segunda-feira, 21 de agosto de 2023

 




PELO MEIO DO CAMINHO

        Uma frase escrita no muro:

“Perto do lugar em que nunca estive há um grito de lembranças: minha saudade é o grito”.

 O muro já desbotado ainda sustentava as letras que davam sinais de estarem escritas há muito tempo. A rua era o caminho de ida para o meu trabalho e de volta à minha casa. Não sei falar quanto tempo fazia o mesmo caminho. Penso que a rua já me tornou: lugar de passagem... e, tempo. Não sei dizer o que me levou a perceber a frase. A bem da verdade, não sei afirmar o que me fez ver o muro. Não estamos acostumados observar os caminhos pelos quais passamos. Continuei meu trajeto com a frase ecoando em minha cabeça e vi: as lembranças se faziam naquele momento por meio de rostos que eu conhecia há tempos, mas que nunca houve sequer uma aproximação. Digo: rosto de pessoas que eu conhecia por freqüentar o mesmo trajeto. Rostos que conheço quando a cidade ainda era um simples lugar do interior cujas ruas ainda eram de chão e os ventos brincavam de roda com a poeira.

        Numa das manhãs acostumadas do meu itinerário vi um homem com os cabelos brancos. Lembrei-me dele quando éramos meninos. A gente frequentou os mesmos lugares: a praça, a catedral e os campos de futebol espalhados aos arredores da cidade. Apesar de nos esbarrarmos em ato de estada, nunca conversamos. Observo-o passando por mim. O menino, agora homem de cabelos brancos, trabalhava ainda na mesma oficina? Ele me olha como alguém que me conhece, mas que nunca se aproximou. Eu, como ele, conhecido de infância, mas distante de conversas, por um momento questionei meus cabelos brancos. Eu mudei de trabalho tantas vezes, mas não mudei as minhas ruas. Todas as manhãs, nossos horários eram os mesmos. Trabalhos diferentes, caminhos iguais. No tempo éramos semelhantes, suponho que nascemos na mesma cidade, no mesmo ano. Talvez em dias parecidos. Ele se vai. Se esconde dentro da oficina, com sua bicicleta desbotada. Deixando desbotada a minha inquietude.


quinta-feira, 24 de junho de 2021

BARQUINHO DE PAPEL

 


Era uma simples folha de papel que tinha virado rascunho. Penso que nem tudo nasceu para seguir em uma única direção. Ser totalmente do mesmo jeito não cabe no ato de “existir”. Sou como Heráclito sentindo o tempo diante de um rio. O tempo é uma esquina. A gente dobra e sem perceber depara com um cenário novo, numa rua nova, no meio de pessoas que nunca vimos, mas que imprime em nós seu olhar, e nos força a caminhar mais rápido ou devagar.  Faz a gente mudar de lado e até mudar algumas coisas, dentro da gente.

O local de trabalho era ocupado por quatro pessoas em uma sala como todas as salas de um escritório: computadores, papéis, muitos papéis. No meio dos assuntos aleatórios, observei uma menina concentrada, com uma folha de papel entre os dedos. Era uma folha para rascunho, uma folha cuja serventia a muito tempo  deixara de ter. Aquela folha tinha cumprido sua travessia. E a travessia estava em conter escrito nela as informações necessárias a uma etapa de tempo. A folha não tinha mais espaços para mais escrita. Nem na frente nem no verso cabia qualquer rabisco que fosse de uma informação capaz de alguma utilização.

Envolvido nos assuntos aleatórios, não deixei de observar as mãos hábeis da menina concentrada. Fui vendo a folha desaparecendo, se diminuído a cada movimento dos dedos dela. Eram dobras e mais dobras e dobras. Pensei depois no quanto nos dobramos, para ser o que precisamos ser. Como aquela folha de rascunho eu também estava sem espaço. Talvez os anseios tenham grudado meus olhos em coisas que não preciso. De repente as minhas escolhas plantou em meu terreno árido coisas que só nascem e frutificam em solos férteis. Ou então meus desejos por não respeitar o tempo me encheram de pensamentos que já não cabem em mim.

Pensei no tempo das folhas. Se elas não estão num livro, num arquivo, ou protegidas, elas desaparecem no tempo. Também ponderei a travessia de uma folha. Elas são úteis. Depois vêm outras folhas, outras mensagens, outras serventias. Arrisquei a pensar que aquela folha teve seu instante de sorte ao ser recolhida por mãos hábeis.

 

Sobre um descanso dos meus olhos, aquela folha virou um barquinho.

 

 A menina me presenteou com o Barquinho, dizendo: agora você pode velejar por aí... Desde então velejo dentro de mim. Mas na verdade sinto ser o barco: todo instante sendo construído por pessoas magnificas.




domingo, 7 de fevereiro de 2021

PANDEMIA EM TEMPO DE LEITURAS

 


 

Depois de um tanto faz escrachado nos meus aborrecimentos, só restou sentar-me na varanda e junto com o meu cachorro, olhamos a chuva cair.

Eu tinha nas mãos um livro que falava do tempo.

Meu cachorro parecia tentar compreender cada gota que escapulia da beira do telhado. Pensei: É... a pandemia está me fazendo perceber o que há tempo deixei de fazer. Sentar num momento de chuva forte, na varanda da casa, com o meu cachorro, até faço com frequência, mas sentir a chuva derramar sobre o meu vazio um pouco de poesia molhada, isso deixei.

Meus dias ocupados demais agora deram lugar a uma calma estranha, um estar que machuca, um falta que “dói distâncias”.

Olho as flores. Elas sorriem com a chuva e dançam com o vento. As flores bailam. Acho que a dança é uma forma de louvor pela chuva que as tocam, abraçam e as beijam. Acho que o dançar delas é uma forma de aleluia por saber que as nuvens utilizam a chuva como mãos para tocá-las.

Eu agora escrevo.

E volto num antes que eu fui.

Escrevo usando caneta e papel. Dei um descanso para o Notebook. A TV me enoja e..., cansei dos filmes. Também não quero notícias que de tão “dizidas” soam como se não fossem passar.

Mas passará.

A chuva cai, meu cachorro me olha e sorri com a cauda. Retribuo com um afago em seu pescoço.

Volto para minha folha de papel.

Volto para minha caneta.

Volto até a minha primeira série: quando a professora segurou a minha mão e me ensinou a fazer a letra A, “na folha de um caderno”.

Com gosto de primeira série, segurando a caneta – como se fosse o lápis que a professora apontou tantas vezes – eu encaro uma folha em branco.

Devido ao isolamento por causa da Pandemia, as palavras saem amargas.

Tento amenizá-las com uma dose de “poética” e sinto o gosto da primeira alegria quando uma professora me ensinou a desenhar as letras.

A folha em branco dá lugar a uma conversa.

A caneta é quem media a conversa, assim como as nuvens usam a chuva para mediar o diálogo que faz as flores sorrirem.

Em tempo de Pandemia, que o isolamento não me escureça por dentro. Quero ver o sorriso do meu cachorro enquanto a chuva cai, quero pensar na quantidade de pessoas vou poder abraçar: quando a tempestade passar.

 



quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A MENINA QUE NÃO CABIA NO MUNDO

 

Livro de contos e crônicas







O FRUIR LITERÁRIO EM A MENINA QUE NÃO CABIA NO MUNDO

 

A nostalgia de um “mim” perdido no espaço-tempo, a peregrinar por aí “sem saber o que fazer ou onde parar”, inunda-me cada vez que viro a página desta pequena caixinha de mundos imiscíveis e a um tempo homogêneos que tenho nas mãos.

Sim.

Finalmente tenho em meu poder o tão esperado exemplar: A MENINA QUE NÃO CABIA NO MUNDO. E, como em Felicidade Clandestina, sigo adiando o prazer de devorar os contos que aqui figuram. 

As personas nesta obra se apresentam de forma tanto única quanto comum e pergunto-me: Por que me encaixo perfeitamente em cada um desses encantadores enredos?

Um universo de conhecimento despretensioso mora aqui e quando meus olhos passeiam pausadamente pelos rincões da página, sinto-me roçar a existência de Clarice ou de Cecília nesse adorável limiar entre a prosa e a poesia.

Pensamentos de um saber filosófico profundo, colhidos na tecitura dos contos, habitarão para sempre a memória “das minhas retinas”.

A saber, através destas linhas pude revisitar “meus escombros sem ao menos enviar-me um aviso” e entender, finalmente, que “as coisas que mais doeram foram as que eu sustentava achando que não ia passar; quando as deixei sem sustento, passou”.

Passou e ensinou-me que às vezes pode até nos faltar alimento ao organismo. Nunca, no entanto, ao intelecto. Devemos ter sempre à disposição “uma máquina de fazer pão” e livros. Muitos livros. Pois “livros são ótimos para proteger a cabeça”.

Confesso que em alguns momentos “meus olhos ganharam águas ao fim da leitura”. Como gotas as palavras constantemente “rasgam minhas entranhas” e vão regando meus jardins internos que por muito tempo quedaram ressequidos e desabitados. Visto que “as flores murchavam e os canteiros precisavam de uma reforma” na ânsia de encontrar num instante ímpar o maravilhoso fruir do texto!

Nill Cruz logra, em suas composições, jogar com as palavras como em tempos idos brincavam os meninos com “bola, papagaio, pião”!

Eis a obra que eu aguardava para alargar meus horizontes literários e estabelecer meu plano de fuga da realidade. Afinal, não há nada como “a paz dos livros” “para aliviar as angústias”, pois “o homem vive melhor quando imagina. A realidade é peso grande” demais.

                                  

Uma resenha de:

Jaquelini Silva Brito de Jesus Porfírio

sexta-feira, 17 de julho de 2020

CURT'aS PALAVRAS