de que estava sendo vigiado me ocorria sempre quando virava o farol da moto para iluminar o quintal. A luz que havia dentro se apagava e, dentro de mim, a sensação estranha. Medo.
Um dia de domingo resolvi observar de perto a casa abandonada. O mato estava mais alto que imaginava, o portão com cadeados enferrujados presos em grossas correntes. Notei que, no chão do portão sobre a areia espalhada, havia rastros humanos e sinais de pés de cadeiras. Havia alguém na casa. E não era desse mundo. Meus sentimentos tomados de pavor me fizeram voltar à minha casa. Tinha uma semana de folga, resolvi então me ocupar da casa da luz que acendia às sextas-feiras. Um carro parou frente à minha casa e vi pessoas descerem em direção a casa. Um rapaz com cara de policial abriu os cadeados, escancarou os portões, observou o quintal, lançou ao seu redor um olhar de quem tem algo para esconder, abriu a porta da casa e demorou alguns minutos dentro da casa. Em seguida uma mulher fez a mesma coisa. A mulher foi até o carro, abriu a porta traseira. O homem retirou de dentro do carro algo como uma mesa com pés de cadeira e apoiou ao chão certificando de que estava firme. Vi descer do carro uma senhora de cabelos grisalhos aparentando cinquenta anos. Com dificuldades, ela se apoiou no andador e foi seguindo para dentro da casa.
Há alguém na casa e é desse mundo. Pensei. Não demorei a entender o que acontecia ali. Com a curiosidade de um repórter fiz uma estranha descoberta. O rapaz que lá estava é um policial. Filho da senhora depositada naquele lugar. Casado e com uma filha de cinco anos, guarda a mãe ali porque não tem espaço para ela no seu recinto. Não queria perder a esposa. Forçado a se livrar da mãe, alugara uma casa. A mulher, com problemas de saúde, passa o tempo todo dentro da casa. Ele vem uma vez por dia visitá-la. E, cada vez que eu o vejo, o meu futuro geme. Eu penso nos filhos que um dia virão e cogito ter uma casa com duas varandas, uma para ver o sol acordar e outra para ver o sol se pôr. Olho em direção à casa e sinto uma mulher que não pode ver o sol. Com um sentimento vazio me abrigo em prontas frases de sabedoria, mas que não aliviam a dor. Os homens humanizam o que é desumano e desumanizam o que é humano”.




domingo, 13 de janeiro de 2013

DEZOITO ANOS




 17 de Agosto, 1993.
O banco, uma enorme fila. O horário de almoço estreitava-se. Na demora, o cansaço, no estresse, a espera. E tinha ainda o sobrinho apressando a todo instante, pois precisava almoçar e tinha que esperá-lo. Mas tudo isso se findou num segundo quando um verde par de olhos encontrou os olhos do rapaz.
— O que posso fazer por você? Atrás de um balcão, ela disse ajuntando as mãos e com um sorriso daqueles que parece dizer: “adoro você”. – “Preciso que fique comigo” – pensou em dizer, inebriado com o carisma da moça, mas nada disse. Apenas abaixou os olhos e leu no seu crachá: SARA REGINA, ESTAGIÁRIA. Nome bonito e composto. O jeito era de quem passa por alguém e deixa um pedaço grudado para não ser esquecido. Sara Regina não passou, instalou-se em seus pensamentos. Ele entregou-lhe os documentos necessários para abrir uma conta.
— Espere um minuto. – Ela falou novamente usando o sorriso “adoro você”. Ele nada falou. Depois do tempo ali esperando, esperar um minuto perto da graciosa moça era melhor que todos os minutos vividos. Observou ela abrir gavetas, fechá-las, digitar com velocidade, fazer anotações. Vez em quando parava tudo. Demorava os olhos nele, lançava um “adoro você” em forma de um riso e voltava a fazer o seu serviço. A simpatia não era para ele, exclusiva. O seu encanto natural contagiava a todos. A antecedente senhora recebeu a mesma cordialidade. Encantada, se despediu e seguiu pelo corredor feliz com a atendente.
— Pronto moço. – falou devolvendo os papéis. – Daqui a três dias você pode vir retirar o seu cartão.
— Com quem devo falar?
— Comigo.
Cabelos longos, amarelos. Mãos finas e uma pequena rouquidão na fala. Detalhes que o rapaz guardou. Ela não tinha pressa de pronunciar as palavras. Quando alguém falava, esperava até que o silêncio indicasse o momento certo de dizer.
— Moço, a sua identidade. – disse saindo detrás do balcão ao alcance dele.
— Obrigado.
Olharam-se por alguns segundos...
— Me deixe voltar. – sorriu embaraçada – tenho muito trabalho...
— Ok, a gente se vê... Quinta-feira?!
— Ah, sim.
Mãos amigas se tocaram. O olhar também. Naquele dia perdera o almoço, mas ganhou uma razão. Sara Regina. Na quinta-feira iria sozinho, sem a ajuda do sobrinho, quem sabe ficaria um pouco mais à vontade ao redor daquele encanto?
A tarde que passava sem pressa não apaziguava os seus pensamentos, que velozes insistiam na imagem verde de um olhar e num sorriso que dizia “adoro você”. Por várias vezes tentou afastá-la dos seus pensamentos. Aquilo tinha jeito de sonho e ele não estava preparado para sonhar um sonho daquele. Cansado de brigar com os pensamentos, deixou que sonhasse o seu coração. “No final, a gente se prende mais aos sonhos que na realidade deles”. Refletiu. Toda emoção depois de um tempo deixa de existir, ou perde a força do primeiro encanto.
Quando o dia chegou ao final de uma quarta-feira sem pressa, ele lembrou que precisava comprar uma gravata, pois a que tinha não combinava com a roupa que usaria na formatura do seu sobrinho.

 19 de agosto de 1993.
Poucas pessoas havia no banco quando chegou a vez do rapaz.
— Oi. – Falou ainda de pé. – Vim retirar o meu cartão. – sentou-se.
— Ah, sim. – Respondeu com aquele sorriso. – Está aqui. – Proferiu com brandura depois de retirá-lo do meio de alguns outros documentos.
— Tão rápido assim?
— Sabia que viria.
— Por quê?
— Sou nova aqui, mas de alguns rostos consigo lembrar, o seu, por exemplo, não esqueci. – Sorriu.
— Não sabia dessa minha qualidade.
— Qual?! – Indagou, mirando o rapaz com os olhos semicerrados.
— Um rosto inesquecível.
— Ah! – Sorriu abanando a mão. – É um jeito de dizer.
— Obrigado. Ah! Também não vou esquecer seu rosto.
Ela disparou uma risada.
— Bobo! – Falou mirando o rapaz, e sem mudar a direção dos olhos, anunciou: – Próximo!
Quando deixou o banco, despertou nele o desejo de voltar. Não disseram muitas palavras e, bem por isso, compreenderam a linguagem dos olhos. Ela se lembrou dele, isso já era um bom começo. Quando os corações se apreciam, os desejos recomendam os caminhos.
Depois que atendeu o último cliente e o banco já havia fechado, ela verificou a ficha do rapaz. — João?! – Riu. – Ele tem nome antigo! – Falou a si mesma. Os caminhos não eram distantes, nem as possibilidades, nem as certezas. Sorriu ao descobrir que moravam na mesma rua, continentes opostos.
Dezenove de setembro daquele ano. Somente quando ele foi cantar a última música é que percebeu, ela estava na igreja ouvindo a missa. Ele cantou com os olhos fechados e, para não errar, permaneceu com eles fechados. Poderia se desligar da música e errar o tempo. Será que depois de alguns dias ela ainda se lembrava dele? Indagou-se por dentro.
Ele enrolava os cabos quando a viu se despedindo na porta. Não correu, mas acelerou os passos de tal forma que parecia correr.
— Oi! – Disse estendendo a mão. – Lembra-se de mim?
— Sim. Do banco, né?
— Sim. – Pausa. – Não sabia que você frequentava essa igreja...
— Ah, eu frequento aquela no final dessa rua – disse apontando o lado. – A minha mãe frequenta aqui.
— Quem é a sua mãe?
— Aquela. – Apontou a dona Maria, a mulher que dirigia a missa. Ele sorriu.
— Você mora aqui por perto?
— Na mesma rua em que você mora, só que láááá... na ponta. – Fez um largo gesto para indicar a distância oposta.
— Como sabe a rua que eu moro?
— Pelos documentos do banco.
Sorriram.

Tudo muda. Precisamos estar atentos às mudanças e nos adaptar a elas. Ela não tinha sonhos diferentes. Toda mulher sonha com um grande amor, pensa em se casar um dia e cogita ter filhos. Prestes a completar dezoito anos, nunca namorara. Dizia que namoraria para casar e só depois dos dezoito. Um dia depois do seu aniversário, mas só depois dos dezoito, brincava. Vivia em paz com os seus sentimentos. Driblando os interesses dos rapazes, sentia-se segura.
17 de outubro, 1993.
João não esperava encontrá-la na festa. Como ela, foram convidados pelo anfitrião, mas não conheciam ninguém. Naquela noite ele conheceu Selma, irmã de Sara, que se embrenhou no meio dos convidados esquecendo-se dela. Sozinhos, afastaram-se para conversar à distância em que podiam ser vistos. A luz que emanava da janela iluminava o banco onde estavam e a música não cobria o som da conversa. Sentados a distância que cabia alguém entre eles, se conheceram.
O coração costuma seguir por caminhos que os pés não imaginaram caminhar. Ela percebeu isso quando ele pousou a sua mão sobre a dela. Ele entendeu quando ela disse não querer namorar, mas mesmo assim insistiu. Quem sabe mudaria de ideia? Aceitou. Mas beijos, só depois dos dezoito. Ele concordou. Sabia que faltava um mês, e que se não aceitasse as regras, poderia perder a oportunidade de ficar perto dela. Ainda bem que o tempo vai moldando o coração e a gente vai anotando o que é lindo. Tinha aprendido com os erros dos outros. Mas, como mostrar aos outros que estavam namorando? O namoro precisava de proteção. Ela entendeu e, como estava apaixonada, quando saíam, se davam as mãos. Não são as circunstancias que mudam um coração, mas a forma de conviver com elas.
Na manhã do dia 3 de dezembro não houve sol. À tarde, uma garoa fina perseverou por algumas horas, intercalada por acanhados jorros de sol. Ele foi buscá-la no serviço a fim de atrasá-la um pouco para que recebesse uma surpresa. Ela mostrou a ele alguns presentes que ganhara dos colegas de serviço. Deu ênfase ao mostrar o livro “Feliz Ano Velho”, de Marcelo Rubens Paiva, que ela tinha curiosidade em ler e que ganhara do gerente do banco.
Em cima do bolo não havia velas, as velas estavam apagadas ao lado. Depois que os amigos cantaram, ela acendeu-as. Quando acenderam, as chamas propagaram formando o número 18. Nas festas de aniversário costumam-se apagar as velas, mas não seria melhor acendê-las? Afinal, precisamos da luz para clarear a vida e o discernimento, para recebermos os dias que vêm e que não sabemos como serão.
Depois que os amigos foram embora eles sentaram no banco frente à casa dela. Ele tirou do bolso um pequenino embrulho e entregou a ela. O presente, uma corrente com um pingente em forma de um coração. Ela sorriu e por alguns segundos observou o pequeno coração de ouro.   
— Obrigado pela surpresa.
— Não fui eu que preparei, foram a sua irmã e a sua mãe.
Ela observou novamente a corrente, deu um sorriso e pediu que ele a colocasse em seu pescoço.
— Estava pensando comprar uma exatamente assim. Você me deu o seu coração. – sorriu. Estava feliz e, por se sentir assim, queria tantas coisas, mas escolheu aquele momento para ser único em sua vida. É difícil pensar nas palavras quando o amor chega. Os gestos falam por tantas coisas.
— Posso fazer uma pergunta?
— Sim.
— Na verdade é um pedido.
— Tudo bem.
— Quer namorar comigo? – Ela riu.
— Você já me fez esse pedido e eu aceitei, lembra?
Ele sorriu. Sabendo que tinha mantido o protocolo. As certezas se uniram aos sonhos dela. Aconteceu o primeiro beijo. Não fora um dia depois como dizia. Os desejos têm pressa. Os dois corações estavam ali acentuando a urgência deles. Seus planos se realizavam. Ele era lindo, rapaz de respeito e, como ela, se preocupava com o futuro.
— Se você fez o pedido, qual é a pergunta?!
— Por tudo que conversamos, eu cheguei à conclusão de que preciso... – Procurou as palavras – De alguém como você o tempo todo ao meu lado.
— Sei.
Seus olhos procuraram os dele. Os segundos seguidos encontraram o silêncio. Com um movimento de cabeça ela fez um “e daí” como gesto.
— Quer se casar comigo?
Avermelhou-se. Acanhada, segurou as mãos trêmulas do rapaz. Ela queria casar-se no mês de maio, porque dizem ser o mês das noivas. Tudo estava indo rápido demais. Quando o amor chega, traz junto incertezas, que duram um tempo incerto.
Quatro dias depois. Oito de dezembro.
— A formatura é no dia dezessete de dezembro. – Caio falou ao seu tio com um calendário nas mãos. – É numa sexta feira e, no sábado à tarde, marcamos um jogo de futebol no ginásio, vamos?
— Não vou poder, tenho um ensaio na igreja.
— Não pode faltar?
— Não.
— Que pena, ia ser legal. E a Sara, vai ao ensaio também?
— No sábado, eles vão se reunir numa chácara. Revelação do amigo secreto com o pessoal do banco. Vamos nos ver à noite na casa dela.
— Ah, será o dia do seu noivado, já estava esquecendo.
— Sim e, não vai dizer que desencalhei com apenas vinte e dois anos.
— Eu não tô dizendo nada...
A ansiedade caminhava nele sem deixá-lo ver o horizonte. No final do dia, o sol estava cercado por nuvens escuras. A luz no meio, separava as camadas e era como tela de cinema, mas ele nada via. Queria olhar e estava se olhando por dentro. A felicidade o trouxera até ali e tinha data marcada, Sábado, 18 de Dezembro, 1993. Iam ficar noivos, em maio se casariam.
João acabara de chegar do ensaio quando o telefone tocou. Do hospital, o seu cunhado avisara, Caio havia batido a cabeça ao cair. Carecia que ele ficasse com o sobrinho por algumas horas, pois, precisava mover alguns documentos para levá-lo para fora da cidade.
A noite chegara e, na sala de emergência, acompanhava o sobrinho que, dormindo, aguardava as observações médicas. Preocupava-se com o sobrinho, mas não tirava da cabeça que logo mais à noite ficaria noivo. Por volta das 18 horas alguém entrou gritando no corredor.
— Emergência! Cadê a emergência? – O homem não continha o desespero.
— O que foi, moço? – Falou a única enfermeira por ali naquele momento.
— Tem duas pessoas mortas ali e dois feridos! – Disse apontando para o carro às suas costas. – Ficou um pra trás, preso nas ferragens, já sem vida.
Seres humanos são estranhos, ninguém quer sofrer um acidente, mas querem estar perto para ver, já dizia um psicólogo. A enfermeira puxou as macas e, no desespero, clamou:
— Você aí, ajuda aqui!
João com rapidez estendeu os lençóis. Sob o olhar de muitas pessoas, ajudou a colocar os mortos nas macas e junto com outro rapaz levaram ao necrotério. Ao colocá-los nas macas, viu um corpo de mulher com o rosto desfigurado e um jovem com a cabeça amolgada, ambos irreconhecíveis. Quando voltou, a enfermeira já tinha se ocupado dos feridos e, já com os médicos, cuidavam deles.
Acidente na BR. O motorista embriagado, em alta velocidade, vinha à cidade deixar algumas pessoas, pois, precisava voltar e fazer uma segunda viagem, mas se chocou com outro veículo.
João passou a noite ao lado do sobrinho, que não apresentava escoriações, mas precisava viajar, observações médicas. Quando tudo se acalmou vieram avisá-lo no hospital, não haveria noivado, Sara estava passando mal e iam transferir a cerimônia para o domingo. O rapaz viu estranheza no recado, estava tudo preparado. “Talvez comovidos com o acidente do Caio, resolveram mudar a data do noivado”. Refletiu, cogitando ir vê-la quando deixasse o hospital.
O domingo do dia 19 de dezembro acordara cinzento e nunca mais mudou de cor. Pelo vidro da janela na sala de emergência observou o céu carregado de cinza. João ficou sabendo que o cinza ficaria para sempre em sua vida quando lhe contaram. A moça com o rosto desfigurado e irreconhecível que ele havia levado ao necrotério tinha nome. Era Sara Regina. Havia duas viagens. Um colega seu de trabalho se dispôs a trazer um grupo de pessoas e em seguida retornaria para buscar os outros. Ela estava na primeira viagem porque precisava se preparar para a festa do seu noivado.  
Dezoito de dezembro de mil novecentos e noventa e três. Às 18 horas. Morreram os planos. Morreu a espera, morreram os anseios, morreram os sonhos... Expirou o amor.  
Depois que tudo aconteceu, culparam o destino e o tempo que nele se desfez ao levar para sempre a moça. Seria mesmo o destino? João compreendera que não. De tudo, ficou o silêncio. O silêncio de um dia cinza que não amanheceu. O silêncio de um amor que se foi de repente e o silêncio de um jovem que busca em seus dias compreender o tempo de um amor que chega sem perceber, mas que morre aos dezoito anos. O tempo tem seu destino, a vida tem os seus planos e o destino o seu tempo, mas por mais que se viva da forma certa, a vida caminha o tempo todo, à margem da irresponsabilidade de alguém.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

TUDO QUE VICIA COMEÇA COM “C” - Luis Fernando Veríssimo

UMA DAS PÉROLAS DE LUIS FERNANDO VERÍSSIMO!





Por alguma razão que ainda desconheço, minha mente foi tomada por uma ideia um tanto sinistra: vícios...
Refleti sobre todos os vícios que corrompem a humanidade. Pensei, pensei e, de repente, um insight: tudo que vicia começa com a letra C!
De drogas leves a pesadas, bebidas, comidas ou diversões, percebi que todo vício curiosamente iniciava com cê. Inicialmente, lembrei do cigarro que causa mais dependência que muita droga pesada. Cigarro vicia e começa com a letra c. Depois, lembrei das drogas pesadas: cocaína, crack e maconha. Vale lembrar que maconha é apenas o apelido da cannabis sativa que também começa com cê.
Entre as bebidas super populares há a cachaça, a cerveja e o café. Os gaúchos até abrem mão do vício matinal do café, mas não deixam de tomar seu chimarrão que também - adivinha ? - começa com a letra c.
Refletindo sobre este padrão, cheguei à resposta da questão que por anos atormentou minha vida: por que a Coca-Cola vicia e a Pepsi não? Tendo fórmulas e sabores praticamente idênticos, deveria haver alguma explicação para este fenômeno. Naquele dia, meu insight finalmente revelara a resposta. É que a Coca tem dois cês no nome enquanto a Pepsi não tem nenhum. Impressionante, hein?

E o computador e o chocolate? Estes dispensam comentários. Os vícios alimentares conhecemos aos montes, principalmente daqueles alimentos carregados com sal e açúcar. Sal é cloreto de sódio. E o açúcar que vicia é aquele extraído da cana.
Algumas músicas também causam dependência. Recentemente, testemunhei a popularização de uma droga musical chamada "créeeeeeu". Ficou todo o mundo viciadinho, principalmente quando o ritmo atingia a velocidade? Cinco. 
Nesta altura, você pode estar pensando: sexo vicia e não começa com a letra C. Pois você está redondamente enganado. Sexo não tem esta qualidade porque denota simplesmente a conformação orgânica que permite distinguir o homem da mulher. O que vicia é o ato sexual e este é denominado coito.

Pois é. Coincidências ou não, tudo que vicia começa com cê. Mas atenção: nem tudo que começa com cê vicia. Se fosse assim, estaríamos salvos pois a humanidade seria viciada em Cultura.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

UMA SIMPLES CANÇÃO





UMA SIMPLES CANÇÃO (Tauane/ Nill )

Eu preciso de um verso simples
Pra compor uma canção
Não precisa rimar as palavras
Nem conter os verbos certos

Que toque o meu coração
E consiga me trazer emoção
Que me faça enxergar
Como a vida realmente é
E não como eu penso ser

Uma emoção, meu coração.
Uma simples canção
Pra renascer, pra escutar.
Pra curtir em paz, em algum lugar
Uma simples canção.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

ONTEM EU APRENDI!



Quando eu nasci, a minha mãe me falou coisas. Ensinou-me a viver essas coisas. Muitas deram certo. Ela estava certa. “Esse menino precisa aprender”. Dizia depois de uma bronca, ou de usar alguns acessórios, cintas, chinelos, pá de torrar café e varinhas. Às vezes a mão inteira ou um simples toque de dedos – o famoso beliscão – que volta e meia encontrava as minhas sensíveis orelhas. Quando puxadas, arregalavam-me os olhos. Acho que é por isso que vejo coisas que os meus amigos não veem. Mas eu não os interpreto, nem as coisas nem os amigos. Cada um vê o que pode, sente o que sente e vive como lhe apraz. Eu fui privilegiado.
Havia no quintal um pé de roseira que produzia galhos para a nossa educação. Aquela roseira cedia à minha mãe alguns galhos por dia. Tínhamos folga no fim de semana, mas, se as visitas fossem “da casa”, a roseira não se importava. Eu e o meu irmão éramos sócios naquela planta.
Algumas mães educavam por necessidade, a minha, por esporte. No espaço entre uma varada e outra, havia dor. O arrependimento reinava ali, mesmo por alguns segundos. Depois vinham outro dia, outras travessuras e outros galhos. As rosas que hoje vejo não são como as de ontem. Aquelas eram sem espinhos, ótimas para a educação. Sempre que vejo um pé de rosas, penso na palavra aprender. O meu pai a utilizou poucas vezes. Ele explicava o caminho das rosas. A cada varada ele esclarecia o porquê de cada dia e de cada travessura. Com ele o galho de uma flor ganhava a função de um diário. Lido com clareza, clareava nossos erros.
A palavra “aprender” vai do mais simples aos sofisticados detalhes da vida. Aprendi que não se enxuga as mãos com qualquer pano, que não se fala de qualquer jeito a fala, que não se escuta tudo que tem para ouvir. Nem ouvir de qualquer jeito o que era para escutar. Aprendi que somos como diamante, e que algumas pedras demoram mais para dar brilho. Aprendi que vivemos em dois extremos: vivemos por aquilo que cremos para nós e pelo que as pessoas deduzem sobre a gente. Depois de gastar os meus dias seguindo as palavras de quem não conhece o meu futuro, descobri que viver do meu jeito também pode dar certo.